Foi a 24 de maio de 1998, no Jamor. No centro da defesa do Sp. Braga estava o capitão Artur Jorge. Pela ala direita do FC Porto subia Sérgio Conceição. Passaram 25 anos e neste domingo eles reencontram-se, agora nos bancos das duas equipas, para discutir de novo a Taça de Portugal.
O FC Porto venceu por 3-1 aquela final, um triunfo selado com um grande golo de bicicleta de Artur. Esse é um dos momentos que ficam daquela tarde. Mas Quim, que tinha então apenas 22 anos mas já era o dono da baliza do Sp. Braga, recorda outro. O segundo golo portista, do fenómeno que era Mário Jardel. «O Jardel apareceu-me isolado e praticamente tabelou com o poste e a bola foi novamente para ele. Ele tinha muito essas jogadas. Parecia que tinha íman e a bola vinha sempre ter com ele.»
A final teve grande ambiente, recorda Quim. Foi uma romaria ao Jamor, a partir de Braga e do Porto: «O estádio do Jamor cheio, com aquele envolvimento que toda a gente conhece, foi uma final de Taça fantástica.»
O «peso nas pernas» dos jogadores do Sp. Braga
Aquela era apenas a quarta final da história do Sp. Braga, a primeira em 16 anos. O Braga tinha no banco Alberto Pazos, ex-adjunto de Fernando Castro Santos, que saiu a meio da época. Terminou a Liga na 10ª posição e chegava ao Jamor depois de uma caminhada notável, em que deixou pelo caminho o Sporting, nos quartos de final, e depois o Benfica. Agora tinha pela frente o tetracampeão nacional, à procura da «dobradinha».
O FC Porto era óbvio favorito, nota Quim. «O FC Porto na altura era uma excelente equipa, com o Mário Jardel na frente, o Artur… Na altura o Braga ainda não era uma equipa com jogadores experientes que jogassem finais e foi uma novidade. E naturalmente que para alguns jogadores pesou. O que envolveu o próprio jogo, uma final da Taça de Portugal, isso quer queiramos quer não causou algum peso nas pernas dos jogadores», recorda Quim. «Eu próprio, foi a minha primeira final da Taça. O FC Porto era mais experiente, com jogadores mais experientes, habituados a estas finais.»
Cartão para o capitão Artur Jorge, o primeiro de muitos naquela final
O FC Porto era favorito e confirmou-o logo de início. Entrou a dominar o jogo e a dar água pela barba à defesa do Sp. Braga, com as incursões de Drulovic e Sérgio Conceição e, claro, a presença de Mário Jardel na área.
Logo aos 10 minutos, Artur Jorge viu um cartão amarelo – um de muitos mostrados ao longo do jogo pelo árbitro Jorge Coroado -, num lance com Drulovic.
A insistência do dragão acabou por resultar em golo aos 16 minutos. Começou num canto batido por Sérgio Conceição, à esquerda. Na área, Aloísio apareceu a cabecear para o 1-0.
O íman de Jardel e a bicicleta de Artur
Passaram oito minutos até chegar o segundo golo. Um erro de José Nuno Azevedo deixou a bola nos pés de Jardel. E então, lá está. Ele rematou, a bola bateu no poste e foi ter com ele outra vez. 2-0.
Mas o Sp. Braga ainda encontrou alento para reagir. Conseguiu reduzir no início da segunda parte, quando o brasileiro Sílvio, que tinha chegado a Braga em janeiro e sairia logo no final da época, apareceu a cabecear, depois de um cruzamento de Formoso.
A final ganhava novo ânimo. Para mais, o FC Porto ficou reduzido a dez pouco depois da hora de jogo, quando João Manuel Pinto viu o segundo cartão amarelo por uma entrada sobre Karoglan. Foram mais de uma dezena os cartões mostrados por Jorge Coroado naquela final. O último foi a Artur, que entrou em campo a 15 minutos do fim a render Jardel, por tirar a camisola a festejar o golo que arrumou o jogo.
Antes disso, Rui Correia tinha brilhado na baliza do FC Porto, a defender um remate de Sérgio Abreu. Do outro lado, Quim evitou um primeiro remate de Artur. Mas não conseguiu fazer nada quando o brasileiro viu a bola chegar, vinda de um delicioso cruzamento de trivela de Drulovic, e decidiu fazer aquele remate acrobático. Artur, o avançado que tinha brilhado no Boavista e se destaca também no Dragão, já disse ao Maisfutebol que aquele jogo e aquele golo foram dos mais marcantes da sua carreira.
Está aqui o resumo daquela final
A primeira final de Artur Jorge no banco, Conceição procura a terceira Taça de Portugal
Artur Jorge saiu de campo na final aos 52 minutos, rendido pelo médio Bruno. Sérgio Conceição também foi substituído, a cinco minutos do fim, para dar lugar a Capucho. Sairia no final dessa época para Itália, voltou ao FC Porto em 2004 para meia temporada. E em 2017/18 assumiu como treinador, até hoje.
