É, talvez, umas das medalhas mais portuguesas do Jogos Olímpicos de Tóquio2020 até agora. Nenhuma foi (ainda) conquistada por um português, mas, no surf, a medalha de prata de Kanoa Igarashi tem sabor... a bitoques, a vinho do porto, a amor português, a amizades para a vida e, claro, um cheirinho a mar lusitano. E vai ficar ficar em exposição numa casa portuguesa. É que o surfista, de 23 anos, que se sagrou vice-campeão na estreia do surf como modalidade olímpica, vive na Ericeira e, nos últimos anos, fez grande parte da preparação para os Jogos nas águas portuguesas.

Kanoa exibiu, em conversa com o Maisfutebol, o seu português fluente. «Isto é incrível, não tenho dúvidas de que esta medalha também é portuguesa», disse, enquanto nos mostrava a medalha de prata, conquistada há algumas horas, na ligação que fazíamos por Zoom. Naquela janela de computador não cabia toda a felicidade do japonês/norte-americano/português. Kanoa Igarashi é filho de japoneses, mas já nasceu nos Estados Unidos da América, em 1997, e vive em Portugal há, aproximadamente, três anos. 

«Inicialmente, vinha a Portugal para campeonatos e assim, mas depois acabei por comprar casa cá e, ultimamente, tenho feito de Portugal a minha casa, talvez mais do que nunca. Adoro a cultura portuguesa, é mesmo muito especial», expressou.

Kanoa Igarashi começou a falar português através dos muitos amigos que fez por cá. Ia aos convívios com os 'tugas', e, aos poucos, foi percebendo o que eles diziam. Depois, foi começar a falar como eles, como nós. Hoje, usa, com frequência, expressões como 'ir de vela' e está cada vez mais encantado com comida portuguesa. O bitoque/prego é um dos pratos de eleição e, quando pode, depois da refeição, gosta de beber um bom vinho do porto. Não come peixe, por isso não é fã de bacalhau, mas o pai, Tsutomu, ex-surfista profissional, adora o polvo. Aliás, os pais japoneses, a residir nos EUA, não perdem uma oportunidade para visitarem o filho em Portugal.

Quem conhece o surfista, diz que já incorporou um outro hábito bem português: chegar atrasado a alguns compromissos. Foi por Portugal que encontrou o amor - vive com a namorada na Ericeira - e foi cá que fez algumas  amizades para a vida. «Os meus amigos ficaram a noite toda acordados a ver a final e, depois, passámos a última tarde a falar. Senti a energia deles à minha volta e não teria conseguido este resultado sem esse apoio», afirmou.

Um dos muitos amigos que o felicitaram foi Frederico Morais, Kikas, que falhou um possível encontro com Kanoa, nos Jogos Olímpicos, por ter testado positivo à covid-19. «Eu não sei se ele tem a noção disso, mas eu senti a dor dele como se fosse minha. Fiquei muito triste, como colega e como amigo dele. Nós estávamos a treinar juntos, em Portugal, para preparar os Jogos, e falávamos todos os dias sobre que como seriam as coisas em Tóquio», lembrou.

Em Portugal, Kanoa ainda não ganhou alcunhas, mas o apelido, Igarashi, significa "50 tempestades" em japonês, por isso é que o nipo-americano vai para o mar com o dorsal 50. Na Ericeira, é acarinhado por todos e, às vezes, os vizinhos vão à sua casa tentar 'sacar' umas selfies: os pedidos deverão multiplicar depois do resultado em Tóquio.

Kanoa Igarashi volta a «casa» em setembro e com a medalha de prata. No final da conversa com o Maisfutebol, perguntou-nos: «ficou bom?». Nós dissemos que tinha sido perfeito. Ele, respondeu em duas línguas: «Foi easy [fácil]».

Faltou o japonês. Estava e está no coração.