Este sábado começa a ser escrito um capítulo importante nas relações entre André Villas-Boas e José Mourinho: os dois treinadores portugueses vão defrontar-se pela primeira vez. É sabido como foram tão próximos e como agora estão tão distantes.

Poderá dizer-se que até AVB ter chegado ao FC Porto como técnico principal, existiu uma ligação inabalável entre os dois, mas José não gosta de comparações e afastou-se. Longe vão os tempos em que Mourinho elogiava o seu pupilo, em que o abraçava e trazia para junto das suas equipas. Villas-Boas quis fazer um caminho próprio, ganhou, perdeu e levantou-se, para surgir agora com um Tottenham candidato ao título em Inglaterra.

Recuemos ao tempo em que José e André eram próximos. Os primeiros contactos surgiram nos anos 90, no Porto, quando o Villas-Boas, de apenas 16 anos, começou a fazer relatórios para Booby Robson e Mourinho ainda era só um tradutor com ambição de treinador. André ficou na estrutura, completou etapas nas camadas jovens e foi chamado por Mourinho para formar a equipa técnica do FC Porto em 2002. Villas-Boas fica encarregue de observar alguns adversários.

Mourinho reconheceu a importância do seu trabalho em 2002/03, a época em que foi conquistada a Taça UEFA, e chamou-o para perto da equipa no ano seguinte. Os adversários na Liga dos Campeões eram observados em conjunto por Mourinho e Villas-Boas, com o relatório a ser feito por este último, contemplando os movimentos defensivos e ofensivos, os pontos fortes e fracos, as movimentações nas bolas paradas. A conquista da Champions foi mais um sinal de que o trabalho estava a ser bem feito.

O salto para o Chelsea com Mourinho foi natural, até porque o clube inglês tinha pouco trabalho feito na área. José torna-se o «Special One» e André continua na sombra, fazendo parte da equipa técnica juntamente com Rui Faria, Silvino, Baltemar Brito e Steve Clark. «O que interessa é fazer boas observações, bons relatórios e boas análises do adversário, para que o treinador e a nossa equipa possam estar bem documentados», disse em entrevista à TVI.

Poucos meses depois, ficou célebre uma entrevista à Chelsea TV, em que André explica isso mesmo, mas é interrompido pelas brincadeiras de Mourinho e adjuntos. Tudo sorrisos.

André era membro de corpo inteiro da equipa técnica, mas não trabalhava no relvado. Em sete anos com Mourinho não terá participado em mais de dez treinos, porque o seu trabalho era sobretudo de gabinete, embora estivesse muitas vezes no balneário.

Emancipação

Villas-Boas era «os olhos e os ouvidos» de Mourinho, mas foi ganhando confiança. Em 2006 volta a falar à TVI e surge algo diferente: «O meu papel está mais ligado à observação dos adversários. As pessoas gostam de olhar para mim e ver-me como os olhos de José Mourinho nos outros campos. Mas o processo não acaba aí. Começa é aí e depois é terminado com muito trabalho de campo».

Aproveitando a saída de Mourinho do Chelsea e o tempo de paragem que se seguiu, André vai à Escócia tirar o nível de treinador UEFA Pro, que o habilita a trabalhar ao mais alto nível. É convidado a comentar jogos na Sport TV e impressiona pelo detalhe.

Em 2008 aceita continuar a trabalhar com Mourinho, agora no Inter de Milão. Na época seguinte diz ao chefe que pretende subir na hierarquia e sentar-se ao seu lado no banco. Não há espaço, José vê em Rui Faria um braço direito e Villas Boas sai para iniciar a carreira de treinador na Académica (depois de terem surgido outros convites): «Fiz parte de uma equipa técnica de muito sucesso e fui muito profissional, não estava obcecado com a minha carreira individual. Mas quando surgiu a oportunidade de ser treinador, senti que tinha de assumir o desafio. Não era uma obsessão nem usei o José Mourinho para chegar a treinador, foi algo que aconteceu naturalmente».

A despedida surge a 14 de outubro de 2009. É a última vez que se vê Mourinho abraçar Villas Boas, em pleno centro de treinos do Inter de Milão. André surge com a camisola do Inter, o número 1 nas costas e o seu nome. É cumprimentado por toda a equipa técnica e alguns jogadores. Sente-se o carinho.

O brasileiro Mancini contou ao Maisfutebol (no livro “O fenómeno Villas-Boas”, de 2011), como foi a despedida: «Chegámos ao treino e apareceu lá o André, com uma camisola do Inter. Eu não estava a perceber nada, não sabia de nada. Vi-o a despedir-se das pessoas e fui ter com ele. Ele disse-me que ia ser treinador, que tinha esse grande sonho e pronto. Eu só pensava: pô, como é que ele já vai para treinador? No ano seguinte, aparece logo no Porto. Fiquei espantado mesmo. Mas do que a gente falava, não tinha dúvidas que ele ia chegar bem longe».

«A separação aconteceu porque eu senti que poderia dar um pouco mais. Senti que podia começar a treinar. Se eu pudesse dar mais a Mourinho tinha dado, mas percebo perfeitamente que ele não tenha sentido necessidade disso. Por isso achei que era altura de arriscar», explicou André em abril de 2011.

Villas-Boas viu o Inter de Mourinho ser campeão europeu e trocou mensagens com os seus ex-colegas. Felicitou-os, mas a distância para José nunca mais parou de aumentar. 2010 terá sido o último ano em que os dois treinador se mantiveram próximos. Na Académica ainda trocam de impressões, mas a 2 de junho o jovem técnico senta-se na «cadeira de sonho» e Mourinho define as distâncias:

«Costumo dizer que no futebol já nada me surpreende. Se entenderam que era o treinador indicado, porque não há de ser? Os resultados é que determinam sempre se as decisões tomadas são mais ou menos corretas. Muitos podem perguntar porque é que escolheram alguém que nunca foi treinador na vida, a não ser nestes dois ou três meses na Académica. Tudo vai depender dos jogos e dos resultados. Se ganhar tudo é o treinador perfeito. Agora não venham fazer comparações comigo, porque eu, quando fui para o F.C. Porto, já tinha trabalho de campo feito, o que é bastante diferente.»

As diferenças ficam marcadas, mas a história estava só a começar e continuará a ser contada amanhã.