Pedro Pablo Pichardo: o nome com três «Pês» gravou a letras de ouro a palavra Portugal.

Pela segunda vez apenas neste século, o país tem um campeão olímpico. Em ambas as ocasiões foi o triplo salto a conquistar o lugar mais alto no pódio.

Antes de Pichardo em Tóquio, foi Nelson Évora em Pequim (2008). Entre ambos cresceu uma rivalidade, que o saltador nascido em Santiago de Cuba, há 28 anos, abordou por fim nas últimas horas, após vencer o ouro.

«Nelson Évora já ganhou tudo, porque não me deixa fazer a minha carreira?», questionou o atleta. Que disse mais: «Nelson Évora nunca foi meu amigo. Há uma certa rivalidade desportiva. Se fala comigo ou não, não faz diferença. Não vale a pena continuar com uma polémica com um colega que vai sair. Suponho que a polémica começou com a mudança de nacionalidade.»

Na génese estará precisamente essa naturalização apressada, consumada em dezembro de 2017.

Em abril desse ano, desagrado pelo facto de a federação do seu país não deixar que o seu pai fosse também o seu treinador, Pichardo desertou durante um estágio na Alemanha.

Entre os vários países que o sondaram, Portugal foi aquele que o convenceu. Chegou com o estatuto de refugiado, o que lhe permitiu conseguir a nacionalidade mais cedo.

O Benfica, que ficou sem Nelson Évora, acabado de regressar ao Sporting, contratou-o e Pichardo passou a representar os encarnados nas provas de clubes. A conselho do progenitor, explicou agora: «A razão por ter escolhido Portugal? Tinha propostas de outros países, mas foi o meu pai que escolheu. Falou comigo de Portugal, a dizer que o clima o fazia lembrar Cuba. Quando cheguei, comecei a gostar do país. Vou ficar cá para sempre. Para Cuba, não volto mais. Não posso entrar no país mas, mesmo que pudesse, não está na minha cabeça voltar.»

Pichardo, o mais novo de quatro irmãos, é filho de uma vendedora de frutas e legumes e de um treinador de atletismo. Como facto curioso, o seu tio, Pio, morreu durante uma emboscada a «Che» Guevara. 

Por influência do pai, descobriu o talento para o triplo salto só aos 14 anos. A primeira grande demonstração de categoria surgiu aos 18, quando se sagrou campeão nos Mundiais de Juniores, em Barcelona (2012), com 16,79 metros [ver vídeo].

A partir daí, Pichardo tornou-se um fenómeno. Foi vice-campeão do mundo em 2013 (17,68m) e em 2015 (17,73m), batendo nesse ano o seu recorde pessoal e recorde nacional de Cuba, com 18,08 metros.

A cisão com o seu país de origem aconteceria dois anos depois. Venceu a Liga Diamante em 2018 e aí estabeleceu o recorde nacional com 17m95, suplantando a marca de Évora.

No entanto, a Federação Internacional de Atletismo analisou durante um período longo o processo de naturalização e só lhe concedeu autorização para representar Portugal em grandes competições apenas em agosto de 2019.

Este ano, com as cores lusas, venceu o ouro nos Mundiais de Atletismo em pista coberta, antes de na última madrugada alcançar o maior feito da sua carreira: medalha de ouro nos Jogos Olímpicos Tóquio2020, com novo recorde nacional: 17,98m.

Esta manhã, «A Portuguesa» voltou a ecoar num Estádio Olímpico 13 anos depois do ouro de Nelson Évora.

Pichardo subiu ao pódio e cantou o hino. Depois desse momento, voltou a soltar algumas palavras que lhe estavam presas na garganta: «Ainda continuo a ser o de Cuba. Mas, de resto, sim, estou integrado. Agora, vou trabalhar para chegar a Paris como o novo recordista do mundo.»