A União de Leiria está de volta às competições profissionais ao fim de 11 anos. E desta vez leva a cidade consigo. A subida ficou garantida após a vitória sobre o Sp. Braga B, com 22.197 espetadores nas bancadas, num jogo da Liga 3. Foi a terceira maior assistência do fim de semana no futebol nacional, só o Dragão e Alvalade tiveram mais espectadores. Não foi um fenómeno isolado.
O Municipal de Leiria ganhou vida, com milhares de pessoas no estádio a cada jogo da União em casa. Graças a uma estratégia assumida de portas abertas, que passa pela oferta dos bilhetes para o jogo, mas não só. Promove uma experiência de diversão familiar, com espetáculos, entretenimento, animação infantil.
«Resultou em pleno.» Armando Marques é o presidente da SAD da União e fala ao Maisfutebol sobre o que está a acontecer em Leiria. «Nunca tivemos dúvidas que ia resultar. Aquilo que faltava à União de Leiria foi a maior força que nós tivemos», diz: «Ao darmos às pessoas a possibilidade de conhecerem o futebol - porque para muitas foi a primeira vez que vieram a Leiria e ao estádio – de perceberem que é muito mais do que 11 jogadores contra 11 jogadores, que é festa e algo de que as famílias podem desfrutar, conseguimos convencer as pessoas a vir e a desfrutar do jogo, mas essencialmente a passar tardes muito bem passadas. Olhamos para as bancadas e duas coisas saltam logo à vista: vemos muitas crianças e muitas mulheres. Quando conseguimos isso, o sucesso está garantido.»
Leiria não estava habituada a grandes enchentes no estádio. Mesmo nos tempos da União na Liga, que terminaram em 2012, quando o clube se arrastou penosamente no final da época, num colapso marcado simbolicamente pelo jogo frente ao Feirense em que só teve oito jogadores em campo. Nas últimas duas épocas na Liga, a União teve pouco mais de dois mil espectadores de média nos jogos em casa. Esta temporada, essa média é de nove mil espectadores e sobe para mais de 16 mil se considerada apenas a fase de subida. «Temos com certeza as 10 melhores assistências da Liga 3. E as assistências no nosso estádio são superiores ao conjunto de toda a competição», diz Armando Marques.
A média de assistências da Liga 3 nos outros estádios é de 906 espectadores por jogo, de acordo com os dados a que o Maisfutebol teve acesso, e a União tem os sete jogos com mais público da prova. Teve 126.547 espectadores nos seus 14 jogos em casa e o total das restantes partidas da Liga 3 até aqui é de 280.904 espectadores.
Depois da queda em 2012, a SAD foi extinta, o clube viria a recuperar os seus direitos desportivos e voltou a constituir uma SAD, que teve capital russo, passou depois a ser assumida por Armando Marques e tem desde o verão passado como principal investidor o britânico Navdeep Singh, acompanhado de Nélio Lucas, empresário que ficou conhecido como responsável pelo fundo Doyen. Nas últimas épocas, a equipa esteve por várias vezes a lutar pela subida, mas ficou pelo caminho. Até agora.
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— União de Leiria (@uniaodeleiria) April 30, 2023
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Abdicar de uma receita para «ganhar outra maior»
Foi na fase final da Liga 3 da época passada que a União começou a pôr em prática a política de portas abertas. Nesta temporada consolidou o conceito, diz Armando Marques, que atribui a visão estratégica aos novos investidores: «Começou na época passada, mas essencialmente todo este fenómeno foi montado com a entrada do novo investidor e quem o trouxe, o Nélio Lucas, que tem vivência do fenómeno que envolve o futebol em vários clubes e em vários países e montou essa estratégia de aproximação da cidade, da região, à União de Leiria.»
A estratégia pode parecer contra-natura, porque implica abdicar da receita de bilheteira. Mas é o contrário, defende Armando Marques, a fazer contas. «Com bilhetes a cinco euros, se tivermos 1000 pessoas temos cinco mil euros de receita. E já não era fácil trazermos 1000 pessoas ao estádio. Se pensarmos ao contrário, em trazer 22 mil pessoas que ao mesmo tempo são 22 mil potenciais consumidores e potenciais clientes de vários serviços, indiretamente temos uma receita maior», argumenta: «Conseguimos chamar mais patrocinadores, mais parceiros que partilhem a receita deles connosco. A receita é sempre superior aos tais cinco mil euros. E acima de tudo vinculamos as pessoas e conseguimos que elas fiquem fidelizadas a nós e ao clube, mas sobretudo que façam parte. Porque o futebol com 20 mil pessoas não é a mesma coisa que o futebol com 1000 ou 500 pessoas.»
Era preciso que o clube fosse ter com a cidade, acrescenta o dirigente, que esteve durante muitos anos ligado ao V. Guimarães, onde a relação com o futebol e o clube é particularmente forte, muito diferente de Leiria: «Em Guimarães existe uma identidade muito própria, é algo que está cimentado. É um micro-clima diferente de todo o futebol português. Claro que eu tendo a experiência de Guimarães não podia replicar a mesma estratégia em Leiria, porque iria ser um insucesso. O objetivo era o mesmo, mas depois temos de nos adaptar ao contexto.»
Nas escolas com a mascote e uma agenda cheia
A estratégia passa também por ir ter com as pessoas. E com os mais jovens, às escolas. «A nossa mascote, o Miniuni, é uma personagem muito querida por todos. E tem uma agenda própria. O Miniuni visita todas as escolas do concelho e não consegue satisfazer todos os pedidos. É uma loucura, temos vídeos fenomenais com a reação das crianças», conta: «Numa primeira fase nós pedíamos às escolas para visitar. Hoje temos de gerir os pedidos que temos para o Miniuni, que ele não consegue dar vazão a tudo. E isso é fundamental.»
