Edgar Cardoso é um dos portugueses que permanece em Kiev a rezar para conseguir sair da capital da Ucrânia. O coordenador da formação do Shakhtar Donetsk está num hotel do dono do clube, juntamente com o nutricionista Fiipe Sousa e com Paulo Fonseca.

O treinador é casado com uma ucraniana e estava na cidade quando começou a guerra. Apanhado pelo caos que atingiu a cidade, já não conseguiu fugir e é o único que está acompanhado pela família. Os outros dois portugueses já tinham enviado os familiares para Portugal.

«Felizmente estou sozinho. A minha família saiu há três semanas e voltou para Portugal.»

Enquanto Edgar Cardoso conversa com o Maisfutebol as bombas vão rebentando.

«Ouviu esta?», pergunta, com a voz a tremer. Sim, ouviu-se perfeitamente. Assustador.

«Desde há umas semanas que se tem assistido a este crescendo de tensão, mas sempre acreditei que nada pudesse acontecer e que a diplomacia pudesse imperar. As coisas começaram a escalar, a família e os amigos pediam-me para sair, mas eu tenho contrato, senti que a minha presença aqui era necessária e resolvi ficar. Tal como aconteceu com toda a primeira equipa do Shakhtar.»

Até que nesta quarta-feira Edgar Cardoso percebeu que não dava para ter mais esperança. Tinha mesmo de abandonar o país e regressar a Portugal.

«Ontem à noite fiquei mais do que convencido de que tinha de sair, marquei uma viagem para as 10 horas e às quatro ou cinco da manhã comecei a ouvir rebentar as bombas. Entrei completamente em pânico. Não sabia o que fazer», adianta.

«Falei com os responsáveis do clube, que me pediram para não fazer nada e ficar em casa. Até que um pouco depois o clube pediu a todos os estrangeiros para se dirigirem para este hotel. É o hotel onde fica a primeira equipa, é controlado pelo clube e tem construção antí-sísmica.»

É nesse hotel que Edgar Cardoso espera por notícias. Tenta manter um discurso calmo e seguro, mas sente-se voz a tremer e a respiração ofegante.

«As estações de metro estão a ser utilizadas como bunkers. As pessoas estão a fugir para lá para se protegerem das bombas. O hotel tem uma zona mais robusta e quando as bombas se intensificam é para lá que nos mandam. Estamos aqui cerca de cinquenta estrangeiros, entre jogadores brasileiros, toda a equipa técnica que é italiana e nós os portugueses.»

Edgar Cardoso não sabe ainda como vai conseguir sair da Ucrânia. Mas de uma coisa tem a certeza: só abandona o hotel quando sentir que é minimamente seguro andar na rua.

«Estão a levantar algumas hipóteses para nos tirar daqui. Pelo ar é impossível, o espaço aéreo está completamente fechado. As estradas estão completamente cheias de pessoas a tentar fugir e bloqueadas. O GPS diz-me que para fazer quinze quilómetros demoro duas horas. Neste momento é impossível sair de Kiev», conta.

«Logo que ouvi as bombas tentei falar com a embaixada, que demorou a responder. Agora há cerca de meia hora mandaram-nos um email a pedir para nos tentarmos aproximar da fronteira com a Polónia ou com a Roménia, mas como, se as estradas estão bloqueadas? Eu prefiro ficar aqui. Não tenho vontade nenhuma de me meter numa estrada entupida com bombas a cair.»

Edgar Cardoso diz que não vale a pena pensar agora que devia ter saído mais cedo da Ucrânia, fala que «havia muito desinformação» e que sempre acreditou que tudo acabasse bem.

Agora há que olhar para o futuro: e o futuro são as próximas horas.

«O que sinto? Pavor, medo e desejo de sair daqui. Mas sair em segurança.»