«Nesta altura és o melhor jogador do mundo. Embora ainda só tenhas cinco anos estás a ganhar-nos a todos. É ótimo para o ténis termos uma nova super estrela como tu, que vai ganhar muitos Grand Slams e vai ser número 1 do mundo.»

Ainda no court do Masters de Madrid, Alexander Zverev saudava assim o miúdo que acabava de o vencer na final do torneio espanhol. Os «cinco anos» de Carlos Alcaraz são 19, acabados de cumprir. A piada do número 3 do mundo reforça a dimensão do fenómeno que está a escalar a pirâmide do ténis a um ritmo vertiginoso. Um prodígio de qualidade e maturidade no court e ao mesmo tempo ainda um adolescente, que anda a tentar convencer os pais a comprar um carro e passa demasiado tempo no telemóvel.

Em abril de 2021 Carlos Alcaraz chegava a Portugal como número 120 do mundo, um adolescente de 17 anos que partiu do qualifying do Estoril Open e passou duas rondas para atingir o quadro principal. Foi eliminado pelo croata Mario Cilic na primeira ronda e dessa passagem pelo Estoril ficam memórias como esta.

Um ano depois, acaba de conquistar o segundo torneio Masters 1000 do ano. Tornou-se o mais jovem de sempre a ganhar em Madrid, onde venceu três dos quatro primeiros do ranking mundial: Rafa Nadal, Novak Djokovic e Alexander Zverev. Ninguém antes tinha superado Nadal e Djokovic num mesmo torneio de terra batida. É o tenista com mais triunfos em 2022 – já tinha vencido no Rio de Janeiro, em Barcelona e em Miami -, atingiu o sexto lugar do ranking e já há muito quem o coloque entre os candidatos para Roland Garros.

«O melhor do mundo este ano»

A começar pelo número 1 do mundo. «Ele é mesmo especial. No nosso jogo, a calma dele até ao fim foi impressionante. Tudo no jogo dele é impressionante. Até agora, este ano ele é o melhor do mundo, sem dúvida, com os resultados que conseguiu», diz Novak Djokovic: «É um jogador completo, joga bem tanto ofensiva como defensivamente. Embora ainda não tenha chegado à segunda semana de um Grand Slam, é um dos principais favoritos para Roland Garros.»

Rafa Nadal, com quem Carlos Alcaraz foi constantemente comparado enquanto crescia, diz que o compatriota é a garantia de que o futuro está assegurado: «Estou muito feliz por o meu país ter encontrado outro jogador incrível em quem pode confiar por muitos anos.»

A expectativa não intimida Alcaraz. «Sou um miúdo que assimila bem as coisas e tem claro o seu objetivo, que é ser número um do mundo», disse em entrevista à Marca depois da vitória em Madrid. «O meu objetivo para este ano é ganhar um dos Grand Slam e espero que seja em Paris.» Um Grand Slam, com partidas em cinco sets, até pode beneficiar as suas características, acrescenta: «Fisicamente, como diz a minha equipa, sou um touro. Não me assusta jogar cinco sets contra os melhores, estou preparado. Vejo como uma vantagem jogar partidas muito longas.»

Além do poderio físico, Alcaraz evidencia uma notável força mental em campo e um equilíbrio emocional singular para alguém tão novo, expresso em momentos de desportivismo como o que protagonizou em Miami, quando prescindiu de um ponto ganho frente a Hubert Hurkacz, por uma decisão errada do árbitro.

Vai ganhando pontos nas bancadas, também pela tranquilidade com que lida com o sucesso. Com presença de espírito, por exemplo, para improvisar na mensagem que deixou nas câmaras de televisão depois da vitória épica sobre Djokovic, ao fim de 3h30. «Um jogo em Madrid é muito longo», escreveu, ele que é fã do Real Madrid.

