Chama-se Abdullah Alsumi, tem 33 anos e vive em Jeddah, na Arábia Saudita.
Ganhou projeção mediática às costas da FIFA, ele que durante 55 dias carregou nas próprias costas tudo o que precisava para sobreviver no deserto: uma tenda, uma manta, roupa, alguma comida e um estojo de primeiros socorros.
A loucura de percorrer a pé, sozinho, o deserto da Arábia Saudita, num total de 1600 quilómetros, para ir ao Qatar viver o Mundial valeu-lhe, por isso, a nomeação para o prémio The Best na categoria de melhor adepto do ano.
Não ganhou, é certo, mas ficou conhecido um pouco por todo o mundo.
É preciso referir, no entanto, que antes disso Abdullah Alsumi já se tinha tornado famoso no mundo árabe. A odisseia a que se propôs, a qual documentava frequentemente com vídeos e fotos no Snapchat, atraiu a atenção dos meios de comunicação locais, que fizeram questão de o acompanhar em vários momentos.
Mas quem é afinal Abdullah Alsumi?
Ele define-se como um «um mochileiro», mas é acima de tudo um aventureiro. Gosta de experiências, sobretudo de viajar e conhecer o mundo.
«Estou confuso, dividido entre duas ideias: compro uma carrinha, vivo nela, viajo pela Arábia Saudita e vivo dos conteúdos que produzo, ou como a minha mãe me pede procuro um emprego estável, caso e construo a minha família?», partilhou nos últimos dias de dezembro de 2021.
Pouco depois, no início de 2022, haveria de descobrir que era a primeira hipótese que mais lhe fazia bater o coração. E por isso começou a planear a mais louca de todas as viagens: atravessar a pé o deserto da Arábia Saudita.
Ele que vinha de sete anos a viver no estrangeiro, entre o Canadá e a Austrália.
A primeira vez que emigrou foi para estudar. Era aluno universitário na Arábia Saudita, mas sem grande vocação, e decidiu ir acabar os estudos no Canadá.
Não se pode dizer que a mudança lhe tenha feito bem. No Canadá deu asas à vontade de viajar, estreou-se nas caminhadas e viveu várias aventuras. Visitou o México, foi aos Estados Unidos, conheceu as Cataratas do Niagara.
O curso, no fim de contas, necessitou de onze matrículas para ser terminado.
Na Austrália a trabalhar em agricultura para continuar a viajar
Com o canudo na mão poderia pensar-se que estava na altura de regressar a Jeddah. Mas não. Do Canadá, Abdullah Alsumi viajou diretamente para a Austrália, com o objetivo de explorar as belezas naturais do país.
Alugou um carro para ser o lar dele durante quatro meses e partiu para a floresta. Dormia na carrinha Toyota Corolla, fazia lume, cozinhava, lia, refletia.
De dois em dois dias mudava de floresta.
Os quatro meses transformaram-se em dois anos. Quando o dinheiro para comprar comida e pagar o combustível terminava, Abdullah Alsumi arranjava emprego nas quintas, a trabalhar na agricultura. Depois voltava para o carro.
Trabalhou em várias explorações, a fazer vários trabalhos e diz que guarda desses tempos as mais gratas recordações das pessoas que conheceu, dos lugares que visitou e das histórias que viveu. Houve até trabalhadores que embarcaram com ele na experiência de viver dentro de uma viatura, no meio de uma floresta.
Pelo meio conheceu uma criadora de conteúdos digitais saudita, com quem criou um clube de atividades ao ar livre: Saudi Adventures.
Organizavam caminhadas e acampamentos. Foi partilhando no Snapachat fotos e vídeos das experiências que vivia e no fim foi lançou um documentário.
Quando regressou à Arábia Saudita não quis parar e embarcou numa caminhada de dois dias entre Jeddah e Meca: onde já não ia rezar há alguns anos. Como fazia na Austrália, foi partilhando tudo no Snapchat.
Caminhava com o sol mais baixo, dormia numa tenda, lavava-se nas mesquitas
Quando regressou a casa, teve então uma dúvida: arranjar um emprego e casar, ou pegar na mochila e continuar a explorar o mundo?
Enquanto pensava nisso ouviu o Emir do Qatar garantir que o Mundial 2022 ia ser uma experiência excecional para os adeptos do mundo árabe.
«Nessa altura disse que tinha de ir lá nem que fosse a pé. Então comecei a fazer um plano da minha viagem, partindo de Jeddah até Doha.»
Abdullah Alsumi gosta de futebol e nas viagens pelo Canadá partilhou várias fotos em estádios a ver jogos. Chegou a ir ao México ver o Cruz Azul, quando o clube era orientado por Pedro Caixinha. Por isso ir ao Qatar fazia todo o sentido.
Passou os meses seguintes a preparar todos os detalhes da viagem e no dia 9 de setembro partiu de Jeddah na costa do Mar Vermelho.
«Em nome de Deus, que a aventura comece. Do mar de Jeddah até Doha», partilhou nas redes sociais.
Na mochila levava apenas o essencial para sobreviver no deserto e dois bilhetes: um para o Argentina-Arábia Saudita e outro para o Arábia Saudita-Polónia.
Viajou com sempre com um localizador que estava ligado a dispositivos do irmão e de um amigo, que controlavam a evolução da viagem para o caso de alguma coisa acontecer, e tentava fazer sempre 35 quilómetros por dia.
Começava a caminhar logo que o sol nascia, depois de rezar, claro, parava por volta das 10 ou 10.30 horas para descansar e almoçar. À tarde voltava a caminhar até ser noite. Por vezes, para cumprir esse objetivo de 35 quilómetros, caminhava até à noite.
«De Jeddah até Doha a cada cem quilómetros o caminho é diferente. Que dizer, nos primeiros cem quilómetros são dunas de areia, a seguir vêm as montanhas, depois é só planíces e por fim são os terrenos agrícolas», confessou.
«Durante dois meses atravessei tudo isto num só país. Isto é uma coisa fantástica, mesmo que com o calor seja muito difícil. Claro que houve altos e baixos, mas conhecer as pessoas e ouvir as suas palavras de incentivo deu-me uma força suplementar para continuar.»
Finalmente Doha e a vontade de não parar por aqui
Dormia quase sempre na tenda que levava, comprava comida nas estações de serviço passava, tomava banho e lavava a roupa em mesquitas. Pelo meio ainda teve de ser internado uns dias num hospital, por dificuldades respiratórias, e apanhou um susto quando viu um escorpião negro à noite ao lado da tenda.
Na parte final da viagem sentia-se tão cansado que optou por caminhar pela estrada para ter auxílio no caso de desmaiar.
Até que no dia 29 de outubro, 51 dias depois de ter iniciado a viagem, chegou à fronteira da Arábia Saudita com o Qatar. Do lado de lá, em Abu Samra, tinha dezenas de pessoas à espera dele, com comida e ramos de flores.
Caminhou mais quatro dias e finalmente chegou a Doha. 1600 quilómetros e 55 dias depois de sair de Jeddah.
Nos últimos dois meses, as partilhas no Snapchat tinham-lhe dado projeção. Da France Press à Al-Jazira, toda a gente queria fazer reportagens com ele. Por isso foi recebido com pompa e circunstância no Qatar.
Viveu a festa por dentro, participou em programas de televisão, conheceu pessoas importantes, tornou-se um viajante mediático.
Tanto assim que quando o Mundial acabou começou a viajar pelo Qatar, para promover o país junto do meio milhão de seguidores que tem no Instagram. É isso que está a fazer nesta altura, aliás.
O sonho da mãe de o ver casar e ter filhos vai ter claramente de esperar.