Nos últimos anos, os filhos do Dragão foram saíndo de casa sem direito a exposição pública. No domingo, porém, o F.C. Porto voltou a mostrar um dos seus produtos na Liga, um jovem português com crescimento sustentado na formação do clube: Tozé.

O cenário desaconselharia o risco mas Vítor Pereira demonstrou a sua confiança. O diminuto médio fez o mesmo. Aliás, terá causado estranheza o atrevimento do número 70. F.C. Porto empatado em casa, tudo à espera do passe simples e ele a rematar. Uma, duas, três vezes.

É assim Tozé. Aos 20 anos, adiou o sonho da família para chegar à equipa principal do F.C. Porto. Os adeptos não gostaram do resultado mas puderam finalmente aplaudir a aposta num talento da casa, uma criação de longa data, diferente de alguns talentos já amadurecidos em outras latitudes.

Sete anos para convencer o veterinário

António José Pinheiro de Carvalho, vulgo Tozé, é um orgulhoso representante de Forjães, freguesia do concelho de Esposende. Por lá começou a jogar futebol, conjugando duas paixões que acompanham as gerações mais recentes da família Carvalho: o Forjães Sport Clube e os animais.

José Armando Carvalho, pai e conceituado veterinário de Esposende, guia o Maisfutebol por este capítulo: «O Tozé jogou no Forjães como eu joguei, como os tios jogaram. Eu fui jogador, fui dirigente, fui presidente. O tio jogou, depois tornou-se presidente. Todos estamos ligados ao clube.»

A herança familiar também cultivou a paixão pela prática veterinária. Nesse campo, o jovem do F.C. Porto merece as maiores ovações. «Eu sou veterinário, a minha mulher também, e o avô dele também era. Dei-lhe liberdade mas ele também seguiu a medicina veterinária. Está no primeiro ano da Universidade.»

Os estudos nunca ficaram pelo caminho. Aos 13 anos, Tozé despertou a atenção dos principais emblemas portugueses: F.C. Porto, Benfica, Sporting, Sp. Braga, V. Guimarães. A família quis tê-lo por perto, sem comprometer o seu futuro. Passou a ser dragão.

«Foram anos e anos a sair de casa em Forjães às sete da manhã e a voltar às nove da noite.Ainda se falou da hipótese de ficar na Casa do Dragão, mas ele quis ficar connosco e nós também preferimos assim», recorda, orgulhoso, o pai.

José Armando Carvalho foi aceitando o destino. Tozé fez o mesmo. Em 2009, no jornal local O Forjanense, o progenitor deixava o aviso. «Neste momento, a carreira de futebolista não é uma hipótese. O futuro planeado para o nosso filho mais novo passa pelos estudos e por um curso superior.»

Seguindo o seu rumo sem vacilar, o jovem concluiu o 12º ano com um registo impressionante e inscreveu-se na universidade. O próximo passo está em suspenso. Para já, o Dragão grita mais alto.

Líder pelo exemplo

As viagens diárias entre Forjães e o Porto ajudaram a moldar o caráter de Tozé. Tornou-se um exemplo pela perseverança e resistência a um sem número de distrações que rodeiam os jovens, sobretudo os projetos de futebolistas.

«Sempre foi muito influente nas nossas equipas e um exemplo para o grupo. O Tozé era o único que se levantava às sete da manhã, ia para a escola, treinava, tinha mais aulas e chegava à noite a casa. Nenhum de nós tinha essa capacidade de sacrifício. Ainda por cima tirava 20 a tudo», recorda Lupeta, companheiro de equipa entre 2006 e 2012, ao Maisfutebol.

Kiki Afonso, outro ex-colega de equipa, reforça a tese. Durante anos, partilhou o assento da carrinha do clube nesse vaivém constante. «Éramos três da zona de Esposende: eu, o Tozé e o Alexandre Marques. Íamos na carrinha de manhã e só vínhamos à noite. Ele continuou a fazer isso pelo menos até ao ano passado. Aguentou sempre.»

«A dada altura, aos 15/16 anos, tive medo de o perder», desabafa o pai. Tozé resistiu. Agarrou-se aos seus sonhos. No domingo, cumpriu um deles.