A história da Taça de Portugal está repleta de duelos entre FC Porto e Sporting, um dos maiores Clássicos do futebol nacional que, esta quarta-feira, ganhará uma nova página para a já preenchida história. Só na meias-finais da Taça de Portugal, este será o oitavo «duelo». E por «duelo» entenda-se disputa por um lugar no Jamor e não o jogo em si, já que, várias vezes, como agora, tudo se decidiu em dois jogos. 

Umas vezes, como hoje, porque assim determinava o regulamento. Outras porque, mesmo havendo a possibilidade de tudo ficar resolvido em 90 (ou 120) minutos, a igualdade sobrepunha-se a tudo o resto. A história do Clássico nesta fase da prova está repleta de prolongamentos e novos duelos. 

Em oito capítulos, o Maisfutebol conta a história das meias-finais entre FC Porto e Sporting, avançando já com um dado concreto: a vantagem histórica está do lado dos dragões. Em oito duelos nesta fase, por cinco vezes foram os portistas a avançar para a final, incluindo as duas anteriores neste século. 

A última vez que o Sporting afastou o FC Porto nas meias-finais da Taça foi há 22 anos, num duelo que Afonso Martins decidiu e recorda, na primeira pessoa, ao nosso jornal. 

Mas vamos por ordem...

1951/52: dragões desperdiçam quatro golos de vantagem

FINALISTA: Sporting

Uma eliminatória cheia de história. E de estórias. Três jogos, uma vitória do FC Porto, duas do Sporting, com muitos golos, emoção, expulsões e polémica.

Na altura, como agora, a meia-final disputava-se a duas mãos. A primeira decorreu no novíssimo Estádio das Antas, inaugurado três dias antes. Foi, portanto, o primeiro jogo oficial a decorrer no recinto. O FC Porto ganhou por 2-0, com bis de Diamantino, o «habilidoso», como era conhecido. Um lisboeta, nascido na Ajuda, que passara pelo Sp. Braga e chegara à Invicta nesse ano.

«Aquele era o Sporting dos Cinco Violinos. Era o Vasques, o Peyroteo, o Albano, Jesus Correia...Mas o FC Porto tinha uma equipa da mesma glória. Eu, Hernâni, Pedroto, Barrigana...», recordou o antigo jogador, do alto dos seus 90 anos, numa entrevista publicada em 2016 no Correio da Linha. Na mesma, explicou por que saiu do FC Porto, dois anos depois: «Queriam que eu fosse profissional e eu não queria ser profissional. Quero uma coisa fixa, quero o meu futuro, quero um emprego. Queria mulher e queria fazer casa.»

Ora, o FC Porto entrou no Lumiar, casa do Sporting, sete dias depois, com dois golos de vantagem. E aos 3 minutos de jogo, já tinha...o dobro. Diamantino, outra vez, a marcar aos 2 e Carlos Vieira aos 3. Parecia decidido. Mas não estava. Até ao intervalo, um autogolo de Bibelino e outro de Travassos empataram o jogo. Na segunda parte, Albano fez dois golos, o segundo para lá da hora, e fixou o 4-2 final. Como, na altura, não havia a regra dos golos marcados fora, houve necessidade de um jogo de desempate. Foi em Coimbra, dois dias depois, tendo um árbitro que ficaria famosíssimo uns anos mais tarde: Inocêncio Calabote.

O jogo começa com o FC Porto novamente melhor. Aos 15 minutos já vencia por 2-0, com mais um de Diamantino e outro de Vital. Até ao intervalo, o Sporting só reduz, por Nobre, mas na segunda parte é arrasador: Rola, por duas vezes, Albano e Martins marcam, os leões ganham 5-2 e avançam para a final, perdida para o Benfica no célebre 5-4 que imortalizou Rogério Pipi.

O Sporting dos Cinco Violinos

1957/58: a vingança do Dragão com Hernâni «on fire»

FINALISTA: FC Porto

Numa altura em que a Taça de Portugal só se disputava depois do final do campeonato, o FC Porto entrou ferido pela forma como tinha perdido o título para o Sporting: as duas equipas terminaram com os mesmos pontos (43), mas vantagem leonina.

Na Taça, encontraram-se nas meias-finais, ainda a duas mãos. Desta feita, a primeira foi em Lisboa, já em Alvalade, com Martins a empatar o jogo a duas bolas na reta final, depois de Hernâni e Carlos Duarte terem dado a volta no início do segundo tempo ao tento inaugural do mesmo Martins.

