Cabem histórias sem fim no Jamor, mais ainda quando a final é também um Clássico. Agora com o Sporting a tentar conquistar o segundo título da época e o FC Porto à procura de quebrar um jejum que já vai longo. É a quinta final entre eles, mas um Clássico no Jamor não é tão comum assim, nestes tempos. Há mais de uma década que não havia uma decisão da Taça de Portugal entre dois dos ditos «grandes». FC Porto e Sporting vêm interromper um ciclo em que a hegemonia dos dominadores do futebol português se tem esbatido na Taça, até em contra-corrente com o que acontece na Europa. Em contrapartida, reeditam um duelo que por cá se repete, e repete.

A primeira curiosidade que distingue esta final é o facto de ser algo que já não se via há mais de uma década. Neste século, apenas houve por três vezes clássicos na decisão da Taça de Portugal. Dois deles precisamente entre FC Porto e Sporting, uma vitória para cada lado. O outro foi o Benfica-FC Porto de 2003/04, ganho pelos «encarnados». Se tivermos em conta que mais de um quarto das 78 edições da Taça foram decididas entre os três, constatamos que o séc. XXI tem vindo a mudar a tendência. Até porque nestas quase duas décadas houve outras cinco equipas para lá de FC Porto, Sporting e Benfica a fazer a festa no Jamor: V. Setúbal, Académica, V. Guimarães, Sp. Braga e Desp. Aves. E quatro desses triunfos estão concentrados nos últimos dez anos.

A Taça tem perdido espaço na hierarquia das competições e nas apostas dos clubes, ou vice-versa. Essa é uma tendência não apenas portuguesa. Mas ainda assim a superioridade dos maiores tem-se prolongado para a Taça na Europa dos grandes. Mesmo em Inglaterra. A Taça de Inglaterra, a mais velha competição do mundo, tradicionalmente aberta – já teve 43 vencedores diferentes-, tem sido nos últimos tempos terreno praticamente exclusivo dos chamados «Big 6». Neste século, apenas por duas vezes o título não foi para um deles: em 2007/08 ganhou o Portsmouth e em 2012/13 o Wigan.

Em Espanha, o Barcelona venceu as últimas quatro edições - joga neste sábado por um quinto triunfo seguido - e na última década os triunfos na Copa do Rei têm sido repartidos entre os «culés», o Real Madrid e o At. Madrid, com uma vitória do Sevilha pelo meio. Em Itália, a Lazio interrompeu esta época um ciclo de quatro triunfos da Juventus na Taça, sendo que nos últimos anos também têm sido os clubes de topo a vencer quase exclusivamente o troféu. O caso é um pouco diferente na Alemanha, onde embora o Bayern Munique seja também a equipa com mais triunfos na Taça nesta década, seguido do Dortmund, há espaço para mais quatro clubes diferentes no palmarés: Werder Bremen, Schalke, Wolfsburgo e E. Frankfurt.

Portanto, a final de 2018/19 da Taça de Portugal não tem sido assim tão clássica nos últimos tempos, mas os duelos entre dragões e leões têm sido recorrentes. Este será o nono confronto direto em apenas duas épocas, um número incrível que envolveu duelos em todas as competições nacionais, sempre com Conceição no banco do FC Porto e com três treinadores diferentes em Alvalade.

Penáltis, o calcanhar de Sérgio e horas-extra

Em jogos de «mata mata», nestas duas épocas, a vantagem tem sido toda do Sporting. O leão levou a melhor nos penáltis na época passada nas meias-finais da Taça da Liga e da Taça de Portugal e esta temporada também foi nas grandes penalidades que desempatou a seu favor a decisão da Taça da Liga, em janeiro.

O histórico de Sérgio Conceição por aí, aliás, é pesado. Além dessas decisões no banco do FC Porto, o treinador perdeu ainda outra final com o Sporting. Foi a 31 de maio de 2015, quando Conceição treinava o Sp. Braga e Marco Silva estava no banco dos leões. Uma final dramática que o Sp. Braga esteve a vencer por 2-0 até ao 86 minutos, mas que o Sporting empatou já nos descontos e ganhou depois nos penáltis.

