O campeonato sueco arrancou neste domingo. Era para ser um dia de festa e tinha um protagonista especial. Henrik Larsson, o antigo goleador, estreava-se como treinador no primeiro escalão, logo frente ao campeão em título. Mas em Helsingborg, a 60km de Malmoe, uma rixa entre adeptos resultou numa morte e ensombrou o dia 1 da Allsvenskan.

Larsson vive em Helsingborg e esta manhã passou de carro pela zona do estádio, com o filho, a caminho do seu jogo. Ainda não tinham começado os confrontos entre adeptos do Helsingborg e do Djurdgarden que resultaram na morte de um adepto visitante, que não resistiu a lesões na cabeça. A notícia de que a vítima não tinha sobrevivido chegou já com o jogo a decorrer, pouco antes do intervalo, e levou os adeptos do Djurgarden a invadir o relvado. O árbitro acabou por considerar que não havia condições para o jogo continuar.

Em Malmoe, o campeão venceu o Falkenberg de Henrik Larsson por 3-0. Mas não foi o jogo que dominou as atenções neste domingo. E o treinador Larsson, uma figura proverbialmente serena e tranquila como jogador, deu um primeiro contributo significativo para o campeonato sueco com um discurso duro sobre um problema que não é de hoje.

«Que raio estamos a fazer? Não é por isto que vamos ao futebol, isto é horrível. É esta a primeira Liga que queremos? Não queremos mandar os nossos filhos ao futebol e depois arriscar que eles não voltem para casa», questionou: «Hoje passei por Helsingborg de carro e às 9h45 da manhã havia uma série de adeptos à espera que o bares abrissem. Devia haver bares abertos em dia de jogo? De quem é a responsabilidade? Dos clubes, dos adeptos, ou da sociedade? Temos de fazer alguma coisa, temos todos de assumir responsabilidades.»


 
 
São palavras fortes de um nome com muito peso. No futebol sueco, mas não só. Como jogador, Henrik Larsson foi um dos grandes goleadores do futebol mundial do final dos anos 90 e de boa parte da década de 2000. Uma garantia de talento e qualidade, da Holanda a Barcelona, passando por Glasgow e, claro, pela seleção sueca.

Filho de Francisco Rocha, cabo-verdiano da Boavista que imigrou para a Suécia, aprendeu com o pai a gostar de futebol. O apelido ficou o da mãe, porque naquele tempo os pais acharam que seria mais bem aceite com um nome sueco do que com outro de sonoridade estranha.

Ficou Larsson o miúdo que começou por jogar no Hogaborgs, na região de Helsingborg, onde nasceu e viveu. Foi lá que fez a formação, antes de rumar mesmo ao Helsingborg, então na segunda divisão. Ao fim da primeira época o clube subiu ao escalão principal, à força dos 34 golos do jovem Henrik. Rapidamente deu nas vistas fora da Suécia e em 1993 emigrou para a Holanda, para jogar no Feyenoord. Ficou quatro anos em Roterdão, mas a sua relação com o clube não foi pacífica. Saiu em litígio, para assinar pelo Celtic, em 1997.

Em Glasgow tornou-se lenda. Sete anos, quatro títulos escoceses, 242 golos. E aquela final da Taça UEFA de 2003, frente ao FC Porto. Marcou os dois golos dos escoceses em Sevilha, que deram dimensão à vitória época dos dragões de José Mourinho (3-2). É aliás ainda hoje o melhor marcador de sempre da Taça UEFA/Liga Europa, com 40 golos.

Em 2004 terminou contrato com o Celtic e rumou ao Barcelona. Uma lesão grave em novembro manteve-o afastado o resto da época, mas ficou por mais um ano, até fazer história na final da Liga dos Campeões de 2006. Começou no banco, mas entrou e foram dele as duas assistências para os golos de Etoo e Belleti que garantiram a vitória sobre o Arsenal.

O «verdadeiro aristocrata» de Alex Ferguson

Deixou Barcelona no final dessa época para voltar a casa, ao Helsingborg. Mas os grandes da Europa não o tinham esquecido e voltou uma última vez. Entre janeiro e março de 2007, durante o defeso do campeonato sueco, jogou por empréstimo no Manchester United. Alex Ferguson contou mais tarde, na sua autobiografia, que já tinha querido contratá-lo antes, mas o Celtic dissuadiu-o.

