Há momentos que vivemos com a certeza de que já não vão sair da nossa memória. Ainda que ela, a cada dia que passa, nos queira pregar mais rasteiras e algumas partidas.
A primeira vez no Jamor não se esquece. É um palco que, recentemente, tem sido usado por quem lhe chama casa, mas ao qual não tem qualquer tipo de ligação. Temos vindo mais vezes ao Estádio Nacional - muitas delas em noites chuvosas -, mas para assistir a um jogo de campeonato perante bancadas tímidas e despidas.
Porém, quando se trata de final da Taça, é diferente.
E nem é preciso pisar este palco todos os anos para sentir a mística do Jamor. Oh, a mística. Aquela palavra que por mais significados rebuscados que arranjemos só ganha verdadeiramente uma explicação quando a sentimos na pele.
Foi isso que se sentiu este domingo neste estádio que arrepia qualquer um. Pela sua imponência, pela sua história e por tudo aquilo que promove.
Até na véspera da 83.ª edição da final da Prova Rainha já havia quem não quisesse perder o lugar. Uns montam uma tenda, outros deixam o carro o mais perto possível, mas todos com um objetivo em comum: o convívio.
Este jogo vai muito além do resultado. É certo que o semblante daquele que perde nunca será igual ao do vencedor, mas o que se leva destas tardes de calor do Jamor são os momentos pré-jogo.
Há bifanas, porco no espeto, mochilas carregadas dos mais variados pratos. Vêm desde bem cedo, em carros ou autocarros, a beber cerveja, a cantar, enfim, a aquecer para aquele que será um dia inesquecível.
De Braga, ainda o sol tinha acabado de nascer, e um grupo de quase 20 pessoas meteu-se a caminho do Jamor.
«É um grupo de pais de miúdos que jogam futebol no Sp. Braga e juntámo-nos todos. Está aqui metade de Braga», brincou José Oliveira em conversa com o Maisfutebol, enquanto quem o acompanhava oferecia um pouco de tudo, desde bebida a comida típica da região do Minho.
Apesar de não querer levar para casa o «melão», garante-nos que «isto vale pelo convívio, a festa da Taça é essa».
«Claro que o convívio e a vitória é o ideal», sublinhou.
Embora a mata do Jamor esteja repleta de famílias com mantas esticadas e a almoçar, há uma Fan Zone dedicada a cada uma das equipas que não passa despercebida. Há música num volume elevado, zonas com comida, pinturas e venda de acessórios. Contudo, os adeptos têm opiniões divididas acerca destas iniciativas que, se recuarmos uns anos, não existiam.
«Até ajuda, é engraçado, as pessoas fazem na mesma um piquenine e o churrasco e depois abrem a pista», comenta José, enquanto o amigo Renato considera que estes espaços podem «tornar tudo mais artificial».
Já Fábio Silva, outro adepto bracarense que, curiosamente, decidiu passar o dia de aniversário no Jamor, destacou «o convívio» e elogiou os espaços dedicados aos adeptos, que «promovem o espetáculo».
Interrompemos Mário Mesquita enquanto jogava uma sueca com os amigos para perceber se, do lado portista, sentiam que a magia da Taça estava a perder-se.
«Venho quase sempre. É tudo muito parecido, mas há 20 anos não havia disto. Tenho 60 anos e adoro isto. Se puder vir todos os anos, até aquece, é preciso que o FC Porto chegue a esse ponto», frisou.
«Vale sempre pelo convívio, o Jamor é só por causa disso, temos melhores estádios, sem dúvidas. Mas, por causa dessa parte, o Jamor é o melhor. Não tira magia, olhamos para aqui e vemos isso. Só podiam ter melhores condições, se tanta gente joga aqui, poderiam melhorar um bocadinho mais [as instalações]», acrescentou.
De resto, já não é só no final da época que o Jamor abre as portas aos clubes. B SAD ou Casa Pia são dois exemplos de equipas que fazem deste palco a sua casa emprestada, algo que não agrada aos adeptos.
«O Jamor já foi o Jamor», diz José.
«Antigamente para um jogador jogar no Jamor era um marco na carreira, porque só se vinha aqui jogar a final da Taça. Hoje já todos jogaram aqui, para defrontar o BSAD ou o Casa Pia. Nós temos meninos de 16 anos que já jogaram aqui, como o Roger ou o Gorby, que já conhecem o estádio. Virem duas equipas do norte jogar ao Jamor... Fazia sentido quando isto era de facto o Jamor, palco único, marco na carreira», recordou.
Fábio Silva também concorda. «Este jogo tem outra mística, quando vimos jogar contra o Casa Pia não é a mesma coisa, há menos gente, não há festa, acaba o jogo e vamos logo embora. Vir ao Jamor comer panados, beber cerveja é a festa da Taça.»
Entre os adeptos do Sp. Braga, há alguém nos chama a atenção… pelo cabelo. O streamer Movemind, facilmente reconhecível com aquela peruca, e que começa a ser rodeado com solicitações para fotografias.
«Está um ambiente do caraças, perdi-me por causa dos bilhetes, mas vou encontrar-me», confessa.
Movemind destaca o «desportivismo máximo» que se vive no Jamor e acredita que as Fan Zones são bem-vindas.
«Ajuda à festa, ajuda que a malta venha mais cedo, se reúna, conviva. A Taça também é isso, um domingo bem passado a beber uns copos», salienta.
«A mística do Jamor vai ser sempre aquela a que estamos habituados, é a primeira vez que estou aqui e não duvido que a mística vivida hoje é a mesma que tem sido ao longo dos anos», concluiu.
Com vários palcos, mais diversões (que podem ser confundidas com distrações) e até alguma superficialidade, a mística do Jamor não se perde. E quem a sente pela primeira vez sabe que nunca mais a irá esquecer. A primeira não se esquece. Esse é um ditado que nunca passa de moda.