A final da Taça de Portugal assenta sobre três grandes pilares da portugalidade: futebol, sol e uma mesa farta. Por isso é uma festa tão sorridente e tão autêntica. Por isso é uma festa tão popular. Por isso é uma festa tão portuguesa.

Faz-se de gente e espontaneidade.

Ainda não eram onze da manhã e já a mata do Jamor surgia pintada de cores vivas. Havia até quem tivesse passado a noite dentro uma tenda.

A festa também é isso.

Um grupo de adeptos que o Maisfutebol encontrou vinha por exemplo de Viana do Castelo e tinha chegado por volta das 16 horas de sábado. Trouxeram onde dormir, o que comer e muito para beber. O resto era futebol.

É tudo o que um homem precisa.

«Pelo Benfica fazemos tudo», garantem.

O tempo passou a correr, entre uma sombra, mais uma cerveja e uma futebolada: um jogo de futebol muito curioso, aliás, no qual só pode participar quem tiver um copo cheio (e não pode ser de uma bebida sem álcool).

Em todas as mesas, em todos os grupos, em todos os rostos havia um sorriso e muita generosidade. Ofereciam-se bifanas, cerveja e um brinde. 


O Maisfutebol foi brindando também entre uma troca de palavras e uns quantos sorrisos. Havia histórias curiosas. Num grupo de benfiquistas com pronúncia lisboeta, por exemplo, surgia um cachecol do Rio Ave. O que se passa? 

«É lagarto e veio pela festa», explicou um amigo. «Apanhou-nos distraídos enquanto fomos reabastecer-nos de cerveja e comprou um cachecol do Rio Ave. Se calha o Benfica sofrer um golo está lixado. Partimo-lo todo.»

Autocarros e autocarros trazem milhares de adeptos. Vários deles vieram de Vila do Conde e traziam gente com cachecol ou camisola do Benfica. Cabiam todas as cores no mesmo veículo: e esta final foi muito pintada de encarnado.

Cruzava-se uma multidão e surgia mais um grupo de benfiquistas com um adepto do Rio Ave no meio. Começa a tornar-se um padrão.

«Nós viemos da Póvoa de Varzim e somos do Benfica. O nosso amigo é do Rio Ave.» Um adepto do Rio Ave na Póvoa? Isso já é permitido? «Parece que sim. É a democracia. Agora temos de ser democratas, ou caraças.» 

Havia gente a fazer negócio, gente com cara de quem este ali a vida toda.

E havia muito álcool a correr, claro. «Estou todo lixado, já não vou conseguir ver o jogo em condições. Mas que se lixe, eu gosto da festa é assim», atirava alguém. 


A festa parecia correr bem: pacífica, solidária e desprendida. Mas não foi sempre assim. Na entrada no estádio, centenas de pessoas atropelavam-se para entrar: até que os adeptos começaram a empurrar outros adeptos que ficaram encurralados. Idosos, crianças, senhoras.

Foram momentos de pânico. 
     
Felizmente não aconteceu nada de grave, mas sobrou um grande susto. Um susto e uma certeza: a festa ficou manchada. O que por arrasto devolveu à discussão as velhas dúvidas em torno da capacidade do Jamor receber a final da Taça.

A festa continuou num estádio lotado: 37 150 espetadores.

O velhinho estádio nacional surgiu quase todo coberto de encarnado, só uma pequena franja de verde fazia o contraste, numa festa imensa, claro, mas continuou a não esconder defeitos: imperfeições na segurança, dificuldades de entrada e saída de adeptos, casas de banho absurdas...

O Benfica, já se sabe, venceu a final e algum adepto mais ofendido aproveitou para passar por cima do Jamor logo após o último apito uma avioneta com uma frase. «Onze contra onze e não tínhamos perdido em Turim.»

A festa também se faz disto. Desta excentricidade. 

Faz-se de uma mistura de idosos e crianças, de homens e mulheres, de Benfica e Rio Ave. De uma mistura de Rita Blanco, por exemplo. entre milhares de anónimos. Da mistura também da mão de Álvaro Magalhães com centenas de outras mãos que tentam cumprimentar os jogadores na subida pela escadaria do sucesso.
      
Por isso valeu a pena: porque foi uma grande festa, cheia de cor, alegria e sobretudo espontaneidade. Como uma festa portuguesa deve ser sempre.

Só se lamenta que tenha ficado manchada por um susto que obriga a repensar tudo. Nenhum outro estádio consegue criar este espírito, é verdade, mas também não é possível perpetuar o Jamor como ele está: nenhuma festa, por muito boa que seja, vale a pena se colocar em risco vidas humanas.

Nem sequer uma festa como esta.