Nas Antas, o FC Porto de Otto Bumbel não deu hipóteses. Tudo decidido na primeira parte, com bis de Hernâni e outro de Osvaldo Silva. No segundo tempo Pinho ainda defendeu um penálti de Travassos e os dragões seguiram para a final, que haveriam de ganhar ao Benfica por 1-0. Golo de quem? Hernâni, pois claro.

1960/61: FC Porto marca lugar para a final do Estádio das Antas

FINALISTA: FC Porto

Foi com «remontada» que os dragões voltaram a levar de vencido o Sporting em novo duelo nas meias-finais da Taça de Portugal.

Na primeira mão, em Alvalade, triunfo sportinguista por 2-1, com uma grande penalidade de Hugo a dar a vitória. Antes houvera um golo de Monteiro da Costa na própria baliza e outro de Hernâni a empatar.

Era preciso que os dragões conseguissem a reviravolta nas Antas e foi feito em bom estilo: goleada de 4-1. Serafim bisou, Diego reduziu para o Sporting mas Noé, primeiro, e o inevitável Hernâni, depois fixaram o marcador, que levou o FC Porto para a final...disputada nas Antas.

Por acordo entre os dois clubes, os dragões jogaram o duelo decisivo em casa, frente ao Leixões. Mas foram os «bebés do Mar» a triunfar, que assim conquistaram a sua única Taça de Portugal do seu historial.

O FC Porto chegou à final mas foi o Leixões a rir no fim

1983/84: «Morais falava e era como se fosse Pedroto»

FINALISTA: FC Porto

O salto temporal é, agora, grande. A década de 70 é a única, desde os anos 50, que não tem qualquer duelo entre leões e dragões pelo acesso à final da Taça. Em 1984 voltam a encontrar-se, numa altura em que as decisões eram tomadas a um jogo, exceto se houver empate.

O que acabou por acontecer. Em Alvalade, empate a uma bola, com Manuel Fernandes a forçar o prolongamento a dez minutos do fim, anulando o golo de Jaime Magalhães na primeira parte. Do tempo extra nenhuma mudança além da expulsão de João Pinto.

O vermelho marca também a segunda mão, nas Antas, com Mário Jorge a ver dois amarelos na primeira parte e Roger Wilde a ser expulso, já na segunda, com vermelho direto, por agressão a Frasco.

Quanto aos golos, Jordão adiantou o Sporting na primeira jogada do jogo, mas Walsh empatou no início do segundo tempo e Jaime Pacheco, com um golaço, fez o 2-1 final.

Ao Maisfutebol, o irlandês mais famoso da história do FC Porto recorda o golo: «Marquei de cabeça, se não me engano. É um golo muito parecido com o que marquei na União Soviética, frente ao Shakhtar Donetsk, uns tempos antes na Taça das Taças. Muito parecido mesmo, quase igual. Acho que o Lima Pereira cabeceia à barra e marco de cabeça na recarga.»

«O nosso treinador era o senhor Morais porque o Pedroto estava doente. Como ele era adjunto, para nós era como se fosse o Pedroto a falar. Disse-nos que tínhamos tudo para virar o jogo e que tínhamos de ir para cima deles, para nunca desistirmos. Jogámos muito bem, em equipa, e conseguimos», continua.

Mick Walsh, de resto, tinha uma pontaria bastante afinada contra o Sporting. «Fiz-lhes vários golos. Cheguei a marcar dois em Alvalade», recorda. «Era uma rivalidade boa, naquela altura. Tirámos o Futre de lá, eles vieram buscar o Pacheco e o Sousa, depois ao contrário. Bons tempos. O melhor tempo de um jogador é jogar. O resto não se compara», encerra.

1986/87: o improvável Mário e a pancadaria

FINALISTA: Sporting

O Sporting de Mário

Mário, um brasileiro que chegou a Portugal oriundo do Bangu para ajudar a colmatar a dupla perda de Sousa e Jaime Pacheco para o FC Porto, foi o herói da primeira meia-final de sempre entre Sporting e FC Porto decidida apenas num jogo.

Foi nas Antas, teve prolongamento, como começava a ser regra e acabou decidido com um golo do brasileiro ao minuto 119! «Bem, tudo começou numa falta mal cobrada pelo… acho que o Jaime Magalhães [certo]. A bola chegou ao Duílio e ele abriu na direita, para o Marlon Brandão. O Marlon foi para cima do lateral e, a dada altura, travou. Olhou para o meio e viu-me. Parei a bola de pé esquerdo, dei um, dois, três toques e rematei de fora da área. O Mly era um gigante, mas aí ficou a olhar», contou o brasileiro, ao Maisfutebol, em 2014.