Depois do triunfo na final, escreveu na câmara uma dedicatória à sua terra natal: «Viva El Palmar e Viva Murcia.» Foi a El Palmar, a localidade de pouco mais de 20 mil habitantes onde cresceu, que voltou no dia seguinte à vitória em Madrid. Ao lado do pai e da mãe, foi à varanda do apartamento da família mostrar o troféu aos vizinhos.

Um rapaz normal que não passa sem uma sesta

Já ganhou muito mas continua a ser, insiste, um rapaz normal, que anda «a discutir com os pais para comprar um carro bom», como contou no programa El Hormiguero, arranja «sempre tempo para dormir a sesta», joga consola com os irmãos quando está em casa e admite que em relação ao telemóvel tem de dar ouvidos ao seu treinador, o antigo nº 1 do mundo Juan Carlos Ferrero. «É algo que o Juan Carlos me diz muitas vezes, que passo muito tempo com o telefone e nas redes sociais. É algo que tenho de ir melhorando e saber desligar de vez em quando», disse à Marca.

Carlos cresceu de raqueta na mão. Segundo de quatro irmãos, começou a jogar aos três anos ao lado do pai, que também jogou e chegou a vice-campeão de Espanha de infantis, mas a situação económica da família não deu para mais. «Quando ele tinha 14 anos quiseram levá-lo para a Academia de Tenis Bruguera em Barcelona, mas não pude porque tinha que pagar 80 mil pesetas e eu só ganhava 60 mil», contou o avô de Carlitos ao jornal «El Español». O pai, que também é Carlos, acabou por seguir a carreira de treinador e é o responsável pelo clube local de ténis, o Real Sociedad Club de Campo de Murcia.

O talento de Carlitos Alcaraz foi evidente desde cedo e muito bem enquadrado pela família, segundo contou ao jornal As Antonio Martínez Cascales, antigo treinador de Ferrero e fundador da sua academia: «O pai dirigiu a carreira dele até aos 14 anos, atribuiu-lhe um treinador do clube e a família foi quase perfeita a criar um rapaz educado e agradecido.»

O jovem Carlos foi crescendo, de torneio em torneio, desde cedo comparado à grande referência da história do ténis espanhol, Rafa Nadal, mas também a admirar Roger Federer. Aqui estava ele, com 12 anos, a contar quem era o seu ídolo.

Aos 15 anos, Carlos subiu a outro patamar, passando a dividir o tempo entre El Palmar e Villena, em Alicante, a evoluir na academia de Juan Carlos Ferrero. Em maio de 2021, voltou a Portugal para vencer o Challenger de Oeiras e nessa altura Ferrero falava assim do seu pupilo: «Começámos a trabalhar quando ele tinha 15 anos e sempre se destacou entre os da sua idade. Já se via que tinha aptidões especiais para poder ascender rapidamente, como muita aceleração de bola com a direita e uma boa movimentação.»

Nessa altura, Ferrero procurava ainda arrefecer as altas expectativas em torno de Alcaraz, sempre acompanhadas de comparações com Rafa Nadal. «Ele tem de fazer o seu caminho e não pensar que pode ser o próximo Nadal, porque comparar-se ao melhor da história é um peso difícil de carregar», disse, citado pelo site Raquetc.

Nem o treinador imaginava como seria vertiginosa a ascensão de Carlitos. «Está a subir as escadas quatro a quatro», diz agora Ferrero.

Alcaraz já competiu nos quatro torneios do Grand Slam e o seu melhor resultado foi a presença nos quartos de final do US Open, em 2021. Depois de uma vitória memorável frente a Tsitsipas, tornou-se o mais jovem de sempre na era Open a chegar aos quartos de final, onde desistiu por lesão frente ao canadiano Felix Auger-Aliassime.

Agora, depois de ter terminado o Masters de Madrid limitado, com queixas no tornozelo direito, decidiu não participar no Masters de Roma, que está a decorrer. O foco está em Roland Garros e as atenções estão focadas nele.