Ruben Rua nasceu no Porto há 33 anos. É apresentador de televisão, mas foi como modelo que começou a carreira de sucesso e que o levou a pisar as passerelles mais mediáticas do mundo. Viajou muito, de Paris e Milão, de Tóquio a Nova Iorque, mas guarda com carinho sobretudo as viagens que fez para acompanhar o FC Porto.

Portista ferrenho, dormiu muitas vezes em aeroportos para seguir o clube do coração no estrangeiro, fez diretas para ir ao estádio e regressar a tempo de ir trabalhar, meteu dias de férias, gozou folgas, investiu o tempo livre em acompanhar a equipa para todo o lado. De onde vem esta paixão? A resposta está na conversa que se segue.

A primeira vez que o vi foi num evento criado para assistir ao Schalke 04-FC Porto e você estava claramente nervoso...

Sou portista desde que me lembro de ser gente. Nasci no Porto, o meu pai é um grande portista, o meu padrinho é um grande portista e tornei-me portista. Por causa da minha de forma de estar mais apaixonada, mais emocional, sempre vibrei com as vitórias do FC Porto. Sou uma pessoa de tudo ou nada, de preto ou branco, e a partir do momento em que senti essa paixão, senti esse vibrar.

Mas sempre foi assim?

Sempre vibrei, mas ali a partir dos 17 anos, e até há três anos, portanto entre os 17 e os 30 anos, comecei a acompanhar o FC Porto cada vez mais intensamente. Ir ao estádio, ir aos jogos fora e até mesmo acompanhar o FC Porto no estrangeiro. Hoje em dia estou mais afastado, porque a disponibilidade é outra. Hoje ninguém pode ir aos jogos, mas mesmo quando era possível na última época, só fui a um. O que não quer dizer que não seja portista, não goste de ver os jogos em casa e não viva o meu clube de forma apaixonada.

Aqueles sacrifícios que fazia para acompanhar o FC Porto, metendo dias de férias, viajando durante a noite, já não consegue fazer isso nesta fase da sua vida?

Não. Mas também foi uma opção.

Não dava para manter aquele ritmo?

Acompanhei o FC Porto durante muito tempo e houve ali três ou quatro anos em que tentava ir a todos os jogos. Eu sou um portista que mora em Lisboa. É verdade que sempre fui ao Porto com alguma regularidade e uma das motivações era ver o FC Porto em casa, mas este ir e vir era exigente. Em alguns jogos da Champions, por exemplo, chegava a ir e vir no mesmo dia. Fazia tudo o que tinha a fazer, saía de Lisboa às três da tarde, ia direto ao Dragão, o jogo terminava e voltava para Lisboa. Deitava-me às duas ou três da manhã. Diz-se que quem corre por gosto não cansa. Eu acho que cansa, mas cansa menos porque a motivação é outra.

Nos jogos internacionais, a meio da semana, devia ser ainda mais complicado...

Eu trabalhava na agência que me representou toda a vida, tinha 22 ou 25 dias de férias por ano e houve vários dias de férias que foram gastos, ou antes, investidos, nas deslocações ao estrangeiro. Dependendo do país podia ser um dia, dois dias ou três dias. Muitas viagens, sobretudo a Espanha, eram feitas de autocarro e custavam duas noites. Isto aconteceu na minha vida durante vários anos.

Hoje vive o clube de maneira diferente.

Não quer dizer que eu seja menos portista. Quando se gosta de um clube, seja ele qual for, FC Porto, Benfica, Sporting, Sp. Braga, V. Guimarães, e gostas verdadeiramente, não é uma paixão, é amor: e o amor não é uma coisa inconstante, é um estado de alma, é um sentimento que se perpetua na tua vida toda. Hoje sou portista da mesma forma que era há quatro ou cinco anos. Vibro com as vitórias do FC Porto da mesma maneira que vibrava há quatro ou cinco anos. Mas se calhar tomei outras opções, estabeleci outras prioridades, tenho seguramente menos tempo, estou envolvido profissionalmente em outras frentes que me dão menos espaço para estar presente nos jogos. Nunca estive envolvido profissionalmente no clube, era um adepto normal, comprava os meus bilhetes, comprava as minhas viagens, era apenas uma questão de afeto. Hoje vivo as coisas de uma forma mais afastada, mais tranquila.

E sente falta do estádio?