O FC Porto não perdia nas Antas há 84 jogos e aquele resultado caiu muito mal entre os adeptos. A festa leonina foi interrompida por pancadaria na Superior Sul. Voaram «pedras, garrafas, um pouco de tudo», recorda Mário, que lembra ainda a «longa espera» no balneário até ter condições para voltar a Lisboa.

1995/96: Afonso Martins, outro herói improvável

FINALISTA: Sporting

«Vou ser-lhe sincero: o golo ficou na memória, do jogo já não lembro quase nada». Quem o diz, entre risos, é Afonso Martins quando conversa com o Maisfutebol sobre o jogo de 24 de abril de 1996, em Alvalade, que valeu ao Sporting o acesso à final da Taça de Portugal desse ano.

Os leões ganham por 1-0, no prolongamento, catorze dias depois de empatarem nas Antas (1-1), com Jorge Costa a salvar em cima da hora.

Afonso Martins descreve assim o lance que fez a história do jogo: «O Ouattara entra em fintas pelo lado direito e cruza para mim. Aliás, é para o Pedro Barbosa. Depois ele remata, a bola bate num homem do FC Porto vem para mim e remato de primeira. Aliás, não foi de primeira. Domino, levanto um pouco a bola e remato à entrada da área.»

A descrição bate certo com as imagens.

«Foi emocionante. Foi um momento muito importante para mim, até para me afirmar no Sporting porque vinha do Nancy, da II Divisão de França. Foi um dos melhores golos que marquei. Não pela beleza, mas pela importância», salienta.

O triunfo valeu acesso à final do Jamor, perdida para o Benfica. A tarde trágica que ficou conhecida como «a final do very-light». «Uma tristeza enorme. Infelizmente ainda hoje se fala desse dia, até porque o ambiente também não anda bom. Era preciso era mais futebol e menos conversa, sobretudo de quem aterrou de para-quedas e não sabe chutar uma bola», atira Afonso Martins.

2000/01: a noite em que Capucho ganhou «sozinho»

FINALISTA: FC Porto

Três dias antes, FC Porto e Sporting tinham empatado nas Antas, para a Liga, com Maric a salvar um ponto sobre a hora para os dragões. Fernando Santos lançou o avançado croata de início do duelo da Taça de Portugal, no mesmo recinto, mas foi um crónico titular a brilhar: Nuno Capucho.

O extremo protagonizou uma das noites mais brilhantes da carreira. Quase todos os lances de perigo do FC Porto tiveram a sua assinatura, num duelo com Peter Schmeichel ganho já no prolongamento.

O Sporting marcou primeiro, por Beto, após canto, viu o árbitro anular o 2-0 a Acosta e, depois, o FC Porto renascer pelas mãos do barcelense: empate à meia hora de jogo, numa bomba de primeira que Schmeichel só viu passar e 2-1, já no prolongamento, picando sobre o dinamarquês, após arrancada individual.

2005/06: o duelo Baía-Ricardo a ofuscar tudo o resto

FINALISTA: FC Porto

Na última vez que FC Porto e Sporting se defrontaram nas meias-finais da Taça de Portugal voltou a haver prolongamento. Foi na época 2005/06, com os dragões de Co Adriaanse a chegarem ao duelo do dia 22 de março com um registo nada animador: zero vitórias em Clássicos na época.

Não seria no jogo corrido que chegaria a primeira (estava guardada para o mês seguinte, em Alvalade, com um golo de Jorginho), mas no desempate. Num jogo que terminou sem golos nos 90 minutos, Liedson fez o 1-0 aproveitando um erro de Marek Cech, mas Benny McCarthy ainda empatou antes dos penáltis.

Aí ganhou protagonismo o duelo Vítor Baía-Ricardo, com as memórias do Euro 2004, no qual não esteve o guardião portista, ainda bem frescas. João Moutinho, que ainda vestia de verde, permitiu a Baía a defesa, logo ao primeiro remate. Mais ninguém falhou. Lisandro López marcou o decisivo e o FC Porto foi para a final, onde haveria de vencer o V. Setúbal, conquistando a dobradinha.

Vítor Baía e Liedson, um duelo de outros tempos