A irreverência dos verdes anos conduziu Nathan Schwartzman à Coreia do Sul. Este jovem norte-americano, formado em Direito, passou dois anos a dar aulas de Inglês em Seul e apaixonou-se pela cultura do país. Aprendeu a língua coreana, colaborou com alguns jornais do país na tradução de textos e teve também a oportunidade de visitar o Império do Silêncio. Por obrigação profissional.

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Mas, da Coreia do Norte, viu apenas o que o deixaram ver. Em entrevista ao Maisfutebol, o fundador do site www.koreabeat.com relata algumas das situações «mais chocantes» que viveu até hoje. Fala-nos de fome, repressão e violência, mas também da paz de espírito dos muitos refugiados que conheceu.

Esteve dois anos a dar aulas de Inglês na Coreia do Sul. Mas como conseguiu chegar à Coreia do Norte?

Nos primeiros meses tinha apenas alunos sul-coreanos mas, a dada altura, começaram a surgir alguns jovens do norte nas minhas aulas. Tentei não fazer muitas perguntas aos responsáveis da escola, mas a verdade é que comecei a ficar intrigado. Notei desde o início que os norte-coreanos eram olhados de lado pelos colegas, apesar das grandes semelhanças culturais. Até que surgiu um convite inesperado.

Que convite foi esse?

Fui abordado por dois homens na minha escola. Estavam acompanhados pelo director e disseram-me que havia uma grande necessidade de ensinar inglês na Coreia do Norte, mas que não era fácil arranjar professores. Nunca percebi bem quem eram. Presumo que fossem funcionários do governo norte-coreano. Ofereceram-me bom dinheiro e explicaram-me o que tinha de fazer.

Impuseram-lhe algumas condições para ir à Coreia do Norte?

Sim, algumas. Disseram-me que só podia levar os meus livros e a roupa que tivesse no corpo. Iam buscar-me a casa num carro com vidros fumados e seguíamos directamente para a escola norte-coreana. Não conseguia ver nada no caminho. Essa era outra das condições. Parávamos um minuto na fronteira e seguíamos sempre sem problemas.

Essas viagens foram frequentes nos dois anos em que esteve na região?

Não fui mais de dez vezes à Coreia do Norte. O que mais me marcou foram as condições da escola. Era tudo muito velho. Mas os meus alunos eram amáveis, simpáticos, afectuosos. É um povo que tem sede de conhecimento. Percebi-o nesses contactos e nas aulas que dei a norte-coreanos em Seul.

Mas em Seul os alunos norte-coreanos viviam sem problemas, com a respectiva família?

Não, a maior parte deles vivia em ONG¿s (organizações não governamentais) e em associações de cariz social. Todos eles, penso eu, eram refugiados. Fugiram da Coreia do Norte e deixaram os familiares para trás. Era muito triste, porque ouvi relatos arrepiantes. Alguns viram o pai, a mãe ou o irmão a morrer, assassinados por ordem dos responsáveis governamentais. Chorámos várias vezes nas aulas.

Decidiu criar este site, o «Korea Beat». Porquê?

Senti necessidade de partilhar as minhas experiências em Seul e na Coreia do Norte. Tentei dar voz aos desprotegidos e às minorias. Sabia, por exemplo, que os norte-coreanos não reconhecem a existência de gays e lésbicas no território? O país tem pessoas fantásticas, mas estão amordaçadas. Vivem no vazio do pensamento. As que conseguem fugir, como alguns dos meus alunos, ficam marcados para toda a vida.

É um povo que gosta de desporto? Conseguiu perceber isso?

Pelo que percebi, adoram basebol e futebol, tanto no norte como no sul. Joguei basebol algumas vezes com os meus colegas. Como sou norte-americano, pensavam que eu gostava. Mas não gosto.