Acho que a resposta é sim. Sinto falta no sentido em que tenho grandes memórias desses anos. Qualquer pessoa que acompanhe uma equipa sabe do que estou a falar. Um jogo de futebol no Dragão, na Luz ou em Moscovo não é só um jogo de futebol. Há todo um ritual, toda uma construção desde que sais de casa, viajas para o estádio e voltas para tua casa. Crias amizades que te proporcionam grandes momentos. Eu tenho as melhores memórias desses anos, e mil e uma histórias para contar. Quando penso nessa fase, sinto alguma nostalgia. Principalmente dos jogos grandes. Quando há um FC Porto-Benfica ou um Sporting-FC Porto, dá-me uma grande vontade de estar lá. Mas sou uma pessoa que sempre estabeleceu prioridades: o dia só tem 24 horas, a semana só tem sete dias para todos nós e é preciso mexer algumas peças.

E falou aí...

Mas há uma coisa que queria mesmo frisar: não é por acompanhar menos o FC Porto que sou menos portista. O maior exemplo que posso dar é o do meu pai. O meu pai acompanhou o FC Porto de uma forma muito próxima até eu nascer. A partir do momento em que se tornou pai, fez uma opção na sua vida de não ir aos jogos. De vez em quando vai, mas só de vez em quando. Apesar disso, continua a ser um grande portista e vai sê-lo toda a vida.

Disse que podia contar mil e uma histórias. Qual é a primeira que lhe vem à cabeça?

A primeira vez que entrei num estádio. Acho que nos marca. Eu tenho exatamente presente na cabeça a primeira vez que o meu pai me levou ao Estádio das Antas. Foi para ver um FC Porto-Campomaiorense, na altura em que o Jimmy Floyd Hasselbaink ainda lá jogava. O FC Porto ganhou 5-0. Tinha seis anos e lembro-me de ir com o meu pai, num domingo solarengo, lembro-me de estarmos a comprar os bilhetes, de irmos para a arquibancada e estar ali a ver o FC Porto, que era uma coisa que eu queria muito fazer. Também me lembro do segundo jogo, frente ao Salgueiros, o FC Porto ganhou 2-0. Nessa altura, o meu padrinho tinha lugar anual e viajava sempre com o FC Porto, mas havia jogos em que não ia: ou porque estava a chover, ou por isto, ou por aquilo. Lembro-me que num FC Porto-Sporting estava a chover torrencialmente e o meu padrinho não quis ir. Eu peguei no cartão dele e lá fui ver o FC Porto jogar. O meu pai levou-me até ao estádio, eu entrei com o cartão do meu padrinho e vi o jogo sozinho.

Mas uma das histórias que deve ser impossível esquecer é a do golo do Kelvin.

Esse golo é um momento...

A esta esta distância consegue perceber o que aconteceu naquele instante no Dragão?

A esta distância consigo. Eu estava no estádio e acho que, naquela altura, nem eu, nem nenhum adepto percebeu. Estamos a falar de um jogo em que se o Benfica ganha, é campeão no Dragão. Se o Benfica empata, era campeão na semana seguinte, penso que com o Moreirense em casa. O jogo estava a chegar ao fim e era um silêncio no estádio como eu nunca senti. O Benfica tinha aquilo controlado, o FC Porto dificilmente ia marcar e o Benfica com toda a legitimidade ia ser campeão. De repente há uma jogada com intervenientes inusitados: o Varela recupera a bola, o Liedson faz a assistência e o Kelvin, que é um jogador que nunca singrou em lado nenhum, tem um dos momentos mais bonitos daquilo que é a vida portista. Recebe a bola de pé direito, não deixa cair e remata de pé esquerdo. Estou atrás da baliza, literalmente no muro, sou talvez o espectador mais perto das redes, e a sensação que tenho é que a bola vai fora: naqueles milésimos de segundo, tenho a sensação que a bola vai para fora. Mas não vai. Não vai fora e naquele segundo pensas em tudo. Isto aos 92 minutos. Afinal já não era o Benfica que ia ser campeão, era o FC Porto que ia ser campeão. O Dragão naquele momento virou um autêntico caldeirão. Acho que ninguém, naqueles segundos, sabe exatamente o que fez e o que se passou.

Foi um êxtase total…?