É uma aposta para o futuro, acredita o dirigente: «Aos 53 anos eu não vou mudar de clube, ninguém vai mudar. O que temos de fazer é semear nos miúdos que frequentam o primeiro ciclo, principalmente esses, o amor pelo clube da terra. É nisso que nós acreditamos, é para isso que trabalhamos. Porque daqui a 10 anos tudo isso se vai refletir.»
No início houve alguma resistência, nomeadamente por parte dos sócios do clube, que se viam perante o cenário de pagar por algo que outros tinham de borla. «Claro que houve uma pequena resistência inicial. Mas os locais nobres do estádio são reservados aos sócios do clube, que têm outro tipo de regalias, como descontos no merchandising», diz Armando Marques, contando que esteve presente numa Assembleia Geral do clube a explicar o conceito: «Eles percebaram que se ficarmos amarrados ao passado não conseguimos crescer. Só conseguimos crescer se trouxermos pessoas. Porque depois é uma questão de tempo até elas se vincularem. Não tenho dúvidas que entre aqueles que hoje são só adeptos muitos vão transformar-se em sócios do clube.»
Os bilhetes para os jogos são disponibilizados em várias superfícies comerciais e também na sede do clube. A adesão dos adeptos foi em crescendo, até à enchente do fim de semana passado no Municipal de Leiria, que tem capacidade para 25 mil espectadores. Ao ponto de o clube ter pedido em comunicado que as pessoas fizessem um levantamento responsável dos bilhetes. A procura foi tanta que chegou a haver quem procurasse fazer negócio e vender convites de forma ilegal.
A estratégia de mobilizar adeptos passa também pelos jogos fora. A União disponibiliza transporte para quem quiser acompanhar a equipa, de novo com o apoio de parceiros. «Muitas vezes utilizamos um potencial patrocínio numa ajuda para que os adeptos consigam deslocar-se aos estádios. Na última deslocação foram 10 autocarros de adeptos a Alverca», diz o dirigente: «Claro que os resultados desportivos ajudam. Mas muitas vezes quando há resultados desportivos não há esta estratégia de agregar tudo o resto. Nós fazemos isto porque acreditamos que o crescimento se faz por aí.»
A curiosidade dos outros clubes
A estratégia da União tem motivado muita curiosidade e já há quem esteja a pensar da mesma forma. Recentemente, o Fortuna Dusseldorf anunciou que está a planear precisamente oferecer aos adeptos a entrada no estádio. Por cá, Armando Marques diz que já tem respondido a muitas perguntas de dirigentes de outros clubes portugueses: «Perguntam-nos: ‘Pá, o que é que está a acontecer?’ Eu vou explicando e eles dizem: ‘Isso é uma boa ideia, mas como é que implementaram?’»
«Estamos a colocar no terreno uma estratégia sustentada e sustentável para mais tarde a União de Leiria tirar frutos e ser um exemplo de sucesso quando estiver noutros patamares. Estamos convencidos que assim será», diz Armando Marques, defendendo que esta aposta é um investimento: «Em Guimarães, quando eu estava no Vitória, que até é um caso à parte no futebol português, a receita de bilheteira representava cerca de sete por cento da receita bruta do orçamento. Se pensar que em Leiria na melhor das hipóteses a União terá cerca de cinco por cento, porque é que nós não transformamos esses cinco por cento num investimento? Nós não olhamos como um custo, mas como um investimento. Porque se estivermos à espera de resolver os problemas que temos com os cinco por cento que vêm da bilheteira não vamos a lado nenhum.»
Um investimento também para valorizar jogadores
Toda esta aposta, defende, pode ajudar a potenciar aquela que é a maior fonte de rendimento de qualquer clube português: as transferências de jogadores. «A venda de ativos, os jogadores que valorizamos e depois vendemos, isso sim é a principal fonte de receita. Se quem nos visita sente que os nossos que os jogadores têm a capacidade de aguentar a pressão num estádio com 22 mil pessoas, esses ativos vão ficar muito mais valorizados», observa: «Nós queremos valorizar a marca que é Leiria mas essencialmente fazer o investimento para que os nosso ativos mais tarde sejam valorizados e sejam vistos como jogadores com formação para clube grande.»
Para já, esta é a fase de investimento. Armando Marques diz que em termos puramente desportivos a União «não tem o maior orçamento» da Liga 3, mas assume que fez uma aposta forte em infra-estruturas, nomeadamente com a renovação do complexo desportivo da Bidoeira, onde gastou «algumas centenas de milhares de euros». «A União de Leiria não tinha sequer um campo para treinar. O investimento que temos feito em infraestruturas, em toda a estrutura para nos prepararmos para os campeonatos profissionais, foi forte, para proporcionar condições à equipa para ir para outros patamares.»
O objetivo é regressar à Liga. «Nós queremos de facto ir para outros patamares o mais rápido possível. Não sei se será para o ano. Agora, vamos lá chegar, não tenho dúvidas nenhumas. Porque fazemos um trabalho sério e árduo no sentido desse rumo.»
A ideia é continuar a contar com a cidade, também na II Liga. Continuar a abrir portas aos adeptos, mesmo com adaptações necessárias às competições profissionais. «No futebol profissional há regras, mas vamos mostrar às pessoas que provámos no terreno que a estratégia da União de Leiria para trazer gente e aproximar as pessoas dos estádios é correta. Vamos explicar ao detalhe aos vários players do futebol por que vale a pena apostar nesta estratégia.»
Artigo atualizado