«Foi-me dado um talento especial para jogar ténis e fi-lo a um nível que nunca imaginei, por muito mais tempo do que alguma vez imaginei possível.»

Foi numa longa e sentida mensagem que Roger Federer escreveu o ponto final numa das maiores histórias que o desporto viveu. O suíço, para muitos o maior de sempre, para todos uma lenda eterna, tomou aos 41 anos a decisão que o corpo já lhe impunha há muito. Vai deixar de competir depois da sua Laver Cup, na próxima semana.

É o fim de uma era em que o mundo se habituou a admirar Federer, a elegância que conquistou gerações e o ténis refinado e versátil, subtil e ao mesmo tempo incisivo que ao longo de duas décadas e meia o levou a superar recorde atrás de recorde, a vencer 20 torneios do Grand Slam, a dominar a modalidade durante anos e a alimentar rivalidades históricas com Rafa Nadal e Novak Djokovic, os outros dois «monstros» que deram ainda maior dimensão à lenda. Os três numa competição só deles, a um nível jamais visto no desporto.

Agora que Federer escreveu o fim da sua história competitiva, o Maisfutebol revive alguns dos momentos mais marcantes de uma carreira única.

«Serei sempre um apanha-bolas»

Nascido em Basileia a 8 de agosto de 1981, o ténis foi a paixão de Federer desde criança, mas só aos 12 anos decidiu apostar num futuro de raqueta na mão. Até então também jogava futebol e ele próprio disse que talvez se tivesse tornado futebolista se não fosse o ténis. Pelo meio, vivia de perto o ténis de alta competição como apanha-bolas. Há uns anos, quando a Tennis TV lhe mostrou imagens de 1993 de um jovem Roger a receber do alemão Michael Stich uma medalha pela sua colaboração no torneio de Basileia, Federer sorriu e contou que continua a receber essas medalhas no torneio da sua cidade-natal e a partilhar pizza com os apanha-bolas no final. «No fundo, serei sempre um apanha-bolas.»

Wimbledon aos 17 anos

Federer foi admitido em 1995 no programa de desenvolvimento do ténis suíço e cresceu depressa. Três anos mais tarde liderava o ranking mundial de juniores e vencia pela primeira vez em Wimbledon, a dobrar: campeão de juniores em singulares e pares. Ele recorda assim esse momento: «Sempre quis estar em Wimbledon, era o meu sonho. De repente estou ali na relva pela primeira vez e lembro-me de perguntar ao árbitro se a rede não estava demasiado alta. Parecia-me uma rede de voleibol, mas devia ser por estar muito nervoso.»

2001, a vitória sobre Sampras

Federer venceu o seu primeiro torneio ATP em fevereiro de 2001, no indoor de Milão, mas foi nesse verão que começou a sua afirmação internacional, quando saiu vencedor do frente a frente com Pete Sampras, até aí o grande dominador de Wimbledon, com sete vitórias e à procura do quinto triunfo consecutivo. Do alto dos seus 19 anos e do seu cabelo comprido preso por um elástico, Federer impôs-se ao número 1 do mundo ao fim de 3h41m naquele encontro da quarta ronda. Seria eliminado a seguir nos quartos de final, mas estava selada a passagem de testemunho, naquele que foi o único confronto entre os dois.

2003, o início do reinado em Wimbledon

O reinado de Federer no All England Lawn Tennis Club começou em 2003. Tinha chegado ao top 10 mundial e já muitos antecipavam a sua primeira vitória num Grand Slam. Ela chegou depois de eliminar o norte-americano Andy Roddick na meia-final e o australiano Mark Philipoussis na final. Era o primeiro de oito triunfos no Grand Slam inglês. Ninguém ganhou tanto na relva de Wimbledon como ele.

