Lilian Thuram, ex-jogador francês, campeão do Mundo e da Europa, é atualmente um ativista social contra o racismo. Está em Lisboa, para participar numa conferência promovida pela Gulbenkian (nesta quinta-feira, às 18.30). A entrevista ao Maisfutebol e à TVI centrou-se no tema que elegeu como bandeira, assim que acabou a carreira de jogador, em 2008.
Partilha a ideia de que a seleção francesa que conquistou o Mundial de 1998 foi uma bofetada no racismo?
- Completamente, em França há um antes e um depois de 1998. A luta contra o racismo precisa de símbolos fortes e a vitória nesse Mundial permitiu um novo olhar sobre a sociedade francesa. Como, mais recentemente, o facto de Barack Obama ser o presidente dos EUA também se tornou um símbolo forte, que levou muita gente a mudar a maneira de ver. O racismo é, em primeiro lugar, uma forma de ver e enquadrar a História.
Mas nessa equipa de França os jogadores não se juntavam por grupos, em função de origens comuns?
- Claro que num grupo alargado todos procuramos pessoas que partilhem os nossos sentimentos ou pontos de vista. Mas a cor da pele é secundária. Se me está a perguntar se os grupos se organizavam em função da cor da pele, digo-lhe que não. Um jogador de futebol aprende desde logo uma coisa essencial, que é conhecer o outro. O racismo é o oposto: é ter um julgamento pré-estabelecido sobre pessoas que não conhecemos, que resumimos num «eles são assim». Há menos preconceitos quando se partilham momentos intensos, de luta ou de alegria, em busca de um objetivo comum, a vitória.
Há cada vez mais denúncias de comportamentos racistas, de jogadores em campo, ou de adeptos nas bancadas. Foi a consciência do problema que aumentou?
- Qualquer denúncia de racismo contribui para uma sociedade mais inteligente, porque é a denúncia de uma desigualdade. Claro que há menos racismo hoje que há 50 anos. Tenho consciência disso a partir da minha própria família. O meu avô nasceu em 1908, 60 anos depois do fim da escravatura em França. A minha mãe nasceu em 1947, durante a colonização. E eu em 1972, durante a vigência do apartheid, na África do Sul. Há uma evolução no tempo e, em geral, menos desigualdades provocadas pela cor da pele. O que eu digo é que temos de manter consciência da História e, para acelerar a evolução das coisas, sermos capazes de discutir e apontar o que ainda está mal. E educar os mais jovens, para que possam mudar a forma de ver a sociedade.
Acredita que a crise social que está a envolver toda a Europa vai acentuar os conflitos?
- Os conflitos entre as pessoas virão do discurso político. O racismo, ou a xenofobia, são construções políticas. É a partir de discursos, do género: «os culpados são estes», ou «é preciso afastar estes e estes», que a grande maioria vai começar a discriminar pessoas. Mas isso pode acontecer independentemente da cor de pele, e entre populações com a mesma pele. Basta dizer-se que os do norte isto e os do sul aquilo. É o discurso político que, nestas alturas, cria clivagens entre as pessoas, não é a situação económica em si. O nazismo é um exemplo, o colonialismo é outro: não foram as populações, por iniciativa própria, que iniciaram a descriminação, foram os responsáveis políticos.