«O Brasil chora, Santa Catarina também, mas Chapecó tem dor.»

A tragédia de Medellín deixou uma cidade em estado de choque, quebrada pelas mortes de ídolos em campo, figuras emblemáticas da rede empresarial e da comunicação social de Chapecó.

Uma tragédia tem sempre nela histórias de homens e mulheres que são família de alguém, que nos são mais próximos ou menos, consoante contexto. Mas uma tragédia, pela dimensão que o próprio conceito encerra, tem também nela uma narrativa coletiva. Neste caso, a da história da Chapecoense, «o segundo time do Brasil», que ia a caminho de Medellín para defrontar o Atlético Nacional, na primeira mão da taça Sul-Americana.

Não há palavras para os adeptos de Chapecó

Quase um plantel inteiro de futebol desapareceu, mais dirigentes, jornalistas e tripulantes do voo CP2933. Outros estavam relacionados para viajar, mas por um ou outro motivo ficaram em terra. E são esses que vão ter de reerguer «um clube que deu certo» num futebol tantas vezes errado.

O clube nasceu em 1973, fruto da junção de Atlético Chapecó e Independente. Mas foi já no novo milénio que tudo mudou.

Antes de ser deputado federal, João Rodrigues foi eleito prefeito da cidade em 2005, ano decisivo na história de sucesso do clube. O político esteve quase toda a tarde na Rádio Chapecó e contou, por exemplo, como se decidiu a transformar o Estádio Regional Índio Condá.

«A Chape só trouxe alegria e, felizmente, deu certo! Levei um pau [naquela altura], porque se tivesse dado errado, teria sido crucificado. Em vez de construir uma escola, fiz uma arena; em vez de construir posto de saúde, fiz uma arena. A escola e posto médico foram feitos, mas a Arena também.»

Ao lado de João Rodrigues está Mário Tomasi. Repórter, colega de Fernando Schardong e Douglas Dornelles, dois dos jornalistas falecidos em La Únion, ao lado de Medellín. É numa pausa da emissão que Tomasi atende o telefone ao Maisfutebol.

«É um momento extremamente delicado. É um clube com 43 anos, estava no seu melhor momento. Era campeão estadual e teve uma participação de sucesso no Brasileirão, na qual ocupa a 9ª posição. Está no top 10 das equipas nacionais», relatou o radialista.

Uma pausa. Para refletir que Superga e Munique também aconteceram em períodos de sucesso de Torino e Manchester United.

Mário César Tomasi retoma a narrativa, com toda a calma que o momento exige a um profissional. «No segundo torneio continental, a Chape fez jogos fantásticos, sobretudo frente a equipas argentinas. Chegou a finalista, o que nunca tinha acontecido.»

Os resultados de 2016 eram muito bons. Inéditos, mesmo. Interrompidos.

Um clube em crescendo como prova a imagem da SporTv do Brasil

A Chapecoense era, no entanto, entendida como um clube diferente dos outros no país. «Era a alegria do Brasil, há os times grandes, mas a Chape era o segundo time do Brasil, torcedor de time grande gostava da Chape», declarou João Rodrigues durante a emissão da rádio local.

Mas porquê? Primeiro, porque é de uma cidade com pouco mais de 200 mil habitantes, segundo pelo trajeto que teve pelo futebol brasileiro acima.

No relato ao Maisfutebol, Mário Tomasi destaca uma das mais-valias do clube catarinense: «Tinha uma gestão extremamente rigorosa. Era um trabalho vocacionado, por pessoas que agiam de modo voluntário, ou seja, como serviço prestado, mas de forma empresarial.»

Depois de ver o clube cair numa crise financeira no início do século, um grupo de empresários decidiu tomar em mãos a Associação Chapecoense de Futebol. O que fizeram depois foi levantar o emblema catarinense, que em 2009 andava na Série D, em 2013 acabou por pagar todas as dívidas e, nesse mesmo ano, chegou à Série A do Brasileirão: em 2016 jogava uma final continental!

Estádio de Wembley, nesta terça-feira

Um fenómeno no Brasil, comprovado por um estudo do banco Itaú BBA, neste verão: das 20 equipas que participaram no Brasileirão 2016, o Chapecoense detinha a menor dívida, à altura em que os dados foram recolhidos.

