Lembra-se de quando o português Baptista Pereira fixou um novo recorde na travessia do Canal da Mancha, ganhando fama em toda a Europa? A menos que a sua idade ande pelos 70 anos, ou acima disso, e que tenha lido «Esteiros», de Soeiro Pereira Gomes, a resposta mais provável é «não». Afinal, a proeza do nadador de Alhandra aconteceu em agosto de 1954 e, até agora, quase só permanecia na tradição oral, passada de geração em geração.

Mas o filme da epopeia, que à época foi um dos marcos de ouro do desporto português, está agora ao alcance de um simples clique desde que, em finais de abril, a British Pathé, sucessora legal da produtora Pathé News, disponibilizou no Youtube mais de 85 mil filmes do seu arquivo, que documentam grande parte da História do século XX.



Fundada no final do século XIX pelos irmãos franceses Charles e Emile Pathé, a companhia foi pioneira no campo dos documentários e pequenos filmes de informação, que passavam nos cinemas antes das longas-metragens. O sucesso foi marcante, a ponto de, em 1910, a produtora se transferir para Londres. Foi a partir daí que passou a estabelecer o padrão na informação visual, primeiro, e audiovisual, depois, a partir da invenção do sonoro em 1928 – tornando-se o grande antepassado da reportagem televisiva e dos blocos noticiosos, tal como ainda os conhecemos.

Veículos privilegiados para o acompanhamento dos acontecimentos mais marcantes do século XX, mas também da vida quotidiana, dos momentos de lazer e das actividades culturais e desportivas, os newsreel da Pathé mantiveram o impacto até final da década de 60, quando as populações ganharam acesso generalizado aos aparelhos de TV. A produtora anunciou o fim dos cinemagazines em 1970, com o gigantesco arquivo a mudar de mãos por várias vezes, antes de ser digitalizado em 2002.

Nas mais de 3500 horas acessíveis ao público há inúmeros filmes que documentam bem até que ponto o conceito de «desporto» foi variando com o tempo. Para o público britânico, nas primeiras décadas do século XX, além das corridas de cavalos, eram as proezas de pilotos, ciclistas e aviadores a dominar as atenções, como o atestam os dois filmes que relatam a partida e posterior receção triunfal em Lisboa a Gago Coutinho e Sacadura Cabral, na travessia do Atlântico Sul, em 1922.



De Jesse Owens, nos Jogos Olímpicos de Berlim, a um jovem Muhammad Ali a prepar-se para o combate do título mundial, da «milha milagrosa» de Roger Banniester, em 1954, à tragédia nas 24 de Le Mans, no ano seguinte, o arquivo permite-nos acompanhar algumas das etapas marcantes da história do desporto mundial ao longo do século XX. Mas, com os atletas portugueses a terem expressão residual até aos anos 60, os tesouros da Pathé só voltam a dizer-nos diretamente respeito em plena era dourada do futebol. As campanhas internacionais do Benfica estão fortemente documentadas, bem como os jogos de Portugal no Mundial 66, com imagens pouco vistas do ambiente nas bancadas e nas ruas.

Mas, de entre todas as joias que uma pesquisa atenta revela, talvez a mais reluzente seja a do filme que documenta a estreia de Eusébio em Wembley, em 1961, com apenas 19 anos. Foi o célebre jogo que levou o jornalista britânico Desmond Hackett a chamar-lhe «Pantera Negra», uma alcunha que se lhe colou para a eternidade. É um pouco dessa eternidade que o arquivo da Pathé nos permite agora visitar regularmente - o canal devia vir com aviso do Ministério da Saúde para os perigos de habituação, mas vale a pena correr o risco.