O fundo do poço não é um lugar recomendável. Frio, escuro, foco de bactérias e derrotas envergonhadas. Para um FC Porto de horizontes renovados e alma curada, é melhor espreitar o mundo e perceber que há vida para além do campeonato.

Vencer 1-0 pela cabeça de Jackson, pensar no Jamor e cicatrizar maleitas profundas parece ser um plano de revitalização interessante.

O Benfica, por seu lado, terá percebido que viver nas nuvens é démodé. Uma memória enevoada dos 60’s, sem paz e amor que o suportem. A gestão controlada de Jesus ia-se transformando numa bad trip, um pesadelo transpirado e castigado com uma derrota justa.  

OS DESTAQUES DOS DRAGÕES: Jackson e Defour em grande

No sítio onde Jesus se ajoelhou e lamuriou há dez meses, o Benfica voltou a sofrer por culpa própria e mérito, muito grande, do eterno rival.

Não fosse um leve assomo de vida nos últimos 15/20 minutos, com uma grande oportunidade de golo de Rúben Amorim pelo meio, e estaríamos aqui a falar de um Clássico de esmagador domínio azul e branco.

O Benfica escapou com sorte e pouco juízo à goleada.

Podemos falar dos dois cortes fabulosos de Luisão no primeiro tempo, do falhanço de Varela completamente isolado perante Artur, da bola de Jackson ao poste direito ou da definição errada e em câmara lenta de Quintero, também ele sozinho e deslumbrado.
 
Mas devemos, acima de tudo o resto, identificar e sublinhar as diferenças agudas entre este FC Porto e o anterior. O que viveu agrilhoado nas ideias incompreensíveis de um treinador cinzento e perdido num mar de caótica teimosia.

FICHA DE JOGO E O FILME AO MINUTO

Desta vez houve Herrera - titular pela primeira vez no reinado de Luís Castro -, onde antes estiveram Josué e Carlos Eduardo. E houve um grande Jackson, o melhor dos últimos meses, a fazer um golaço num cabeceamento extraordinário [com Garay nas covas] a canto de Quaresma. 

A esse golo, bem cedo na partida, o Benfica respondeu sem alento nem entusiasmo. Jesus mudou meia equipa, sim, e o ritmo baixo terá sido até estratégico, mas a verdade é que a equipa deu um passeio de sorriso largo pelo precipício e só não caiu por mero milagre.

Porto, Porto e mais Porto no primeiro tempo, até a pressão se tornar asfixiante. No canto azul Rocky Balboa, de olhar esgazeado e ansioso por socar até vencer por KO. No vermelho, um Ivan Drago regenerado, amigo do ambiente e defensor de minorias incompreendidas. Generoso e meigo, sem desejo nem ardor.

OS DESTAQUES DAS ÁGUIAS: Luisão e Rodrigo no lado bom

Jesus terá visto o mesmo, numa linguagem mais sua, e mexeu convenientemente a meio do segundo tempo. Saiu vivo e essa é a melhor notícia da noite no Dragão.

Ter Gaitán, Lima e Markovic no banco é um luxo e uma segurança nos tempos que correm. O Benfica melhorou, passou a incomodar Fabiano aqui e ali, mas sempre com o Porto perigoso a sair.

O mais importante no futebol, desculpem os românticos, continua a ser o resultado. E só por essa razão o FC Porto pode lamentar as incidências de 90 minutos extremamente interessantes e com muito para contar. Como se tivéssemos visto vários filmes dentro de um só.  

Os dragões não pertencem ao mundo das trevas; o mais-do-que-provável e anunciado campeão nacional não tem estatuto celestial.

O tira-teimas, algures no purgatório das culpas, está agendado para a Luz.