Nasceu em Lisboa, em outubro de 1967, mas foi nas férias de setembro da sua infância, passadas em Guimarães, que se iniciou como adepto.

Os primeiros palavrões que ouviu foram no estádio do Vitória. Na Luz entrou mais tarde, mas diretamente para o camarote presidencial pela mão do pai, Diogo Freitas do Amaral, então líder do CDS, que por falta de paciência para a rivalidade entre Benfica e Sporting era do Belenenses, sem ligar muito a futebol.

Mais aspirante a piloto de Fórmula 1 do que a craque da bola, em pequeno, Domingos Amaral licenciou-se em economia, foi jornalista até há uma década e hoje é professor universitário e escritor, autor de obras como «Assim nasceu Portugal» ou «Enquanto Salazar dormia…».

«Escrevo livros, dou aulas na Universidade Católica, sou gestor de uma escola», descreve-se. É também benfiquista desde que se lembra, por influência dos tios e também para contrariar o irmão mais velho, revela à conversa com o Maisfutebol, umas horas antes de rumar ao estádio da Luz para assistir ao Benfica-Liverpool.

MAISFUTEBOL - Como começou a gostar de futebol?

DOMINGOS AMARAL - Sempre tive na família pessoas que gostavam de futebol. Sobretudo os meus tios.

O seu pai não era adepto?

O meu pai dizia que não tinha paciência para a rivalidade entre Benfica e Sporting. Portanto, era do Belenenses. Nos últimos anos, já via connosco a Seleção e um ou outro jogo. Mas, quando éramos miúdos, ele não tinha grande apego pelo futebol. Essa ligação veio sobretudo pelos tios. Do lado materno, eram do Benfica; do lado paterno, do Vitória de Guimarães. Nós passávamos as férias de setembro numa quinta dos meus avós, em Guimarães, e o irmão do meu pai levava-nos muito ao futebol para ver o Vitória. A primeira vez que fui ver um jogo ao vivo foi no estádio que é hoje o D. Afonso Henriques.

Foi aí que ouviu pela primeira vez palavrões?

Sim, sim, com 6, 7 anos. Uma das surpresas foi ouvir palavrões com extraordinário à-vontade ditos por homens muito mais velhos dirigidos a árbitros e adversários. Fiquei espantado pela forma como os palavrões «ferviam» durante o jogo. O Vitória há de ser sempre o meu segundo clube. O povo de Guimarães tem uma ligação muito grande ao clube, infelizmente o Vitória não encontrou as condições para ser o quarto grande, como merecia. Há ali muito bairrismo naquela região, muitas rivalidades entre clubes vizinhos.

O que é que o fez benfiquista?

Tenho um irmão um ano mais velho que era do Sporting e por oposição tornei-me do Benfica, embora a influência principal tenham sido os meus tios. O FC Porto só começou a crescer nos anos 70. Na minha infância, a disputa era sobretudo entre Benfica e Sporting. Com 8 ou 9 anos foi a primeira vez que fui ao estádio da Luz.

Lembra-se do jogo?

Sei que foi um jogo internacional, contra uma equipa alemã, o Carl Zeiss Jena, da RDA. Fui com o meu irmão e com o meu pai, que na altura era político e foi convidado para o camarote do presidente do Benfica. A primeira vez que entrei que entrei no Estádio da Luz fui logo direto para o camarote presidencial. Uma honra extraordinária. A maior recordação desse jogo foi o público do terceiro anel, que estava por cima de nós, a bater com os pés no chão e o estádio começar a tremer. Eu e o meu irmão achámos por segundos que era um tremor de terra. Um barulhão infernal, uma coisa inesquecível.

Tinha algum ídolo na infância?

Aqueles jogadores do Benfica da década de 70: Humberto Coelho, Nené, mais tarde o Chalana e o Carlos Manuel.

Sonhava ser como eles?

Não me lembro de querer ser futebolista. Gostava de jogar futebol, mas não era o miúdo mais hábil do mundo e tinha essa noção. Sonhava, sim, ser piloto de Fórmula 1. Adorava e adoro Fórmula 1 ainda hoje. Como não guiava então, achava que ia ser um ótimo piloto. No futebol, como já podia jogar e a coisa não saía assim tão bem, percebi que nunca iria ser um grande jogador.

