Toda a gente já ouviu algo do género. Após uma tragédia com responsabilidades evidentes, é usual que vizinhos ou conhecidos se refiram ao inesperado protagonista com algo como: «Nada fazia prever…».

Com Abu Bakr al-Baghdadi, o atual líder do autodenominado Estado Islâmico, a história não é diferente. As suas raízes são um mistério para muita gente, até porque já não é visto desde julho de 2014, altura em que apareceu num vídeo (cuja autenticidade foi muito contestada) a discursar no mesquita no norte do Iraque. Mas, de quando em vez, surgem informações sobre um outro tempo, agora, tão distante.

Nos tempos que correm parece insólito abordar esta questão, mas a verdade é que houve um passado aparentemente normal por trás do homem que lidera um dos grupos radicais mais temidos do mundo. Sem dúvida, por estes dias, o mais comentado.

Tome-se como exemplo uma recente reportagem do jornal britânico «The Telegraph», que cita pessoas que conheceram Al-Baghdadi na infância e adolescência. O tal discurso do « nada fazia prever» repete-se. Com um ponto que chama a atenção entre a conversa de ocasião: o talento que tinha para o futebol.

A história é contada por Abu Ali, que conheceu Baghdadi na mesquita de Tobchi, num bairro da capital do Iraque. Foi lá que jogaram futebol juntos. «Ele era o nosso melhor jogador. Era o Messi da nossa equipa», afirma Ali.

Parece que foi noutra vida.


Al-Baghdadi

Al-Baghdadi tem, agora, 44 anos. É o líder do Estado Islâmico o que lhe vale, também, o estatuto de homem mais procurado do mundo. Nos EUA, por exemplo, colocaram-lhe até um «preço»: 10 milhões de dólares a quem revelar informações credíveis que ajudem à sua captura.

Longe vão os tempos da mesquita de Tobchi. No Iraque de Saddam Hussein, antes da invasão das tropas americanas e inglesas, Al-Baghdadi, cujo nome de nascimento é Ibrahim Awadty Ibrahim Ali Muhammad al-Badri al-Samarrai, era um «apaixonado por desporto».

Nas palavras do antigo amigo, Abu Ali, era «tímido e cordial». Não liderava a mesquita, onde chegou com 18 anos, embora assumisse várias vezes as orações quando o imam, ou seja, o chefe espiritual, estivesse ausente. «Tinha uma boa voz e isso era bom para as orações», explica Ali.

Nos tempos livres chegava, então, o desporto: «Adorávamos jogar futebol juntos. Nos tempos de Saddam Hussein também visitávamos lugares fora de Bagdad, como Anbar. Ele também gostava muito de nadar.»

O «Telegraph» passa ao de leve pela paixão pelo futebol de Al-Baghdadi, embora use a expressão «poderoso avançado» para a ele se referir. Outros tempos, enfim.
.
O talentoso jogador deixou para trás as tardes a jogar na equipa da mesquita e, mesmo que, na altura, se tenha dito que «nunca mostrou hostilidade» para com as tropas que invadiram o seu país, acabaria por, nas sombras, orquestrar uma forma de os tentar expulsar. Do tímido jovem ficaram apenas as memórias de quem o conheceu.

Hoje, diz-se Califa e descendente do profeta Maomé, proclamando-se, ainda, líder mundial dos muçulmanos.

Um clube em Londres antes da partida para a Síria

Este não é, contudo, o único ponto de ligação entre o grupo radical e o futebol. Já tinha sido tornado público o passado ligado ao desporto-rei dos cinco portugueses que se juntaram ao Estado Islâmico. Todos no mesmo clube, o UK Football Finder Football Club, dos subúrbios de Londres, para onde todos foram morar, fosse para trabalhar ou estudar.

Trata-se de um clube de prospeção de talentos, essencialmente. Ainda é possível ver no seu site oficial a página de perfil de Fábio Poças, um dos portugueses que foi para a Síria receber treinamento por parte do EI.

Na descrição é lembrado que passou pelo Sporting (2008/09) e 1º Dezembro (2009-2012). «É muito inteligente dentro das quatro linhas, disciplinado, tecnicista, ultrapassa qualquer adversário com a sua técnica e rapidez e só para com a bola na baliza. O seu herói é Fernando Torres e tem um estilo parecido. Um perigo para qualquer defesa», lê-se ainda.

A história dos portugueses veio a público no início deste ano. Quando se começou a explorar o passado dos lusos, as ligações ao futebol surgiram em doses generosas. Sobretudo pelo UK Football Finder Football Club (UK FFFC), hoje um mistério..

Uma consulta aos arquivos nota que, entre novembro de 2014 e os dias que correm, apenas uma notícia foi publicada. A foto de Fábio Poças incluído no seio do grupo (é a foto que ilustra este artigo) continua a surgir online, mas não há referências aos restantes portugueses.


Fábio Poças

Um deles é Celso Costa, o jihadista que recentemente surgiu num vídeo, gravado um dia antes dos atentados de Paris, com ameaças diretas: «Não se esqueçam que podem fugir mas não se podem esconder.» Celso chegou, inclusive, a ser ligado a um teste no Arsenal, algo que o clube desmente categoricamente.

É verdade que seria difícil adivinhar o que aí vinha, mas é uma linha de ligação que, compreensivelmente, ninguém faz questão de exibir, por estes dias

Quanto ao UK FFFC, esse, foi formado em julho de 2012 para competir nos escalões amadores, as chamadas «Sunday Leagues» (Campeonatos de domingo). Ewemade Orobator, treinador da equipa, chegou a falar de Poças ao jornal «Sunday Times»:  «Ele veio para treinar a sério. Algures em maio de 2013 um agente veio cá e disse-lhe para ele trabalhar duro no verão que ia arranjar-lhe um teste numa equipa profissional.» Mas o português desapareceu pouco depois. Sabe-se, agora, que foi para a Síria.

O futebol foi, assim, algo mais que ficou para trás quando a vida mudou de forma drástica. Hoje o tempo é ocupado de outra forma, a vida ganhou outras prioridades. Desconhece-se se o talento, ou a vontade, por lá continuam, ocultos por tudo o resto.