Esse é outro clássico da história das decisões entre FC Porto e Sporting: são garantia de horas-extra. Foi assim em todas as quatro finais da Taça de Portugal que disputaram até hoje. Uma história que começou em 1978 e se saldou em duas vitórias para cada lado, mas ao fim de … sete jogos. A primeira final, acabou empatada, um golo para cada lado. Uma semana mais tarde jogou-se a finalíssima e aí valeram os golos de Vítor Gomes e Manuel Fernandes para o Sporting. Seninho ainda reduziu, mas os leões levaram mesmo a Taça (2-1).

A final seguinte foi a mais atribulada de todas. Em 1993/94, no fim de uma época agitada, a decisão acabou 0-0 e daria lugar a nova finalíssima. Que acabou em confusão total nas bancadas, depois da vitória do FC Porto, lançada por um golo de Rui Jorge, empatada por Vujacic e decidida num penálti batido por Aloísio, logo a abrir o prolongamento. Para a história ficaram as imagens do caos e de João Pinto, capitão do FC Porto, a brandir a Taça para se esquivar dos objetos arremessados por adeptos do Sporting. Recorde aqui

A terceira final entre ambos aconteceu em 1999/00 e também acabou em finalíssima, depois do 1-1 no primeiro jogo, com golos de Jardel para o FC Porto e Pedro Barbosa para o Sporting. Na finalíssima, Clayton e Deco fizeram o resultado de 2-0 que deu a Taça ao FC Porto e evitou a dobradinha do Sporting, campeão nesse ano.

Depois foi 2007/08, a final do herói improvável Rodrigo Tiuí. Não houve finalíssima porque tinha sido abolida, mas houve prolongamento depois de um nulo nos 90 minutos. O brasileiro que tinha sido toda a época figura secundária em Alvalade entrou em campo para jogar os 30 minutos extra, quando o FC Porto já jogava com 10 por expulsão de João Paulo, e marcou um golo, depois outro. 2-0, desta vez era o Sporting a impedir o FC Porto de juntar a Taça ao campeonato.

Os desafios para leões e dragões, o desempate e algo inédito no horizonte

Agora voltam a encontrar-se no Jamor. Para o Sporting é o regresso apenas um ano depois da traumática final de 2018, que os leões jogaram cinco dias a seguir ao ataque aos jogadores na Academia de Alcochete. Bruno Fernandes já assumiu que a memória desses dias é motivação adicional para este sábado. Se vencer, o Sporting termina a época com dois troféus, depois de já ter ganho a Taça da Liga, a coroar um dos anos mais atribulados da sua história. E torna-se apenas a segunda equipa da história a vencer as duas Taças no mesmo ano, depois do Benfica em 2013/14. Dessa vez os «encarnados» fizeram a tripla, porque venceram também o campeonato.

O FC Porto volta à final pela primeira vez em três anos – quando perdeu para o Sp. Braga -, à procura de uma vitória que lhe escapa desde 2010/11, quando venceu campeonato, Taça e Liga Europa, com Villas-Boas no banco. Se perder, a Supertaça ganha em agosto ao Desp. Aves será o único troféu da época. Se ganhar, compensa em alguma medida a perda do campeonato.

Outra certeza da final do Jamor é que qualquer que seja o resultado, vai desempatar o histórico entre Sporting e FC Porto. Nesta altura têm ambos 16 triunfos e quem vencer assumirá isolado o segundo lugar do palmarés da Taça de Portugal, atrás do Benfica, que tem 26 vitórias. 

Um triunfo do FC Porto garantiria de resto algo inédito, as três competições nacionais da temporada divididas pelos três «grandes». Desde que foi criada a Taça da Liga, em 2007/08, já por várias vezes houve vencedores diferentes em cada uma das competições na mesma época, mas nunca foram os tradicionais dominadores do futebol português.

(artigo originalmente criado às 23h51 de 23/05/2019)