Foram 24 anos de invasão indonésia em Timor Leste, com vários episódios sangrentos pelo caminho, mas, pouco tempo depois da independência, o povo timorense mostrou num campo de futebol que o passado estava enterrado. Em 2004, dois anos após o nascimento de Timor Lorosae, um particular entre Timor e Indonésia, no estádio municipal de Dili, transformou-se numa festa do futebol num lamaçal.

«Eu estava em Timor há dez dias e fiquei surpreendido com o que vi. Nas bancadas havia 10 mil lugares, mas os espectadores eram cerca de 40 mil», conta ao Maisfutebol José Luís, antigo médio do Benfica e o primeiro técnico da seleção de Timor, criada em 2002.

«Eram dois países que tinham estado de lados opostos num conflito, mas não houve incidentes nas bancadas, só alegria. As pessoas mostraram a grande paixão que têm pelo futebol», recorda.

Pessoas penduradas nos postes de iluminação

Alfredo Mousinho Esteves, o primeiro capitão da seleção timorense, e que usou a braçadeira até 2009, também não esquece esse jogo. «Estava um dia de sol, mas de repente, a meia hora do início do jogo, caiu uma enorme carga de água. O estádio estava completamente cheio. Havia pessoas junto às linhas laterais, penduradas nos postes de iluminação, centenas estavam ainda no exterior a tentar entrar... A polícia tentava fazer um controlo de segurança, mas eram demasiadas pessoas».

«Como a chuva não parava, o presidente Xanana Gusmão foi ao microfone dizer que seria preciso adiar o jogo, mas toda a gente começou a dizer que não queria. Queriam que houvesse jogo. E assim foi».

«Como não havia drenagem, entrámos em campo com água pelas canelas e nem podíamos estar sentados no banco de suplentes», recorda Alfredo Esteves que, mesmo tantos anos depois, não consegue conter a alegria quando fala nesse jogo. «Nós olhávamos uns para os outros e não conseguíamos parar de rir».

A festa do futebol e o peso da camisola

Nem a chuva, que entretanto parou, conseguiu arrefecer os ânimos dos fervorosos adeptos. «Cada vez que havia um remate, fosse de que equipa fosse, havia aplausos, gritos. A Indonésia acabou por vencer, mas o resultado era o que menos importava», garante. «Foi uma festa. Aquele jogo uniu toda a gente e não havia um sentimento de vingança entre os dois países», diz Alfredo Esteves.

«Depois de muitos anos em guerra, as pessoas precisavam de alegria, de mudança, e o futebol, que é uma paixão nacional, ajudou-os nesse processo», recorda José Luís.

Mas não era só a paixão pelo futebol. Depois de décadas em que o país parava para ver a seleção portuguesa jogar, a antiga colónia portuguesa, a ilha que tinha sido invadida e anexada pelos vizinhos indonésios, era agora um país. A seleção representava essa independência a nível futebolístico. As camisolas em campo ostentavam o vermelho, amarelo e preto e ao peito tinham sol nascente, o símbolo do nome do país [Timor Lorosae, terra do sol nascente]. Mais do que o entusiasmo pelo jogo, é um entusiasmo patriótico que os move.