O futebol dá sempre mais uma oportunidade. Que o diga Flávio Cristóvão. A 30 de outubro de 2019, o médio é lançado por Nuno Espírito Santo ao minuto 77 de um Aston Villa-Wolverhampton, para a Taça da Liga inglesa.

Vem a pandemia castradora, vem um empréstimo sem continuidade a um clube austríaco [FC Juniors] e surge o regresso a Portugal, lar doce lar. No Marítimo não é feliz, seguem-se Alverca e São João Ver. O talento está todo lá, mas faltam-lhe minutos e visibilidade.

Pois bem, dois anos depois de se estrear pelo Wolverhampton, e esquecidas as más opções tomadas posteriormente, Flávio é figura de relevo no Sport União Sintrense. Na sexta-feira, o filho de Hélder Cristóvão – 35 vezes internacional por Portugal, 230 jogos no Benfica – tem a oportunidade (lá está) de exibir o que vale a todo o país.

Flávio na foto oficial com o Wolverhampton (site oficial dos Wolves)

Um nome para seguir atentamente no Sintrense-FC Porto, para a Taça de Portugal.

«Estamos todos um pouco mais ansiosos, mas com o apito inicial e o primeiro passe bom, acredito que o nervosismo vai embora. Vamos dar tudo e, se possível, ganhar ao FC Porto. Todo o país vai estar a olhar para nós», diz Flávio ao Maisfutebol, a quatro dias de um dos dias mais importantes na carreira.

De Hélder, o pai, chegam conselhos carregados de sabedoria. Nos anos 90, o antigo defesa central defronta vezes sem conta o próximo adversário do filho. Flávio, 24 anos, aprende com quem mais sabe.

«‘Prepara-te para correr atrás da bola’. Foi a primeira coisa que ele me disse depois do sorteio. E disse-me para eu aproveitar o jogo e mostrar o que posso jogar. Vamos sem medo, apesar de ser o FC Porto. Com respeito, claro. ‘Aproveita e vive o jogo ao máximo’, foi o que o meu pai me disse.»

Ginásio, GPS, estudos, culinária: nada falta neste Sintrense

Hélder Cristóvão está a treinar o Al-Hazm, na Arábia Saudita, e só virá a Portugal em dezembro. No relvado de Massamá, casa emprestada ao Sintrense para este jogo, estará o ADN da família. Certamente bem representado.

«Sou um médio mais defensivo, sou aquele que vai à luta. Mas herdei uns bons pezinhos do meu pai (risos). Ele tinha boa técnica. Diz sempre que se jogasse agora valeria uma fortuna», brinca Flávio Cristóvão, confesso admirador de Sérgio Oliveira.

«Se ele jogar vou pedir-lhe a camisola. Tem características impressionantes.»

Pode pensar-se que, em teoria, do Wolverhampton ao Sintrense vão vários mundos de distância. A verdade é que a SAD responsável pelo futebol profissional [Special Podium] oferece condições ímpares ao próximo adversário do FC Porto. Flávio detalha esses cuidados.

«O que me fez escolher o Sintrense foi o profissionalismo do projeto. Não me acredito que haja algum clube do Campeonato de Portugal com as nossas condições de trabalho», começa por referir.

«Treinamos de manhã, temos ginásio, temos GPS – que não são baratos – e há um controlo rigoroso sobre tudo. Há aspetos que só vemos mesmo em clubes de topo. Temos, por exemplo, um mental coach. Há uma sessão semanal com ele.»

Aos 110 anos, o Sintrense vive uma fase feliz (FOTO: SU Sintrense)

Os ‘mimos’ não se ficam por aí. O investimento é diferenciado e a SAD sintrense organiza e proporciona estudos e alimentação cuidada a todos os atletas. É uma marca registada e raríssima no contexto do futebol português.

«Não nos falta nada. Proteínas, preparadores-físicos, nutricionistas. E quem não acabou o 12º ano de escolaridade tem cursos pagos pelo próprio clube, além de cursos extra, opcionais. Há cursos para aprender línguas e até de culinária.»

Flávio resume o Sintrense de forma breve: «A melhor escolha para crescer e um projeto para chegar longe em Portugal, com tempo. O objetivo é subir à Liga 3 e há condições suficientes para isso. Depois, aumentando um pouco o investimento, é possível pensar na II Liga.»

«Substituí o Pedro Neto e ele saiu chateado, o mister deu-lhe uma ‘dura’»

30 de outubro de 2019. Voltemos aí. A perder por 2-1, Nuno E. Santo tira Pedro Neto e lança Flávio Cristóvão. O médio do Sintrense tem cada instante dessa noite na memória.

«Foi marcante. Entrei para o lugar do Neto e lembro-me dele sair chateado. O mister Nuno teve de lhe dar uma ‘dura’ (risos). Foi ótimo, tive a oportunidade de jogar na equipa principal do Wolverhampton e isso ninguém apaga.»

O Wolverhampton descobre Flávio por indicação do próprio Nuno Espírito Santo. Antigo colega de Hélder Cristóvão na Seleção Nacional e no Deportivo da Corunha, o treinador sugere um período de experiência nos sub23 dos Wolves. A coisa corre bem.

«Ganhei a Liga Revelação e a Taça Revelação no Desp. Aves. Fiz 95 por cento dos jogos e uma grande temporada. Estava numa fase boa e o meu pai falou com o Nuno. Ofereceu-me a possibilidade de ir treinar lá, para ver se gostavam de mim. Treinei durante um mês e agradei, acabei por assinar.»

No Wolverhampton, Flávio faz «amizades para a vida» e ganha «um respeito total» por Rui Patrício e João Moutinho.

«O meu amigo mais próximo era o Boubacar Hanne, que está agora no Gil Vicente. Também me dava bem com o Bruno Jordão, com o Pedro Neto e o Rúben Vinagre», recorda o médio do SU Sintrense.

«Eu ia treinar várias vezes à equipa principal e o Patrício e o Moutinho ajudaram-me bastante. Foram incansáveis comigo: posicionamento, reação, postura. O Rúben Neves era um brincalhão, tal como o Adama Traoré. O Diogo Jota era impecável.»

Outro mundo. Outros mundos. «Passar dos sub23 do Aves para uma dimensão como a do Wolverhampton foi incrível. As equipas estavam sempre juntas, almoçavam juntas, o grupo era extraordinário. Acredito que voltarei lá acima outra vez. O meu pai dá-me na cabeça, mas também me motiva muito nesse aspeto.»

Em dois anos, Flávio passa do Wolverhampton ao Sintrense, a um ambicioso Sintrense. O palco oferecido pela Taça de Portugal, o adversário de luxo, a transmissão televisiva, tudo pode funcionar como trampolim para um regresso a outros patamares.

O filho de Cristóvão sabe jogar.