«O trajeto que a Chape iniciou em 2005 foi em contramão com tudo o que era aplicado no Brasil. Cumpria o que estava prometido, não fazia contratações milionárias», recordou Tomasi.

Falecido no acidente, o presidente Sandro Parollo explicou em setembro, à Folha de São de Paulo, como se deu a volta à situação de crise de 2005. «Do valor arrecadado, 70 por cento era para investimento, 30 para pagar dívidas. Só gastamos o que ganhamos. Vamos atrás de atletas que estão esquecidos nos seus clubes. Temos dois analistas de desempenho que ajudam na contratação. Não podemos errar porque não podemos deixar o clube com dívidas.»

Mário Tomasi confirmou a tese da direção. «Financeiramente, estava muito bem. Não abria mão do orçamentado, não havia atrasos salariais e, para além disso, não só pagava 13º como também pagava 14º mês, o que nem sempre acontece. Fazia uma excelente movimentação de recursos, não contratava grandes nomes.»

Chapecó é uma cidade onde prolifera o «agronegócio». E ele está intimamente ligado ao clube. Como as pessoas da cidade estão. Mesmo os empresários que não faziam parte da direção faziam parte da solução. David Barela Dávi era um deles. Viajava com a equipa por convite.

O ex-prefeito João Rodrigues, na emissão da rádio, recordou-o. «Dávi era uma figura emblemática. Foi a primeira pessoa que levei ao estádio Regional Índio Condá, quando quis fazer uma Arena. Disse-lhe: Dávi, a minha ideia é levantar uma arquibancada com zonas comerciais. A prefeitura cede o terreno, você investe e constrói e fica com a zona comercial e a bancada fica para a Chape. Foi assim.»

Hoje, comunicou Mário Tomasi, Chapecó era «uma cidade de zombies, onde todo o mundo anda, mas ninguém sabe para onde». Muitos pararam na Arena Condá, onde o clube deseja velar as vítimas.

Os adeptos deslocaram-se para a Arena Condá depois de saberem da notícia

O vice-presidente Ivan Tozzo não viajou com a equipa. Ficou em Chapecó e no meio da dor, expelida por um enorme pranto, teve uma palavra de força: para as pessoas, para o clube. A tal história coletiva que «tem de continuar» depois da tragédia.

«Não sei o que posso falar. Uma equipa que amamos, que começámos há muito tempo. Sei tudo o que passámos, e agora que tivemos destaque nacional, acontece uma tragédia destas. Temos de ter fé em Deus…»

Certo, é cedo. Demasiado cedo para a reconstrução do clube. É preciso, primeiro, honrar os que partiram. Chorá-los. Mas há essa noção de que, acima de tudo, não podem ficar esquecidos. Por isso, a Chape que terá de erguer-se.

«Quando se vê que todas essas pessoas deixam de estar presentes, é muito difícil de imaginar. Perdemos o presidente, o vice-financeiro, o vice do futebol, o vice do marketing…o Chapecoense perdeu do roupeiro ao presidente. Mas a nossa comunidade, que é formada por uma base de italianos que deixaram o Rio Grande do Sul e se estabeleceram em Santa Catarina, tem esse aspeto: havemos de fazer com que Chapecó e Chapecoense se reencontrem»

Mário Tomasi, que também perdeu colegas: «Eram a nata da imprensa desportiva local, figuras de destaque a nível local e regional. Havia também outros nomes nacionais, como o Mário Sérgio Pontes de Paiva e o Victorino Chermont.»

Chapecó tem dor, Santa Catarina chora e o Brasil também. O mundo do futebol é solidário.

Os maiores gestos chegaram do Atlético Nacional e dos emblemas de São Paulo. Os paulistas propõem medidas solidárias e alguns tiveram gestos que podem ser vistos como pequenos, mas que para eles, e para os de Chapecó, dizem muito.

João Rodrigues: «O Corinthians tinha o site verde por causa do Chapecoense! Verde, que é a cor do Palmeiras...»

E da esperança.