A História de Um Jogo é uma rubrica do Maisfutebol. Escolhemos um dos encontros do fim de semana e partimos em busca de histórias e heróis de campeonatos passados. Às quinta-feiras, de 15 em 15 dias.

O Benfica enchera-se de esperança. O maestro passara do campo para o gabinete, Quique Flores do desemprego para o banco, Pablo Aimar de Saragoça para Lisboa e David Suazo da catedral de San Siro para a da Luz.

A esperança tinha motivos para existir ainda em janeiro de 2009: sete vitórias, cinco empates nenhuma derrota. O Benfica era líder do campeonato, mas sairia do jogo com o último com a sensação imensamente inversa ao espírito com que chegou: um forte cordão policial, adeptos aos gritos e Rui Costa a dar a cara na hora da derrota.

Ainda não se sabia, mas foi o início do fim do Benfica de Quique Flores. Uma noite de pesadelo para os da Luz, e de sonho para Reguila e Hélder Barbosa.

É o primeiro quem atende o telefone ao Maisfutebol antes de as duas equipas se encontrarem sábado, na Taça de Portugal.

«Entrámos receosos, o que era normal. Foi complicado suster aquele ímpeto inicial do Benfica.» O AO Minuto da partida comprova. Só Paulo Lopes, ironicamente, impede o Benfica de marcar aos 28 segundos de jogo…

O jogo é físico. Há falta sobre Aimar, há Valdomiro sobre Di María, há falta sobre Ruben Amorim, há Maxi Pereira…« Veio com tudo, à sul-americano, a ver se me varria, e pegámo-nos. Era um jogador complicado, muito latino. Foi o calor do momento», lembra Reguila.

Reguila festeja com Delfim o 1-0

Havia temperatura em campo, mas esta era uma dessas partidas de inverno, em que se vê o ar expirado, os cachecóis são roupa em vez adereço clubístico, enfim, resiste-se ao frio como o Trofense resiste ao Benfica. Como pode.

«O que é certo é que aguentámos até final da primeira parte, até que surgiu o meu golo», conta.

Na véspera, Tulipa tinha explicado que o Benfica de Quique ainda não era bem um Benfica forte. «Oscila muito de jogo para jogo, essencialmente nos sectores defensivo e intermediário. Quique Flores tem mudado alguns jogadores de determinadas posições e quando isso sucede é porque não confia totalmente nos atletas em questão.»

A segunda parte vai confirmar essa montanha russa que era o futebol encarnado, umas vezes em cima, outras em queda vertiginosa. Mas antes, o 1-0.

Se isto fosse a anatomia de um golo, ter-se-ia de começar por aqui. Edu Souza e Lipatin estavam lesionados. Sobrava Reguila no ataque.

«Não vinha a jogar, e até me recordo que no treino antes do jogo, no sábado de manhã, o mister chegou perto de mim e até deu um sorriso, tipo, ‘vais ter de ser tu’.»

Estava escrito, portanto, que Reguila, benfiquista desde miúdo, seria o profissional que acabaria com o estado de graça de Enrique Sanchez Flores.

«O Hélder Barbosa meteu um passe na vertical e de início até pensei que estava fora de jogo. A partir daí vi que o Luisão ia chegar. Pensei que ele ia encurtar espaço, e eu tinha de puxar para dentro. Ele não o fez e rematei, porque tive feeling que ia fazer golo.»

Moreira tinha acabado de ganhar a baliza do Benfica a Quim e abriu outra vez a discussão quando não susteve o pontapé de Reguila.

Aquilo que Tulipa vira antes do jogo, viu o país inteiro depois do 1-0. «Na segunda parte, estivemos mais confiantes, a malta começou a libertar-se muito.» O Benfica oscilou e o início ameaçador estava bem distante do que vivia a equipa no segundo tempo.

O jogo continuava bastante físico. Binya carregava Hugo Leal, Carlos Martins derrubava Reguila. Binya fazia falta sobre Reguila, Suazo sobre Hugo Leal.
 

Pelo meio, Aimar tentava um golo de cabeça no meio de uma equipa que era líder na tabela, mas desesperada em campo e infantil nas ações. Reguila recorda: «O lance até é comigo, o Binya meteu a mão à bola e viu o segundo amarelo. O Rui Costa foi atrás dele, quando ele ia para o balneário e aquilo foi uma gritaria. Era impossível o Binya jogar neste Benfica…»

«O Maxi Pereira nem sabia o nome do Trofense, vieram com um ego grande»

O Tacuara, melhor marcador estrangeiro do clube da Luz, é o símbolo do espírito encarnado nessa noite: Cardozo quase que termina com os pés enfiados nas canelas do futuro colega Paulo Lopes tamanha era a frustração.

Milton do Ó (Trofense) em luta com Ruben Amorim (Benfica)


 

Da bancada solta-se pirotecnia que põe o guardião do Trofense a fugir a ‘sete pés’, Hélder Barbosa põe o marcador em 2-0 e o Benfica, que era líder isolado nesse domingo, só voltará a essa condição com Jorge Jesus, na época seguinte. 

«O Benfica abanou com esse jogo, porque na altura era líder. Subestimou-nos, estávamos em último, numa fase muito complicada, não ganhávamos a ninguém. Até me recordo que o Maxi Pereira nem sabia o nome do Trofense, brincámos com isso no balneário. Vieram com um ego grande, mas acreditávamos que para nos ganhar tinham de andar muito.»  

Chegou com grandeza, saiu debaixo de vaias e insultos e Rui Costa saiu do carro, antes de todos saírem para Lisboa.

Já Reguila continuou na Trofa. «Estava a precisar de um jogo assim, porque acabei por jogar os jogos quase todos», recorda. Nunca mais lá voltou depois de no final de 2011/12 ter deixado o clube, mas vai lá neste sábado.

«Vai ser a primeira vez que vou à Trofa. Fiquei um pouco ressentido, as coisas não acabaram como deviam. O clube estava a passar uma crise financeira, mas merecia outro tratamento. As pessoas não são o clube e será com agrado que irei ao estádio», explica.

Agora com 42 anos e com a decisão tomada de parar de jogar depois de ainda a marcar golos com 40 anos, Reguila acredita que vai ver um Benfica diferente.

«Na altura, o Benfica tinha muitos valores individuais, Suazo, Di Maria, Aimar, mas não tinha um coletivo muito bom, tinha ali nuances que não eram muito boas. O deste ano é mais forte», considera Reguila, consciente das diferenças após quase 13 anos, mas que não mudam a premissa para este jogo da Taça de Portugal.

É o Benfica quem tem oportunidade de, pela primeira vez na História, ganhar um jogo ao Trofense . Não só contente de ganhar por 2-0 em casa, foi empatar 2-2 à Luz e dizer em campo o que já vinha nos jornais. Quique Flores não continuaria, era preciso renovar uma esperança que se perdera numa noite de inverno na Trofa.