A noite de 21 de abril de 2019 terá para sempre um lugar especial na vida de Vieirinha. Quem o diz é o próprio jogador menos de dois dias após o momento impactante vivido no jogo que permitiu ao PAOK vencer o primeiro campeonato grego dos últimos 34 anos.

Mesmo lesionado e com uma operação ao joelho direito marcada, o capitão da equipa de Salónica foi a jogo nos minutos finais do triunfo por 5-0 sobre o Levadiakos.

O vídeo, que se tornou viral nas redes sociais, mostra a nu todas as emoções de Vieirinha e o carinho da filha, colegas e restante staff do PAOK. São quase cinco minutos aos quais é impossível ficar indiferente, num momento que transcende o futebol. 

O jogador de 33 anos fala com o Maisfutebol na viagem de carro até ao centro de treinos do clube de Salónica, onde cumpre o plano de recuperação necessário antes de se submeter a uma intervenção cirúrgica que vai afastá-lo dos relvados durante um período nunca inferior a meio ano, e é convidado a rebobinar a fita das emoções. «Esse gesto do clube para comigo vai ficar para sempre marcado no meu coração», garante entre juras de amor eterno ao PAOK, onde quer jogar até terminar a carreira.

Boa tarde, Vieirinha. Recuperado da festa de domingo?

Já estou recuperado. Foi até às 6 da manhã e no dia seguinte recomeçou a recuperação.

O que cansa mais? Estar 90 minutos a correr num jogo ou os festejos de um título ao fim de 34 anos?

[risos] É 90 minutos a correr atrás de uma bola, mesmo estando há 34 anos à espera deste título. A festa não é assim tão cansativa. Penso que a espera foi mais cansativa. Para ser sincero, estávamos à espera disso há algum tempo. Os pontos que tínhamos de avanço sobre o Olympiakos davam-nos margem para esperar pelo dia em que poderíamos festejar. Mas havia que pensar jogo a jogo até chegar o dia em que matematicamente pudéssemos assegurar o título. Só peca por tardio.

Já ganhou quase uma dezena de títulos ao longo da carreira. Por todo o contexto, este tem um lugar mais especial?

O Campeonato da Europa é sempre o ponto mais alto da minha carreira, porque foi a representar o meu país. Mas em termos de clubes, e olhando para os outros títulos que ganhei, este foi sem dúvida o mais especial de todos. O PAOK foi a equipa que me ajudou a ter expressão no futebol, o clube que me deu a confiança e a oportunidade de poder continuar a minha carreira depois de sair de Portugal.

Está a par do impacto que o vídeo da sua entrada em campo nos minutos finais do jogo com o Levadiakos está a ter?

[Risos] Deve ter sido a primeira vez na história do futebol em que um jogador entrou em campo com uma rotura de ligamentos. Isso também só demonstra a gratidão e o carinho que as pessoas sentem por mim. Já o fiz, mas não me custa nada e é sempre bom fazê-lo novamente: agradecer a confiança e o carinho do treinador e dos meus companheiros por ter a oportunidade de pisar o relvado nos últimos minutos do jogo do título. Foram momentos que vão marcar-me para o resto da vida.

O que lhe passou pela cabeça naqueles minutos?

Foi o realizar de um sonho. Desde o primeiro dia em que cheguei a este clube que senti o carinho dos adeptos. Como já disse, foi um amor à primeira vista. Passou tudo pela minha cabeça nesses minutos: a injustiça pela qual este clube passou nos últimos anos, como a forma como perdemos o campeonato no ano passado...

(…)

A perda de pontos e a própria forma como não ganhámos ao AEK. Por causa desse infeliz acontecimento, em que validaram um golo nosso e depois voltaram atrás, o nosso presidente [Ivan Savvides] entrou no campo [n.d.r.: com uma pistola]. E entrou porque alguma coisa se passou: não entrou porque é maluco. Mas isso já foi muito falado e não vale a pena estar a bater na mesma tecla. Como dizia, passou-me muita coisa pela cabeça. Foi principalmente o realizar do sonho de vencer um campeonato com este clube que é tudo para mim. Pensei na minha família e na minha filha, que aparece no vídeo a dar-me um beijo quando eu estou no banco. Por isso é que eu não consegui conter as lágrimas antes e mesmo depois de entrar em campo.

Já tinha vivido emoções tão fortes no futebol?

Em termos de conquistas ou…?

Em termos de emoções que não estejam apenas relacionadas com títulos.

Não! Como disse, esse gesto do clube para comigo vai ficar para sempre marcado no meu coração. São coisas que nunca se esquecem, independentemente do clube onde jogamos ou do momento profissional que atravessamos, se estamos a jogar ou não.

Disse há pouco que deve ser o primeiro jogador da história do futebol a ser lançado num jogo com uma rotura de ligamentos. Já estava a par dessa ideia caso o jogo corresse de feição?

Não fazia ideia de que ia entrar. Só comecei a pensar nisso quando os dois últimos jogadores que estavam a aquecer se sentaram no banco, até porque ainda havia uma substituição por fazer. Aí comecei a realizar que alguma coisa iria acontecer. O mister tinha falado comigo na semana anterior para eu estar no banco para dar força aos jogadores. Achei isso compreensível, até porque sou capitão de equipa e tinha acabado de sofrer aquela infelicidade. Era um gesto de gratidão.

E isso já era suficiente para si?

Já era, mas nem era preciso isso. Também recebi mensagens e telefonemas de colegas de equipa e de jogadores de equipas adversárias. Isso já era uma forma de gratidão e de reconhecimento pelo trabalho que tenho feito neste clube e neste país.

