Quantas vidas tem um leão?

O Sporting sofreu, o Sporting levou pancada, o Sporting ficou partido ao meio.

O Sporting ficou no chão depois daquele 15 de maio de 2018. Arrasado pelos acontecimentos que lhe marcaram a história a negro. O Sporting, dizia-se, podia nunca mais vir a ser Sporting, tanto mais porque dias depois perdera, aqui, a final da Taça para o Desp. Aves.

Hoje, sábado, 25 de maio de 2019, o Sporting levantou-se. Ergueu-se no Jamor no mais belo dia do futebol português: a final da Taça de Portugal. O leão ainda teve de guentar mais 120 minutos de sofrimento, de ataque feroz do FC Porto e o golo de Felipe.

Pelo jogo, o dragão seria um justo vencedor. Porque foi melhor, mais forte que o adversário e não desistiu até ao último segundo. O FC Porto sobrepôs-se em quase tudo, só não conseguiu ultrapassar o destino, porque estava escrito que tinha de ser aqui, neste dia, que o rugido do leão se ouviria a uma só voz de novo.

Ouviu-se, alto e bom som, porque na derradeira batalha, ganhou a resistência verde e branca. A resistência de Mathieu, de Bas Dost, de Bruno Fernandes, mas também de todos aqueles que, de uma forma ou de outro, viveram e resistiram à angústia do verão de 2018.

A asa direita do dragão

No primeiro vislumbre para o relvado deu logo para perceber a primeira ideia de Ségio Conceição: Otávio era para jogar em terreno interior. A colocação do 25 do FC Porto atirou Marega para o habitual lado direito. Era dali que o maliano ia atacar a baliza do Sporting e foi por ali, também, que surgiu o primeiro lance de perigo.

E é preciso ter em atenção a essa jogada. Ela terminou com um remate forte de Otávio para uma grande defesa de Renan logo aos seis minutos, mas foi fundamental para o resto do encontro. Mathieu perdeu aí o duelo com Marega, mas percebeu a abordagem.

Em crescendo, o francês foi ganhando tudo ao camisola 11 do FC Porto daí até final. Se o Sporting resistiu ao dragão foi porque o camisola 22 foi estoico.

É claro que houve outros protagonistas. O flanco direito da defesa portista, por exemplo. A exploração leonina daquele espaço foi por demais evidente. Marega pouco compensava, Militão subia e criava-se ali um latifúndio.

Após um remate de Bruno Fernandes e uma ocasião de Raphinha do coração da área, o Sporting só entrou por ali e viria a colher frutos em cima do intervalo, quando já perdia. O golo de Tiquinho Soares foi apenas a sequência lógica do que sucedeu desde que o árbitro corrigiu uma decisão e anulou um golo a Marega.

Se até aí o clássico tinha sido equilibrado, com duas equipas em modo de combate, o FC Porto assumiu o comando depois e na sequência de uma bola parada fez o 1-0. Telles bateu, a bola foi para o lado contrário e foi chorar no ombro de Herrera, que cruzou para o golo de Tiquinho. O dragão inteiro celebrou com Iker Casillas, enquanto o Sporting protestava sem sucesso por mão do mexicano.

Recuemos um parágrafo, porém. Para lembrar a ideia do lado esquerdo do ataque leonino e o direito portista. Ainda havia tempo no relógio e antes que Conceição corrigisse ao intervalo, Acuña partiu dali para assistir Bruno Fernandes: o desvio em Danilo levou a final para o intervalo com 1-1.

O segundo tempo não teve nada a ver com isto. Quer dizer, confirmou apenas aquela ideia de que o FC Porto se tornou superior a partir do golo anulado a Marega. E o FC Porto sublinhou essa ideia com várias ocasiões e, lá está, a correção do que estava a suceder à direita.

Desde logo, Otávio ocupou o corredor e Marega foi para o meio e Tiquinho foi para a área: atirar ao poste. O 29 portista foi o dragão mais perigoso de todos, com a equipa balanceada para a frente em busca do 2-1.

E o Sporting onde estava? Em campo, pois claro, entre a baliza de Renan e a linha que divide o terreno. Enquanto Mathieu espalhava classe defensiva pelo Jamor, Renan e os ferros afastaram um golo portista que se anunciava, mas que nunca chegou. O Sporting apareceu a espreitar a camisola amarela de Vaná aos 75 minutos, mas era de resistência que se fazia o leão neste clássico.

Bas Leon Dost

Ninguém o sabia e todos o imaginavam. Que Bas Dost ia resolver a final da Taça de Portugal para o Sporting. Porque a mente imagina sempre uma justiça poética e depois dos acontecimentos que levaram à derrota da época passada aqui mesmo, não havia outra figura mais simbólica para devolver a glória ao leão.

O cruzamento de Acuña encontrou um erro de Felipe e o camisola 28 dos leões nas costas de Alex Telles. Dost esteve fora de ação uma eternidade. Foi tanto tempo que Luiz Phellype teve de fazer-se jogador mais depressa do que previsto. Ao fim e ao cabo, o holandês, cujo nome do meio é «leão», esteve foi três meses a preparar-se para este momento e o Sporting ficou a vencer por 2-1.

Pela frente, ainda havia tempo. Demasiado tempo para não se sofrer perante a força do FC Porto. Com a bancada verde e branca unida na dor e a do FC Porto na fé, Hernâni encontrou Adrián que encontrou Felipe, que encontrou o golo. O empate podia parecer uma crueldade para os leões, mas na avaliação global dos 120 minutos, não havia como esconder: o FC Porto fora superior.

Portanto, a grande final de 2018/19 decidir-se-ia nas grandes penalidades: o único momento do jogo em que, muito provavelmente, o Sporting se superiorizava em termos mentais ao rival. Porque ganhara-lhe assim das últimas vezes, porque Renan voltava a estar na baliza e porque, enfim, o destino que muitos antecipavam na abordagem ao encontro estava mesmo a acontecer.

O resto é história. Bas Dost atirou ao ferro, Pepe fez igual e Renan lá fez a defesa habitual. Luiz Phellype, que não estivera neste filme no ano passado, foi o derradeiro herói de uma equipa cuja maior façanha foi sobreviver na adversidade e assim conquistar para o Sporting a 17.ª Taça de Portugal do historial leonino simplesmente porque…estava escrito, os postes da baliza de Renan que o digam.