A primeira final da Taça de Portugal de Sérgio Conceição treinador foi, outra curiosidade, no banco do Sp. Braga: em 2015, na decisão perdida para o Sporting. Já como técnico do FC Porto voltou a sair derrotado pelos leões nos penáltis em 2019, mas depois venceu a prova rainha por duas vezes: em 2020, frente ao Benfica, e na época passada, perante o Tondela. No final da sexta temporada no banco do FC Porto, a bater recordes de longevidade, pode conquistar o 10º troféu, que seria o terceiro de uma temporada em que não conseguiu revalidar o título de campeão nacional, mas que começou a vencer a Supertaça, tendo de caminho garantido ainda a primeira Taça de Liga da história do clube.
Artur Jorge procura o seu primeiro troféu, ele que depois daquela final jogou mais seis temporadas em Braga. E que depois de uma passagem curta por Penafiel no final da carreira voltou ao seu clube, para várias funções, até assumir como treinador principal no início desta época.
«Como jogadores eram muito iguais ao que são como treinadores»
São dois treinadores com perfis diferentes. Mas onde já se podia perceber, como jogadores, a essência do que ambos são hoje como treinadores. «Como jogadores eram muito iguais ao que são como treinadores», nota Quim, que além de ter jogado ao lado de Artur Jorge no Sp. Braga foi companheiro de Sérgio Conceição na seleção nacional.
«O Artur Jorge era um líder. Como jogador era um líder de balneário, era capitão, tentava ajudar os mais novos e tentava incutir a mística do Sp. Braga, porque ele praticamente cresceu em Braga. Procurava ambientar cada jogador que chegava, mesmo nós, os jovens que saíamos da formação, procurava ambientar-nos da melhor forma», analisa Quim: «E já se notava a sua organização. Ele como central tentava organizar as coisas também dentro de campo e falava muito, era muito comunicativo.»
«O Sérgio, como jogador, era aquela pessoa com uma vontade enorme de vencer, de querer jogar, de querer ajudar. Coisas que agora também é como treinador. Ele não gosta de perder. Já era assim como jogador e agora como treinador muito menos», continua Quim.
Como treinadores, têm perfis diferentes entre si. «Na maneira de se exprimirem, de falar, são muito diferentes. O Artur se calhar para fora transparece mais tranquilidade, o Sérgio mais expressivo, mais de botar para fora as emoções. O Artur também o é, mas é mais para o grupo. Mais para dentro», considera Quim.
Mas há semelhanças, nota. Da ambição à forte ligação ao clube que representam: «São muito parecidos na vontade de vencer, acima de tudo. E são dois treinadores que amam o clube. E conhecem mais do que ninguém o clube que estão a representar.»
Artur Jorge, considera Quim, fez da sua ligação ao Sp. Braga uma força ao longo da época, na caminhada até ao terceiro lugar na Liga, com recorde de pontos para o clube: «Ele sente o Braga como ninguém e conhece os cantos à casa. Isso é importante num clube de futebol e principalmente para ele agora como treinador. Ajuda em tudo, mesmo na própria ligação com os adeptos.»
Na época que agora termina, o FC Porto venceu o Sp. Braga por 4-1 na primeira volta, enquanto o duelo da segunda volta terminou sem golos. O terceiro confronto chega agora e Quim acredita que vai ser equilibrado. «O Sp. Braga fez um campeonato muito bom, a jogar bom futebol. O FC Porto também está numa boa fase. Não conseguiu vencer o campeonato, mas tem a Taça.»
A magia da Taça: Quim que o diga
E o equilíbrio de forças já é bem diferente do que era há 25 anos, nota. «O Braga já tem jogadores experientes, já está habituado também a jogar finais. Nos últimos anos já está a chegar a mais finais, a jogos decisivos. Acho que estão muito iguais. É lógico que o FC Porto tem outro orçamento, mas o Braga também tem jogadores que podem decidir uma partida destas.»
Portanto, os jogadores já estarão mais preparados para desfrutar de tudo o que envolve a final da Taça no Jamor. Algo que Quim admite não ter conseguido há 25 anos. «O nervosismo se calhar era tanto que a gente se calhar não consegue usufruir muito da própria final. Se calhar, olhando para trás, não consegui aproveitar aqueles pequenos pormenores que a gente deve aproveitar. Porque o nervosismo é tanto, a vontade é tanta», sorri Quim. Ele que sabe bem o que é a magia da Taça de Portugal.
Quim voltou ao Jamor duas vezes, uma delas pelo Benfica, quando em 2005 viu do banco o V. Setúbal levar a melhor sobre as águias. E a outra em 2018, quando entrou em campo naquele que seria o último jogo da sua carreira a defender a baliza do Desp. Aves, frente ao Sporting. «Estive em três finais, uma pelo Braga e outra pelo Benfica, e só a consegui vencer pelo Aves», ri-se: «Se calhar a menos previsível, mas pronto, felizmente acabei por vencer. E ainda para mais era o último jogo da minha carreira.»