Acho que aquilo que se passou é o estado de felicidade mais puro que podes ter na tua vida. Às vezes, quando recebes uma boa notícia, quando te fazem uma surpresa, é uma felicidade grande. Mas aquele momento é tão inesperado, tão forte, vivido de uma forma tão coletiva. Estamos a falar de 50 mil pessoas que viveram simultaneamente o mesmo acontecimento. Acho que só quem esteve no Estádio do Dragão naquele dia pode ter vivido uma coisa assim.

Viajando um pouco mais atrás, qual é a primeira memória que tem do futebol?

Lembro-me do meu pai ver os jogos em casa. O FC Porto-Boavista, por exemplo. Lembro-me do meu pai me explicar o fora de jogo. Eu era muito miúdo e ele tentou explicar-me o que é isso, dos fora de jogo. Mas a primeira memória é essa, da nossa casa e ele estar a ver futebol. Eu tentava perceber quem eram os jogadores, quem eram as equipas. Lembro-me também de um dia estarmos a passar ao lado do Bessa, havia um Boavista-FC Porto, de ver os adeptos do FC Porto a ir para o estádio e pensar que um dia gostava de estar com aquelas pessoas a ir para o jogo.

A sua paixão pelo futebol acaba por estar muito ligada ao seu pai...

O meu padrinho também me influenciou muito, porque é uma pessoa com quem tenho uma relação especial. Mas naturalmente os pais, sendo as nossas maiores referências, acabam por ser as maiores influências. A cidade onde nascemos também é importante. Três em cada quatro pessoas que nascem em Guimarães são do V. Guimarães. Acho isso muito bonito. Gosto muito quando as pessoas de uma determinada zona são da equipa dessa zona. É uma cultura muito inglesa. Em Inglaterra há muitos adeptos de muitas equipas, porque se nasces numa determinada cidade, és da equipa dessa cidade. E mesmo que nasças em Londres, não é certo que vás ser do Chelsea ou do Arsenal. Podes ser do West Ham, por exemplo. Respeito as pessoas de Guimarães por isso mesmo. Três em cada quatro pessoas são do Vitória e uma em cada quatro pessoas são sócias. Eu, nascendo no Porto, tendo um pai portista, um padrinho portista e a maior parte dos meus amigos portista, acho que só podia ser do FC Porto. Curiosamente o meu maior amigo é benfiquista.

Ai é?

É verdade. O meu melhor amigo, com quem cresci na moda, sou padrinho do filho dele, é de Lisboa e do Benfica. Está a ver como a vida é? Às vezes no melhor pano cai a nódoa [risos].

Há muitas picardias ou não?

Não. Eu no futebol vivo muito o momento, mas depois passa-me. Fico um bocado chateado quando o FC Porto perde, mas quando o jogo acaba, e por ter tanta coisa na minha vida, sou obrigado a desligar e a focar-me noutra coisa. Seja ela profissional ou pessoal. Não deixo que o futebol afete as outras variantes da minha vida, e muito menos uma amizade. Claro que não vou ver um jogo com ele. Não ia ser agradável. Isso eu não gosto. Prefiro ver o jogo sozinho.

Não gosta de ver os jogos com adeptos de outros clubes ao lado?

Não há nada pior do que ver um jogo condicionado por um adversário. Aquela história de ver jogos em cafés, não corre bem. Ficas um bocado tenso, um bocado retraído, depois tens medo de festejar porque vais ferir as suscetibilidades do lado, se a pessoa do lado festeja ficas picado. Prefiro ver os jogos em casa, tranquilo, no sofá. Ou então ver com quem quer que o FC Porto ganhe.

E o que veio antes, a paixão pelo futebol ou a paixão pelo FC Porto?

Nasceu primeiro a minha paixão pelo desporto em geral. Eu sou uma pessoa muito desportiva. Por exemplo, joguei andebol no Boavista durante cinco anos. Na altura os meus pais moravam perto do Estádio do Bessa e era mais fácil jogar ali do que jogar nas Antas.

Então é um rapaz da Boavista?

Eu não sou da Boavista. Nasci no Amial e os meus pais foram morar para a Foz quando eu tinha 12 anos. Portanto, estando na Foz, era mais fácil jogar no Bessa, era só subir a Avenida da Boavista, do que ir pela VCI para as Antas. Por isso tenho um grande carinho pelo Boavista, porque joguei lá vários anos, e também porque é um clube da cidade do Porto.

Também tem uma costela boavisteira?

