Meias para baixo, camisola fora dos calções e cabelos compridos atrás. Era assim que William Douglas jogava pelo Sporting no final da década de oitenta do século passado. O antigo internacional brasileiro, atualmente com 57 anos, encontrou-se agora com Litos e Carlos Xavier, por videoconferência, para recordar histórias desses tempos, desde as «unhas do leão» de Jorge Gonçalves, passando pela dupla com Oceano, até aos duelos com Maradona.

«Tenho muitas saudades dessa época, foi uma passagem que marcou muita a minha vida, tenho amigos até hoje. Estive aí em Lisboa em janeiro, antes de surgir a covid-19, com o meu amigo Mário Jorge. Ele foi fantástico comigo, levou-me a conhecer a academia e, agora, estou esperando ele aqui no Brasil para retribuir toda a gentileza», começou por contar o brasileiro que representou  Sporting de 1988 a 1991.

Douglas foi apresentado em 1988 com uma das «unhas do leão» de Jorge Gonçalves, numa época em que também chegaram Rodolfo Rodríguez, Paulo Silas, Ricardo Rocha e Carlos Manuel. «O Sporting merece grandes jogadores, uma grande equipa, pelos adeptos que tem. Eu sou fã do Sporting, eu e a minha família e os meus filhos. Os sportinguistas merecem uma equipa boa. Eu era jogador do empresário Juan Figer. Já tinha assinado contrato com o Torino na altura. Hoje em dia tem a Espanha, mas na altura o futebol era só Itália. Mas o Sporting convenceu-me que o Torino era um clube pequeno e o Sporting ia disputar títulos. Nunca me arrependi de ter ido para o Sporting», conta.

Douglas chegou com um estilo bem vincado, não só pelo penteado, mas também por jogar sempre com as meias descaídas. «Quando fui para o Sporting tinha uma moda aqui no Brasil, com o cabelo mais comprido atrás, cortavam o cabelo desse jeito. Aí eu fui para Portugal com esse cabelo. Ficou uma coisa bem conhecida», recordou.

Carlos Xavier lembra ainda outro pormenor. «Na altura não era obrigatório jogar com caneleiras, havia jogadores que punham só algodão, mas o Douglas jogava com as meias em baixo, a caneleira nem se via. Mas não virava a cara a luta, ia para cima deles, sem medo de se aleijar, era muito corajoso. Naquela altura não havia faltas, os árbitros não apitavam nada», acrescenta o antigo internacional português.

Litos era mais novo, mas recorda Douglas como um jogador sereno. «Era muito tranquilo e transmitia essa tranquilidade a todos os jogadores. Tinha uma forma de estar extraordinária, mas fazia uma coisa que não gostava quando íamos para o almoço: carregava a comida com sal. Ele e os outros brasileiros, carregavam a comida com sal. Era uma maluqueira, mas ele dizia que não, que ia transpirar muito e precisava de sódio», conta sorridente.

Quando Douglas chegou, Oceano era o dono da posição, mas o brasileiro adaptou-se para também poder jogar. «Tive de me reinventar. Aqui no Brasil era um trinco, mas o Oceano estava numa fase muito boa, mas eu tinha de jogar. Eles disseram-me que não ia jogar porque tinha o Oceano, mas eu dizia que podia jogar ao lado dele. Tive o prazer de ir a casa do Oceano, a esposa dele fez-me umas lulas recheadas, ficámos grandes amigos. Eu disse-lhe temos de jogar nós dois. Aí eu tive que ir mais para a frente. O Oceano marcava muito bem e eu tive de aprender a jogar um pouco mais à frente», lembra.

Carlos Xavier recorda a dupla que «era uma parede». «Eram imbatíveis os dois. O Oceano um pouco mais recuado, mas na recuperação de bola, os dois eram fantásticos», acrescenta.