Que outras grandes memórias tem da Luz?

Adoro ser campeão, mas os momentos mais marcantes são as idas às finais europeias. A meia-final que o Benfica vence ao Steaua de Bucareste no antigo Estádio da Luz, com golos do Rui Águas, é um dos momentos mais extraordinários que tive na vida. Também assisti à final da Taça UEFA, a duas mãos, que o Benfica perdeu com o Anderlecht. Aí foi um desgosto.

Como escritor considera que em alguns meios culturais há uma certa sobranceria em relação ao futebol?

Acho que até há uns 20 anos havia uma certa intelectualidade que desprezava o futebol, mas isso tem sido ultrapassado. Há pessoas que continuam a não gostar de futebol. Agora, desprezar intelectualmente acho que hoje já não se sente tanto isso. Ninguém é mais ou menos inteligente por festejar golos e celebrar vitórias. Posso adorar ler Proust e ver um jogo de futebol. Gostar de pintura, literatura ou de ópera não é incompatível com gostar de futebol.

Há uma década escreveu o livro «Porque é que o FC Porto é campeão e o Benfica só ganha Taças da Liga?». Concorda que o cenário mudou um pouco desde então?

Sou formado em economia e dou aulas de economia do desporto na Universidade Católica há quase uma década. Faço a análise económica do futebol e de outros desportos e esse prisma leva-nos a pensar que muitas vezes os clubes com orçamentos maiores têm melhores equipas e ganham mais. Esse livro foi feito para explicar que o Benfica não estava a perceber que o FC Porto ganhava a maior parte dos campeonatos porque tinha equipas melhores: jogadores mais bem pagos, orçamentos maiores... A certa altura, o presidente Luís Filipe Vieira percebeu isso e o Benfica passou a ganhar mais, até acabou por chegar ao tetra.

O FC Porto, porém, mesmo em dificuldades financeiras nos últimos anos, tem conseguido ter sucesso desportivo. Acha que a mística e a superação também entram nessa equação?

Não sou tão defensor desse lado intangível do futebol. Sem jogadores e treinadores de qualidade dificilmente se é campeão. O FC Porto tem uma tradição de ter tido durante muitos anos melhores equipas do que os seus rivais de Lisboa e isso gera uma cultura de exigência. Às vezes, isso traduz-se em capacidade anímica, crença, etc… Eu chamo-lhe exigência e ambição. Não quer dizer que uma equipa que invista menos não possa ganhar. Agora, na maior parte dos casos, não é isso que acontece.

O Benfica tem menos qualidade agora do que no passado recente?

Nos últimos anos, o Benfica desinvestiu. Isso baixou a ambição e a cultura de exigência do clube, que tem muito mais dificuldades de ganhar. Não sou daqueles benfiquistas que acham que o FC Porto ganhou por causa dos árbitros. Ninguém ganha a Liga dos Campeões se não for muito bom. Ninguém ganha duas Ligas Europa se não tiver uma grande equipa. Pode ter havido um ou outro caso. Não se pode explicar duas ou três décadas de vitórias com o controlo da arbitragem. Isso é uma tontice. É a qualidade e o talento que ajudam a ganhar mais vezes.

Considera que este Benfica atual é o produto de desinvestimento no plantel?

Luís Filipe Vieira quis utopicamente fazer do Seixal o viveiro de grandes equipas, mas vendia a seguir cada bom jogador que de lá saía… É impossível fazer grandes equipas assim. Posso gerar um João Félix, mas se ele ficar só seis meses não consigo muito mais do que ganhar o campeonato nesse ano. Nos últimos anos o Benfica criou uma cultura mais orientada para fazer grandes negócios do que para a vitória e isso ainda não foi alterado. O Rui Costa terá agora a oportunidade de o fazer.

Acha que a próxima época é o momento decisivo para um novo paradigma se impor?

Os sinais apontam para uma mudança no Benfica. Fala-se muito no Roger Schmidt como novo técnico. O plantel vai ter de ser reconstruído para ser possível implementar essa nova filosofia. Vamos ver se esse é um caminho novo de ambição que possa levar a resultados melhores do que as deceções dos últimos anos.

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