Atenção, que fique aqui claro que tenho carinho pelo Boavista, tenho respeito, mas sou cem por cento portista. Não acredito nada naquelas coisas do ‘sou do Sp. Braga, mas também gosto do Benfica’ ou ‘sou do FC Porto cá, mas em Inglaterra sou do Manchester United’. Isso para mim não existe. Eu sou do FC Porto no Porto, em Lisboa ou na China. Sou cem por cento do FC Porto em todo o lado. Posso simpatizar com esta ou aquela equipa porque tem lá um português, posso gostar que a Juventus ganhe porque tem o Ronaldo, mas eu sou cem por cento do FC Porto.

Mas estava a dizer que era uma pessoa muito desportiva.

Sim, o meu pai também praticou desporto muito tempo, jogou futebol, ainda hoje com 64 anos treina no ginásio e, portanto, eu fiz desporto a minha vida toda. O meu pai vê jogos de hóquei, de andebol, de futsal e por isso o desporto entrou primeiro na minha vida. Mas o FC Porto veio logo depois, porque o meu pai via o desporto ligado ao FC Porto. A verdade é que à medida que ia ganhando cultura desportiva ia também ganhando amor clubístico.

Nunca jogou futebol?

Não. Como qualquer miúdo, houve uma altura em que quis jogar. A maioria das crianças sonha ser futebolista, ou pelo menos quer jogar futebol. Por isso houve um dia em que cheguei a casa e disse à minha mãe que queria ir para o futebol. Curiosamente a minha mãe nunca me deixou. Lá achou que não era o desporto certo, não sei, mas não quis que jogasse futebol. Por isso só joguei na escola e na rua com os amigos. Mais tarde, quando mudámos para a Foz, os meus pais disseram-me que estava na altura de praticar outro desporto, para lá da natação, que fiz até aos dez anos. Perguntaram-me o que queria jogar e quando se falou de andebol, aquilo despoletou em mim interesse. Joguei então cinco anos, até ir para a faculdade e começar a minha carreira de modelo.

Quando era miúdo e jogava na rua, não tinha aquilo do ‘hoje eu sou o não sei quantos’?

Tinha, tinha. Os miúdos geralmente têm essa coisa. Quando fazíamos equipas, eu queria ser sempre do FC Porto. Em termos de jogadores, era o Ronaldo Fenómeno. Foi o jogador que em miúdo via jogar e me fascinava completamente. Era uma coisa sobrenatural que nunca tinha visto em jogador nenhum. Ou então o Maradona, que já não jogava, mas também me encantava. Foi para mim o melhor jogador de todos os tempos: pela irreverência, pela genialidade, pela polémica, por ser argentino, e eu tinha grande parte da família na Argentina. Lembro-me que mandei comprar uma camisola de Argentina e gravar-lhe o número dez e o nome do Maradona. Tinha um grande fascínio por ele e fiquei realmente triste no dia em que o Maradona morreu. Foi uma coisa que mexeu comigo, porque gosto de gente que viva a vida de forma apaixonada.

Sendo modelo internacional, viajou por muitos países: nessas viagens sentiu esta coisa de Portugal ser um país de futebol?

Senti, e tive alguma sorte. Reparem que nos anos em que eu viajo, Portugal já vivia uma época dourada no futebol. Lembro-me de estar no Egito e falarem-me do Figo. Portugal já tinha um Bola de Ouro quando comecei a viajar, em 2007. Figo levantou a bandeira de Portugal lá fora. O Mourinho já tinha ganhado Ligas dos Campeões e Ligas Inglesas, e havia gente que sabia que existia um país chamado Portugal por causa disso. Por causa do sucesso destas pessoas, muita gente reconhecia o meu próprio país. Depois repare que o FC Porto foi campeão europeu em 87, no ano em que eu nasci, e ganhou a Taça UEFA e a Liga dos Campeões, com Mourinho, em 2003 e 2004, e ganhou a Liga Europa com Villas-Boas, em 2011. Por isso, acontecia-me muitas vezes dizer que era do Porto e as pessoas falarem-me deste jogo ou deste jogador do FC Porto.

Uma das coisas que o vi dizer numa entrevista é que acompanhar o FC Porto para todo o lado é um vício...

