A história de André é conhecida. Do berço de ouro às melhores equipas do mundo, passando por balneários de campeões e partilhando experiências com jogadores e treinadores de créditos firmados. Tenho a mesma idade de André, por isso é fácil colocar-me na sua pele, mesmo que tenhamos percorrido caminhos bem distintos (e alguns comuns). Tal como André também nasci no Porto, cedo fui ver jogos às Antas pela mão do meu pai e habituei-me a gostar de futebol. Acabei por vir a trabalhar na área, mas do outro lado da força. Isso permite-me ter uma visão distanciada do fenómeno AVB.

O sonho de André era ser treinador do Porto, como confessou a Bobby Robson, a Pinto da Costa e a todos os que o quiseram ouvir. Não demorou muito a consegui-lo, até de forma absurdamente precoce e com resultados avassaladores. A história de Villas Boas era melhor do que qualquer argumento ficcionado. Delfim de Robson, aprendiz de Mourinho, jovem campeão pelo FCP e vencedor da Liga Europa. Em tão pouco tempo era impossível alguém fazer melhor. André tinha a oportunidade, o sucesso, o dinheiro e a vontade. Ficou na história.

Dizia ter alcançado a sua cadeira de sonho, mas isso não o demovia de continuar a sonhar. O salto imediato para o Chelsea foi o seu maior erro. Não conseguiu resistir ao projeto com pés de barro apresentado por Roman Abramovich e arriscou tudo. Mesmo que não estivesse preparado para o fazer. Por artes de mágica tudo iria dar certo. Não chegou pensar assim. Em Stamford Bridge não encontrou aquela química e foi rapidamente trucidado pela intolerância russa.

No Dragão diziam que era Mestre André. E Villas-Boas parecia imparável. Bem falante, conhecedor dos novos métodos de treino, inovador na abordagem tática e na transmissão da mensagem, com bom aspeto, educado e impecavelmente vestido. O modelo servia os preceitos deste futebol da modernidade. E a forma como celebrava entusiasmava. No Porto festejou muito e entusiasmou muito.

Bilingue, dominou a imprensa britânica, permitindo-se a laivos de arrogância. Quatro meses depois de despedido pelo Chelsea aceita o convite do Tottenham e permanece em Londres. Teve pouco tempo para refletir, mas assegurou sempre que tinha aprendido com os erros. Uma época e meia depois somos levados a concluir que a maturação de ideias não foi suficiente. Na primeira época aproveitou um plantel montado por outros para suplantar as expetativas. Abraçou muitas vezes Bale e foi feliz. Ganhou a garantia de investimento de 100 milhões de euros, mas atrasou-se na luta pelo título e Daniel Levy mostrou-lhe a porta da rua.

Apesar do bom trabalho no norte de Londres, André perdeu muitos dos seus créditos alcançados no Porto. Já não arrasta a aura de especial, continua sem ganhar títulos desde que saiu do Dragão e muito dificilmente nos próximos tempos haverá algum milionário a dar-lhe espaço para contratar tantos jogadores. De nada lhe vale ter vários dos melhores registos da história do clube quando estamos a falar de um treinador que trabalhou apenas 25 meses dos seis anos de contrato que assinou com os dois emblemas ingleses. É impossível ter pena de alguém que ainda leva no bolso indemnizações milionárias que deverão fazer inveja até a Eriksson.

André tem 36 anos, menos quatro que Mourinho quando o «special one» venceu o seu primeiro título internacional (a Taça UEFA, pelo FC Porto). Bem sei que Villas Boas está farto das comparações com Mourinho, mas talvez tenha ainda muito a aprender com o seu antigo mestre. José ganhou muito, e muito mais do que AVB. Soube esperar dois anos até sair do Porto e só o fez depois de conquistar a Liga dos Campeões. Continuou a vencer, mas também soube parar. Em 2007 foi despedido do Chelsea e esteve nove meses sem trabalhar. Voltou mais forte, coerente, implacável, com condições para voltar a ser campeão europeu (pelo Inter).

Villas Boas já conheceu o sabor da amargura do fracasso por duas vezes - deixa de ser mera coincidência. Deve parar algum tempo para refletir e seis meses podem não bastar, mesmo que esse prazo termine no início da próxima temporada. No Dragão é desejado há muito e as portas estão abertas (eu diria escancaradas). Para benefício de André e do próprio clube é bom que tenham algum juízo e parem para pensar um pouco. Se o destino voltar a ser comum num futuro próximo que o seja de forma consolidada e com um projeto de futuro, com vários anos de execução.

«Um domingo qualquer» é um artigo de opinião do jornalista Filipe Caetano

Só mais uma coisa. Para futuro ficam imagens fantásticas de AVB em Inglaterra. Fica aqui uma seleção de GIF’s.