Fez 13 jogos e três golos pelos «red devils». «Conseguimos um verdadeiro aristocrata, mesmo que por apenas dois meses», diz Ferguson., recordando o respeito que toda a gente no clube tinha pelo sueco: «No último jogo, quando voltou ao balneário, todos os jogadores se levantaram e aplaudiram-no. É preciso um grande jogador para causar esse impacto em dois meses.»

Larsson tinha contrato com o Helsingborg e voltou a casa. Terminou a carreira dois anos depois, na mesma altura em que disse adeus à seleção da Suécia, que representou durante 16 anos, entre 1993 e 2009. Jogou em três Campeonatos do Mundo e três Europeus, jogou 106 partidas e assinou 37 golos. Faz parte do clube restrito de jogadores que marcaram em três Mundiais diferentes: 1994, 2002 e 2006, cinco golos no total. Abandonou várias vezes a seleção, onde desde 2002 fez dupla com Zlatan Ibrahimovic (são bons amigos), mas voltou sempre. O último regresso aconteceu na campanha para o Mundial 2010, a pedido do selecionador Lars Lagerback. Falhado o apuramento, disse adeus em definitivo.

No tempo em que a vida dele era marcar golos, Henrik Larsson chegou a dizer que nunca viria a ser treinador. Depois, como ele próprio disse um dia, cresceu. «O que é que mudou? Cresci! É verdade que disse que nunca quis ser treinador, mas quando crescemos percebemos que é mais interessante do que pensávamos», contou numa entrevista à FIFA.

Até agora a carreira no banco de Henke, como lhe chamam na Suécia, foi discreta. Entre 2010 e 2012 treinou o Landskrona, na II Divisão sueca, com resultados medianos. Em 2013 tornou-se adjunto do Hogaborgs, o clube onde tudo começou e onde joga o seu filho Jordan, de 16 anos. No terceiro escalão sueco, à espera de nova oportunidade.



Aliás, em julho de 2013, numa fase difícil para o Hogaborgs, ele chegou a reaparecer num jogo. Ainda jogava pelos veteranos, estava inscrito e entrou em campo, ao lado do filho. Henrik ficou em branco, mas Jordan, hoje com 16 anos, marcou nesse jogo.

A tal oportunidade como treinador apareceu em dezembro de 2013. O Falkenberg, um pequeno clube do sul da Suécia, preparava-se para a estreia na principal Liga sueca, depois de ter vencido a II Divisão, de longe o momento mais alto na sua história. O treinador que conseguiu a proeza, Hans Eklund, assinou pelo Kalmar, e o clube contratou Larsson, por um ano.

Estávamos em dezembro de 2013, Larsson teve três meses para preparar um equipa que perdeu alguns dos jogadores mais importantes na época da subida de divisão, que tem meios muito inferiores aos dos principais clubes da Allsvenskan e que toda a gente na Suécia vê como um dos mais fortes candidatos à descida.

Ele vai tentar aproveitar precisamente o facto de as expectativas serem baixas. «Somos os menos favoritos e vamos tentar tirar partido disso», diz: «É um tremendo desafio, mas tenho de acreditar que conseguimos.»

Larsson tem 42 anos e ainda está a começar. Sem pressa. O seu objetivo de carreira, como treinador, é «ser o melhor possível». «Estive na Europa, joguei os maiores jogos, quero sentir esse sentimento outra vez. Sentir o cheiro de uma grande noite. Se vai ser possível, vamos ver», disse ao jornal sueco «Expressen».

Trabalhou com muitos treinadores de renome, enquanto jogador, mas não cita ninguém especial como influência: «Fui buscar alguma coisa a todos os treinadores, mesmo os que achava que não eram muito bons, não fazendo o que achava que eles faziam mal.»

No Landskrona, mesmo que não tenha tido grande sucesso, cresceu, garante. «Aprendi muito como treinador e com o que eu chamo o jogo político. Escolher as batalhas.»

Na estreia perdeu no campo do Malmoe. Dois dos golos dos campeões foram marcados por um jogador de apelido bem conhecido em Portugal: Simon Thern, filho de Jonas Thern. Sobre o jogo, Larsson diz que ficou contente com o que fizeram os seus jogadores. A batalha dele não é com o Malmoe, é tentar não descer de divisão. Só está a começar.