Lilian Thuram, ex-jogador francês, campeão do Mundo e da Europa, é atualmente um ativista social contra o racismo. Está em Lisboa, para participar numa conferência promovida pela Gulbenkian (nesta quinta-feira, às 18.30). A entrevista ao Maisfutebol e à TVI centrou-se no tema que elegeu como bandeira, assim que acabou a carreira de jogador, em 2008.
Nasceu em Guadalupe, e viveu lá até aos nove anos. Sentiu a questão racial na sua chegada a França, em 1981?
- Sim, quando cheguei a Paris havia uma série de desenhos animados, com duas vacas. Uma negra, muito estúpida, chamada Noiraude, e uma branca, muito inteligente, chamada Blanchette. E alguns colegas começaram a chamar-me Noiraude, o que me deixou triste. Por isso um dia perguntei à minha mão por que razão a cor negra era associada a algo de negativo e ela respondeu-me que era assim mesmo, porque as pessoas eram racistas. Não é a melhor resposta a dar a uma criança, e mais tarde, pouco a pouco foi percebendo que o racismo é uma construção cultural. Porque no inconsciente coletivo da maior parte das sociedades europeias, a História das pessoas de pele negra começa na escravatura.
É isso que condiciona a imagem negativa?
- Pergunto: um jovem português ficará a conhecer, no seu programa de estudos, um matemático negro, um cientista ou um filósofo negro? Em geral não. E no entanto, se a questão for acerca de um desportista, ou de um músico, a resposta será mais fácil. É preciso dar informação sobre as outras áreas, como se dá no desporto, ou na música, para se tornar claro que os preconceitos não têm fundamento.
Vê como um problema que os grandes símbolos negros sejam mais facilmente associados à música e ao desporto?
- Sim, é preciso questionar por que razão não há, nos manuais escolares, referência a essas pessoas negras que fizeram coisas extraordinárias em outras áreas. Limitar os símbolos negros a áreas como o desporto ou a música também é um comportamento influenciado pela História. Hoje em dia há um preconceito muito em voga na nossa sociedade, segundo o qual as pessoas de pele negra têm maior vocação para o desporto. Mas é uma construção recente, se pensarmos que em 1936, quando Jesse Owens ganhou as medalhas olímpicas, toda a gente ficou espantada. O lado perigoso desse preconceito em especial é que traz uma ideia a acompanhá-lo: na nossa sociedade judaico-cristã, em que se separa o corpo e a alma, o contraponto de um corpo forte é muitas vezes uma inteligência mais fraca. Eu estou em boa posição para o comentar, porque toda a vida lidei com a ideia de que os jogadores de futebol são bons atletas e pouco inteligentes. Esse preconceito de que os negros são mais fortes no desporto esconde a ideia de que, a par disso, são menos inteligentes.
E não lhe parece que a menor presença de símbolos negros em áreas especializadas como a ciência ou a política tem mais a ver com a posição social do que com a cor da pele? Não acha que esse é um problema de racismo em relação à pobreza?
- Esse é o racismo mais poderoso, em todos os tempos. Os que são mal vistos na sociedades são os pobres, qualquer que seja a sua cor de pele. Mas é preciso não ocultar mecanismos racistas sob a capa do social. É exatamente o mesmo que se passa com a situação das mulheres. Uma mulher pode ter uma educação muito rica, conseguir todos os diplomas e uma situação profissional invejável, e mesmo assim ser confrontada com uma série de preconceitos. Mas concordo com a ideia de que, para além da cor da pele, as pessoas mais estigmatizadas numa sociedade são sempre as mais pobres.
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