E é. É e naquela altura era muito. Quando começas a deixar de ir, tu habituas-te. Habituas-te a ficar em casa uma semana, duas, três, quatro. Depois o FC Porto vai jogar fora e tu pensas que está a chover ou que não te dá muito jeito. Por outro lado, quando tu vais, aquilo começa a ser quase um ritual. Entras na engrenagem do grupo, em que uns puxam pelos outros. Acontecia muitas vezes um amigo ou um colega não ter dinheiro para ir a um jogo e os outros juntavam-se e pagavam-lhe as despesas. Nessa altura grande parte do meu tempo livre, das minhas férias e do meu orçamento ia para ali, para acompanhar o FC Porto.

Dormia muitas vezes em aeroportos, não era?

Muitas vezes. Imagina que o FC Porto jogava, sei lá, em Roma. Ia no dia do jogo, via o jogo, depois tinha avião às seis da manhã, íamos jantar, ia para o aeroporto, dormia ali três ou quatro horas, metia-me no avião de regresso, chegava a Lisboa e ia trabalhar direto. Isto aconteceu várias vezes, em Roma, na Alemanha, enfim. Fui ver o FC Porto a Bilbao, a Málaga, a Madrid, a Sevilha e todas estas deslocações eram feitas de autocarro. Nós saímos à noite, chegávamos à cidade de manhã, passávamos o dia na cidade, víamos o jogo e regressávamos após o jogo, para chegar a Lisboa na manhã seguinte. Eram duas noites dormidas no autocarro.

E valia a pena esses sacrifícios?

Valia, valia. Quando conto estas histórias, as pessoas pensam ‘este gajo é maluquinho, então passa duas noites num autocarro para ver um jogo de 90 minutos?’. Mas o jogo não dura 90 minutos. O jogo começa quando tu metias os pés no autocarro: nos jogos, nas brincadeiras, nas conversas, nas noites mal dormidas. Era todo um ritual. Agora é como te digo, tenho outras prioridades. Isso não quer dizer que goste menos. Quer dizer que fiz outras escolhas que acho que são legítimas.

E...

Também me deixei de divertir tanto. Não sei se devia dizer isto, mas para se perceber: comecei a ir ao futebol e de repente muita gente me pedia para tirar fotos. Dei por mim a ver um jogo e muitas vezes pessoas ao meu lado a fazer stories ou a filmar-me. Não faziam por mal, mas isto aconteceu. Não estou a colocar-me numa posição superior, nada disso, mas eu só queria estar lá sossegado e deixei de estar sossegado, percebe? Isso fez com que me retraísse e me afastasse. Dei por mim a pensar: ‘hoje é melhor não levar este boné, porque se não vão pedir-me não sei quantas fotos’. Se calhar as pessoas não percebem isto, mas ir ao futebol sempre foi um momento de relaxamento, de diversão e de gozo na minha vida. De repente deixou de o ser. Porque as pessoas, se calhar legitimamente, começaram a invadir o meu espaço e a tirar-me parte daquela diversão.

Era por causa dessa coisa de começar os jogos quando sai de casa que acompanhava os jogos com a claque?

A claque foi, na minha opinião, a forma mais bonita e mais fantástica de viver o futebol. Como disse, sou uma pessoa muito apaixonada e muito vibrante. Sendo um jovem, preferia estar na claque do que na arquibancada para onde o meu pai me levou quando tinha seis anos. Porque a forma de estar era outra e porque tinha muitos amigos ali. Por isso preferia pagar o meu bilhete para estar com a claque, do que ir com os convites para outro sítio qualquer. Foi uma opção minha durante muitos anos, porque gostava de ver o futebol ali.

E gostava de fazer as viagens com eles.

E gostava de fazer as viagens com eles, e gostava desse sentimento de pertença, e gostava de viver o futebol dessa forma. Era mais apaixonante. Se calhar hoje prefiro estar mais tranquilo e mais privado. Não quer dizer que não goste de estar com a claque, mas a vida mudou, percebe?

Hoje é capaz de gostar mais de estar sentado numa cadeira...

Eu se calhar gostava era de estar de pé na superior. Mas sei que já não o posso viver da mesma forma. Isso vai condicionar o meu comportamento, e condicionando o meu comportamento já não ia ser como antigamente. Portanto a escolha não é entre a cadeira e a claque. A escolha é: preferes estar na cadeira ou preferes estar na claque da forma como tens de estar hoje? Se calhar aí eu escolho a cadeira. O ideal, ideal, era aquilo que já foi no passado. Mas isso já lá vai e não se pode ter tudo na vida.

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