Já Carlos Xavier e Litos jogaram muitas vezes no mesmo corredor. «Quando eu jogava com o Carlos Xavier na direita, íamos os dois para o ataque e depois só voltava eu para defender. Por isso é que depois ele foi para a Real Sociedad e eu fiquei cá. Jogávamos em 4x2x3x1 para aproveitarmos os jogadores que tínhamos. O Marinho Peres aproveitou isso também depois do Manuel José. Tínhamos um sistema bastante ofensivo», acrescenta o mais novo do grupo.

Na época seguinte, Sousa Cintra sucede a Jorge Gonçalves e chegou mais um brasileiro, Luisinho, por sugestão de Douglas. «O Sousa Cintra tinha muita confiança em mim. Ele disse-me que precisávamos de um zagueiro [defesa]. Eu perguntei se era para ganhar dinheiro ou para resolver o problema e ele falou que era para resolver o problema. Veio o Luisinho. Tinha muita qualidade, até hoje é considerado um dos melhores zagueiros que passou em Minas Gerais, era muito bom. Ele está muito bem, de vez em quando vejo ele», conta Douglas.

Já com Luisinho na equipa, o Sporting defrontou o Nápoles de Maradona. «Não era fácil jogar lá no San Paolo. O Maradona chegou em cima da hora do jogo, no final do aquecimento. Subiu ao relvado e a torcida ficou doida. Logo a abrir fez um passe de letra e quase sofremos um golo aos cinco minutos», recorda Douglas. Um jogo que ficou marcado pela aposta do craque argentino com Ivkovic antes de uma grande penalidade. «O Maradona foi ao balneário ter com o Ivkovic e deu-lhe uma camisola e cem dólares», acrescenta Carlos Xavier.

Litos não foi convocado para esse jogo. «Fui encostado», reclamou. «Você era muito miúdo Litos», explica Douglas. Litos acabou por ver o segundo jogo na bancada em Alvalade. «Estava no topo sul com uns amigos a ver o jogo e lembro-me do Maradona entrar. Ele estava gordinho. Ficou no banco. Na altura falou-se que foi o Sousa Cintra que pressionou o Nápoles para trazer o Maradona para termos o estádio cheio. Acho que o estádio ia encher na mesma, mas o Maradona não estava num bom momento. Estava com uns quilos a mais e uma barba enorme», lembra. 

Mais uma época e chegam Balakov e Careca. «O Careca era muito novo e o Douglas tomava conta dele. Ele foi anunciado como o novo Eusébio por Sousa Cintra e acabou por pagar um pouco por isso. Era um jogador poderosíssimo. Fez um grande jogo no Estádio do Bessa, quando matámos o borrego. Foi um passe meu e um grande golo de cabeça ao angulo», destaca Litos.

Já fase final de Douglas em Alvalade, Luís Figo e Peixe foram promovidos à equipa principal. «Essa equipa ficou muito boa. Quando chegou o Figo e o Peixe falaram que eles tinham de jogar, tinham vindo muito bem do Campeonato da Europa. Tínhamos um grande plantel. Sinto muitas saudades dessa época», comenta Douglas.

Atualmente, aos 57 anos, Douglas gere uma fazenda e dois talhos perto de Belo Horizonte. «Estou vivendo no meio rural. A cidade aqui é de 30 mil pessoas, perto de Belo Horizonte. Os meu filhos são médicos. Tenho aqui uns talhos estilizados. Espero aposentar-me o mais rápido possível, mas a gente nunca deixa de trabalhar. Até tive um convite para reintegrar o Cruzeiro e voltar a treinar. Quando deixei de jogar ainda treinei algumas equipas menores aqui no Brasil, no Estado de Goiás», conta ainda.

A terminar, Douglas dirigiu uma mensagem aos sportinguistas. «Tenho muita saudade da nação sportinguista. Foi uma passagem muito importante na minha vida. Só deixei amigos e saudades. O Sporting fez e faz parte da minha vida. Guardo com muito carinho. Eu continuo torcendo para que possamos ganhar vários títulos», destacou ainda o antigo internacional brasileiro.