2004, ano de ouro

O ano começa com Federer a vencer o Open da Austrália e a chegar a número 1 do mundo. Por lá ficaria ininterruptamente durante 237 semanas, quatro anos e meio, até ser ultrapassado por Rafa Nadal em agosto de 2008. Esse registo nunca foi superado, ainda que Djkovic detenha atualmente o recorde de semanas na liderança, de forma não consecutiva. No verão, Federer voltou a triunfar em Wimbledon, batendo Andy Roddick na final. E a seguir conquistou o seu terceiro Grand Slam do ano, num US Open em que bateu na final o australiano Lleyton Hewiit, mas que deixou para a história um duelo épico com Andre Agassi nos quartos de final, que durou dois dias, sob um temporal em Flushing Meadows.

A coroa dividida com Nadal em 2008

Entre 2003 e 2008, Federer venceu cinco vezes consecutivas em Wimbledon e outras tantas no US Open, somando ainda mais três vitórias na Austrália. Mas esse foi o ano em que chegaram os primeiros sinais de que teria de passar a dividir a coroa. No início do ano foi-lhe diagnosticada uma mononucleose que o afastou dos courts na primeira metade do ano. Perderia para Rafa Nadal a final de Roland Garros, mas também, e sobretudo, a final de Wimbledon, um encontro épico decidido ao fim de 4h48m, muitas vezes considerado um dos mais emblemáticos que a modalidade já viu.

O sonho olímpico

Federer sempre perseguiu o sonho de vencer os Jogos Olímpicos. E não deixou de tentar. Estreou-se em Sydney 2000 e disputou quatro edições das Olímpiadas. Ainda tentou uma quinta presença em Tóquio, em 2021, mas o joelho já não deixou. Em singulares, o melhor que conseguiu foi a prata, em 2012. Mas quatro anos antes tinha chegado ao lugar mais alto do pódio, vencendo o torneio de pares de Pequim ao lado de Stan Wawrinka.

Roland Garros, por fim

Era o Grand Slam que faltava a Roger Federer e era também há muito o quintal de Rafa Nadal, que tinha vencido o suíço nas três decisões anteriores de Roland Garros. Mas a saída de cena do espanhol, eliminado nos quartos de final por Robin Soderling, deixou o caminho mais desanuviado. E Federer venceu mesmo na terra batida francesa, batendo na final o carrasco de Nadal. Nesse ano, voltou a conquistar Wimbledon e a subir à liderança do ranking.

Desilusões e regressos para a lenda

Os melhores anos tinham passado, a idade e as lesões começavam a pesar e Novak Djokovic crescia e reclamava o seu lugar no topo. Federer venceu Wimbledon em 2012, mas perdeu as finais de 2014 e 2015 para o sérvio. Não vencia um Grand Slam há quatro anos e meio quando chegou à Austrália, em janeiro de 2017. Foi avançando, ele e Rafa Nadal, também a enfrentar as limitações da idade e do corpo. Chegaram ambos à final, venceu Federer, mas foi uma enorme vitória para os dois amigos e rivais de sempre. Em Melbourne, Federer contou como poucos meses antes, em outubro, aquilo parecia impensável para ambos: «Fui à abertura da academia dele e disse-lhe: ‘Era bom que pudéssemos fazer um jogo de caridade ou algo assim’. Mas eu só me aguentava numa perna e ele tinha a lesão no pulso. Estávamos a jogar mini-ténis com uns juniores e dissemos: «É o melhor que conseguimos fazer agora.»

Diga 20

Em 2017, Federer venceu Wimbledon pela oitava e última vez, sem perder um único set. E meio ano mais tarde festejou a vitória 20 em Grand Slams, de novo na Austrália e frente ao croata Marin Cilic. Era o primeiro a vencer 20 vezes um dos quatro maiores torneios do mundo. Em fevereiro de 2018 voltava a ser o número 1 do ranking, aos 36 anos. Ao todo foram 310 semanas no topo, 103 títulos. Wimbledon, em 2019, foi a sua última final de um Grand Slam, de novo ganha por Djokovic. Dois anos mais tarde, os quartos de final do torneio inglês representariam a despedida de Federer. Foi operado logo a seguir, em agosto de 2021, e não voltou a competir. Em julho de 2022, o nome de Roger Federer deixou de constar do raking mundial pela primeira vez em 25 anos.