Desportivo de Chaves, FC Porto, Taça de Portugal. É preciso recuar meia dúzia de anos para encontrar o último duelo entre as duas equipas, que aconteceu precisamente na segunda grande competição nacional.
Apesar de a Taça ter marcado o encontro entre ambos; ao contrário do jogo desta noite (com início marcado para as 20h15), o palco era o Jamor e não o Estádio Municipal Eng.º Manuel Branco Teixeira e o que se decidia era a conquista do troféu na grande final e não a quarta eliminatória.
Foi a 16 de maio de 2010 e o FC Porto venceu por 2-1, no último jogo em que foi comandado por Jesualdo Ferreira. No outro banco, estava Manuel Tulipa, que ao Maisfutebol sublinha que o duelo desta noite tem tudo para ser bem mais equilibrado.
«Nessa altura, o FC Porto tinha um núcleo duro de jogadores muito forte com Hulk, Falcao, Raul Meireles, Bruno Alves, Guarín… Estava quase obrigado a vencer. Este FC Porto tem uma equipa nova e está numa fase de transição à procura do caminho para voltar a conquistar títulos. A diferença entre as duas equipas agora é menor. Sobretudo porque o Chaves está num patamar superior. Está a ter um excelente desempenho nesta época de estreia na I Liga. Só perdeu um jogo em casa, contra o Benfica, porque faltou uma ponta de sorte, já que de resto se bateu de igual para igual. Além disso, joga em casa e o jogo realiza-se numa altura em que os jogadores acabam de regressar das seleções. Isso pode prejudicar o FC Porto, que tem muito pouco tempo para trabalhar com alguns dos seus internacionais, enquanto o Chaves já está a preparar o jogo há mais tempo», explica Tulipa, detalhando em seguida outro dos motivos pelo qual os transmontanos têm agora mais hipóteses de equilibrar a contenda.
Em 2010, o Desp. Chaves vivia uma crise profunda. Apesar de ter conseguido a proeza de chegar à final da Taça, fez uma péssima segunda volta na II Liga e acabou por descer de divisão para o Campeonato Nacional de Seniores [agora Campeonato de Portugal]. Os problemas financeiros colocaram em risco não só a época desportiva como o futuro do próprio clube, recorda o antigo técnico dos flavieneses.
Seguro pôs em risco comparência na final
Dessa final Taça, Tulipa recorda a festa feita por cerca de oito mil adeptos que viajaram desde Trás-os-Montes até ao Jamor para assistirem ao jogo ao vivo e salienta também «o comportamento de exemplar profissionalismo» dos seus jogadores, apesar do momento delicado em termos financeiros.
«[Em 2011] O Chaves esteve na iminência de fechar portas. As dificuldades financeiras eram de tal ordem colocavam em risco a própria existência do clube, que não conseguia honrar compromissos. Felizmente, apareceu o senhor Francisco Carvalho [empresário do ramo da música e marido da cantora Ágata], que além de suprir algumas dificuldades, trouxe organização e uma estrutura mais sólida. A prova disso mesmo é que o Chaves conseguiu duas subidas de divisão e é um clube saudável em termos financeiros, o oposto do que se passava no meu tempo.»
Paulo Clemente, avançado açoriano agora ao serviço do Santa Clara e que marcou o golo do Desp. Chaves na final do Jamor, é bem mais descritivo ao recordar as dificuldades que o clube atravessava nesses tempos:
Tínhamos três ou quatro meses de salários em atraso. Na véspera da final, o presidente reuniu-se connosco e disse que não íamos jogar contra FC Porto porque o clube não tinha dinheiro sequer para pagar os seguros...»
O Desp. Chaves, que até teve a promessa de um prémio de cinco mil euros a cada elemento da equipa em caso de vitória por parte da empresa de tintas que patrocinava as camisolas, acabou por ir mesmo a jogo e deu réplica aos dragões num jogo em que o triunfo foi decidido com golos colombianos, de Guarín e Falcao, no primeiro tempo, antes do tento de honra a cinco minutos do final.
Clemente e os seus 15 minutos de fama
Em apenas um quarto de hora em campo Paulo Clemente assumiu o papel de quase herói dos flavienses num dia que, confessa ao Maisfutebol, até começou com uma desilusão pessoal.
«Tinha sido titular ao longo de toda aquela caminhada até ao Jamor – durante três épocas em Chaves fiz 33 golos –, mas mal começou o dia fiquei a saber que ia ficar no banco. Fiquei triste, ainda mais pelo meu pai, que tinha vindo de propósito dos Açores para me ver jogar. Depois, com o decorrer do jogo, eu só aquecia e o treinador nunca mais me chamava para ir lá para dentro… Fui o último a entrar em campo. Entrei com uma raiva… E fui decidido a deixar a minha marca, até porque não me esquecia que tinha o meu pai ali na bancada.» E assim foi: «Marquei o golo e ainda consegui “expulsar” o Bruno Alves. Não deu para chegarmos ao empate, mas acho que aproveitei bem aqueles 15 minutos do jogo mais mediático da minha carreira.»
Foi um jogo de festa, apesar da derrota. E o duelo desta noite, seis anos e meio depois, será um jogo de tira-teimas daquela final da Taça de 2010. Nisso, Clemente e Tulipa concordam.
O avançado de 33 anos, que em 2013/14 voltou a representar a equipa transmontana, salienta neste plantel o seu ex-companheiro e atual capitão de equipa Nelson Lenho: «É um capitão a sério, que encarna bem toda a raça dos transmontanos e representa bem aquele povo.» E sobre o significado deste reencontro com o FC Porto, Clemente é ainda mais contundente: «Torço pela desforra. Eliminar o FC Porto é como conseguir uma vingança dessa Taça que perdemos. Seria um grande presente para os flavienses, que são incansáveis no apoio àquela equipa, e para o senhor Francisco (Carvalho), que bem vistas as coisas ajudou a salvar o clube.»