O Sporting encheu o Hall Vip de Alvalade com velhas glórias e gloriosas memórias para celebrar a mais bela de todas as vitórias leoninas: a conquista da Taça das Taças de 63/64.

Durante cerca de hora e meia falou-se de outros tempos, quando a camisola era literalmente mais pesada, a bola era mais dura e as botas não se adaptavam aos pés.

Os jogadores ganhavam dois contos de reis por mês, pouco mais do que um professor, e cumpriam os contratos até ao fim: sinal de como este mundo mudou.

Bruno de Carvalho deu as boas vindas a oito antigos jogadores da equipa que venceu o troféu e ouviu de todos eles o agradecimento pela recordação. «Antigamente ninguém se lembrava de nós, então eu convidava a minha mulher para jantar e íamos festejar os dois», referiu Alexandre Batista.

O presidente garantiu que isso não voltará a acontecer. «É aos bons exemplos que nós vamos tirar a força», acrescentou. «É este o Sporting que o meu avô me ensinou a amar, o Sporting que quando ia jogar a pergunta que se fazia era por quantos vamos ganhar hoje?».

Ribeiro Cristóvão deu as boas vindas, ele que acompanhou a campanha leonina a partir do camarote de imprensa, e liderou uma tertúlia feita de memórias e sorrisos que animou a plateia.



Lembrou, por exemplo, o obreiro da equipa: o brasileiro Gentil Cardoso. «Quando chegou, na primeira conferência de imprensa que deu, disse uma coisa do género eu sou um fazedor de campeões. No dia seguinte essa frase encheu todos os jornais».

Pedro Gomes, aos 72 anos, é o que mantém um espírito mais jovem. Lembrou também Gentil Cardozo e destacou «um grande psicólogo, uma enciclopédia gasta que foi corrido do Brasil por causa do racismo». «Um dia cheguei ao pé dele e disse-lhe: mister, desculpe lá, ontem não joguei muito bem. Responde-me ele: Você é o melhor lateral direito da Europa, você nunca joga mal. Nos jogos seguintes até voava. Sentia-me o maior.»

Curiosamente Gentil Cardoso não levantou a taça em Antuérpia: depois da derrota por 1-4 em Manchester, foi substituído pelo arquiteto Anselmo Fernandez.

Eram os quartos de final da Taça das Taças, frente à melhor equipa da Europa: o Manchester United da santa trindade. George Best, Dennis Law e Bobby Charlton, claro. As conversas vão sempre dar a essa eliminatória. Começou com uma derrota por 1-4 em Manchester, à qual se seguiu a mais gloriosa noite europeia da história leonina. Uma goleada por 5-0 em Alvalade.

«No regresso no avião vínhamos todos tristes e o comandante do avião pegou no microfone e disse-nos. Não se preocupem, vão dar a volta em Alvalade. São apenas bifes para o leão», lembrou Alexandre Baptista, numa referência à alcunha dos ingleses que já vem dos anos sessenta.

Hilário, o compadre de Eusébio com quem travava grandes duelos, lembra outro pormenor: no balneário antes do jogo em Alvalade, o diretor de futebol Mário Castro foi falar com o plantel.

Se passarem esta eliminatória, cada um de vocês ganha 20 contos, disse o dirigente.

«Ficamos todos a olhar uns para os outros. Na altura ganhávamos 2,5 contos por mês. O que é certo é que passámos e o homem deu-nos o dinheiro.»

José Carlos, esse, aproveitou a oportunidade para dar uma bicada nos benfiquistas.

«Depois de eliminarmos o Benfica, os nossos amigos do Estádio da Luz diziam-nos que tínhamos ganho 5-0 porque era uma equipa de padeiros. Tiveram azar, no ano seguinte apanharam com a equipa de padeiros e eles é que levaram cinco golos na Luz.»



José Carlos foi o homem que na finalíssima em Antuérpia foi desviado para a esquerda por ser o defesa mais rápido e para marcar o perigoso extremo Sándor. Lembrou essa final de boa memória e fez um desabafo. «Ainda não percebo como não dei um estalo a um homem que está nesta sala.»

José Pérides sorri: sabia que estava a falar dele. «Houve uma jogada em que se baixou e deixou passar a bola. Fui para cima dele, nem sei como não lhe bati.» Pérides volta a sorrir e confirma. «Vieram todos para cima de mim.» Figueiredo, que aos 76 anos já tinha idade para ter juízo mas ainda conduz um táxi, também lá esteve no meio. «Agarrei-lhe o pescoço, foi o Fernando Mendes que me afastou dele.»

A palavra regressa a José Carlos, que explica tudo. «Nessa altura um jogador ficava oito, nove e dez anos num clube. Éramos todos amigos e tínhamos uma grande cumplicidade.»

A conquista da Taça das Taças não vive só do jogo com o Manchester United, porém.

Tem também a maior goleada europeia de sempre (16-1 sobre o APOEL), por exemplo, e tem três finalíssimas: numa altura em que os golos foram ainda não valiam para desempate, o Sporting foi obrigado a fazer três eliminatórias de três jogos.

Começou logo na primeira ronda, com o Atalanta: 2-0, 3-1 e um terceiro jogo ganho em Barcelona. Seguiu-se os triunfos sobre APOEL e Manchester United, em dois jogos. Até que nas meias-finais veio o Lyon: nova igualdade e desempate em Madrid, favorável ao Sporting. A final com o MTK Budapeste começou com um empate (3-3 em Bruxelas ) e uma finalíssima ganha em Antuérpia por 1-0, no jogo que eternizou para sempre o Cantinho do Morais.



Mário Lino descreveu aquela conquista como «a subida de uma montanha muito grande».

Ora por falar em Morais, e por iniciativa de Carvalho, respeitou-se um minuto de silêncio em memória dos que já faleceram: Morais, Osvaldo Silva (o craque da equipa), Libânio, Geo e do massagista Manuel Marques, um homem carismático do Sporting que um dia disse que só lhe faltava morrer no banco.

Lembrou-se também Mascarenhas e Fernando Mendes, dois homens que não puderam estar presentes por problemas de saúde.

Celebrou-se os cinquenta anos da conquista, que durou uma época e terminou no dia 15 de maio em Antuérpia. Uma conquista revisitada num camisola comemorativa com o emblema da altura.

Celebrou-se também o Sporting e o regresso do clube à capacidade de sonhar.

«Os miúdos da Academia são mal formados. Têm de sentir o Sporting e tirar-lhes aquela voracidade mercantilista», referiu Pedro Gomes. «O Sporting está em primeiro porque hoje eles têm fome: fome não de uma transferência, mas fome de glória.»

José Carlos resumiu tudo numa frase que arrancou aplausos.

«Esperamos no final da época voltar a celebrar: celebrar o título de campeão.»