Mas sabe de quem partiu a ideia?

Segundo sei, partiu da minha mulher. As primeiras palavras foram dela e depois acho que foi o guarda-redes da nossa equipa, que é meu amigo, que transmitiu à equipa técnica ou à direção que era uma bonita homenagem eu entrar em campo.

Tinha comentado isso com a sua mulher?

Só comentei com ela, com os meus amigos e os meus companheiros que, depois de tanto esforço e sacrifício para tentar ajudar, custava não poder estar presente no jogo mais importante do campeonato. Mas daí a pensar que se iam lembrar de fazer uma coisa dessas… nunca me passou pela cabeça.

E o que lhe passa imediatamente pela cabeça no momento em que lhe dizem que vai entrar?

‘Estão malucos'. Estão malucos porque até tenho dificuldades em caminhar com muletas. Agora imagine sem elas. Quando subi ao relvado, fui sem muletas para que a minha última imagem do campeonato não fosse com elas [risos].

Sente que já tem um lugar especial na história do PAOK?

Mais do que eu, sinto que esta equipa tem um lugar especial. Não só pela conquista do título, porque são muitos anos de espera, mas também porque se ganharmos ou empatarmos o próximo jogo seremos a primeira equipa nos últimos 50 ou 60 anos a terminar o campeonato sem derrotas. Salvo erro, a única a consegui-lo foi o Panathinaikos e acho que foi com seis empates. Mesmo que empatemos o próximo jogo, superamos esse registo. Esta equipa ficará para sempre na história do clube.

Mas ainda há mais objetivos para alcançar esta época.

Claro! O clube também nunca conseguiu a dobradinha. Temos o objetivo de ganhar a Taça. Não digo que seja fácil voltarmos a focar-nos depois das emoções da conquista do título, mas estamos cientes de que para continuarmos a fazer história temos de começar a pensar já no próximo jogo, que é na quinta-feira.

O facto de o Olympiakos não ter vencido o campeonato nos últimos dois anos representa uma mudança de paradigma? Será difícil voltarmos a assistir a períodos de longos domínios de uma equipa?

O nosso objetivo é continuarmos a dominar. O grande projeto deste presidente não é ganhar um campeonato por acaso, mas sim dar continuidade ao trabalho que tem sido desenvolvido nos últimos anos. O nosso objetivo é conseguirmos fazer o que o Olympiakos fez nas últimas décadas. Mas sabemos que o grande objetivo das equipas de Atenas é tirarem-nos o campeonato.

Mas sente que o campeonato está mais «democratizado»?

Claro! As coisas estão a mudar. Neste ano os dérbis passaram a ter árbitros estrangeiros e nós somos campeões. Pode ou não ser coincidência. Mas estávamos à espera disto desde que o presidente tomou controlo do clube. Assumiu as dívidas do clube, coisa que outros clubes não fizeram, como o AEK, que preferiu descer para a quarta divisão. Desde que eu voltei – pelo investimento que o presidente fez, a nova organização do clube e os jogadores que ele trouxe – que estava à espera de ser campeão. Não aconteceu no ano passado, aconteceu este ano.

Na sua passagem anterior pelo PAOK, a direção ainda era outra?

Era a direção do Zagorakis, que era o capitão da seleção grega que ganhou o Europeu em 2004. Havia problemas financeiros que acabaram por ditar a minha saída. Se não conseguissem encontrar o montante pelo qual eu fui vendido até ao final do ano ou de janeiro, não poderiam ir às competições europeias nos anos seguintes. Essa foi a principal razão para que eu saísse do clube para o Wolfsburgo.

Foi uma decisão difícil?

Custou-me, porque no verão anterior tinham surgido propostas muito boas para o clube e para mim, mas eu achava que o meu trabalho no clube ainda não estava terminado. Queria pelo menos ficar até ao final daquele ano, mas a situação financeira não era a melhor e praticamente fui obrigado a sair.

Falou no investimento que o presidente do PAOK [desde 2012] tem feito nos últimos anos na equipa. Em janeiro a equipa recebeu vários reforços, entre eles o Sérgio Oliveira e o Josip Misic, emprestados por FC Porto e Sporting. Foram fundamentais para o título?

Deram continuidade ao trabalho que tínhamos vindo a desenvolver. O Misic não jogou muito, mas ajudou a equipa sempre que foi chamado. São dois jogadores com bastante qualidade, mas é sempre difícil, mesmo com qualidade, encontrar espaço. O Sérgio conseguiu encontrar esse espaço. Espero que o clube possa continuar a contar com eles.

Acredita ser possível que o Sérgio fique no PAOK?

O meu desejo é que ele continue aqui. É um jogador fantástico, mas salvo erro o valor da cláusula dele são 12 milhões de euros. Esperemos que haja um acordo entre o PAOK e o FC Porto, como aconteceu quando eu vim para aqui.

E quais são os planos do Vieirinha?

Desde que saí daqui [2011] sempre disse que queria voltar ao PAOK e terminar cá a carreira. Estou com 33 anos e não penso em sair deste clube. Como disse, é um clube que me deu tudo e agora é a minha vez de contribuir de uma maneira ou de outra. Quero continuar a viver na Grécia depois de terminar a carreira. A minha mulher é grega, daqui de Salónica, e os meus anos como homem foram aqui na Grécia. O que construí para poder continuar a minha vida depois do futebol foi neste país.

E a operação ao joelho? Já está marcada?

Está marcada para 6 de maio, mas depende muito da forma como o joelho vai evoluir até esse dia em termos de mobilidade e flexibilidade. Já passei por isto e tudo farei para poder voltar a jogar daqui a seis meses.