Adversidades sem fim, carências de todas as estirpes e sempre o mesmo sorriso nos lábios. Zeca cedo se habituou a não desejar mundos e fundos. Ao invés, optou por ser feliz com pouco. Perdeu o pai ainda criança, viu a mãe a desdobrar-se em empregos múltiplos para sustentar a família e teve um irmão sempre em dificuldades no aproveitamento escolar. Por isso quis ser diferente.

«É um rapaz de uma humildade extraordinária», conta ao Maisfutebol o amigo Milton Martins, colega de Zeca nos vários escalões do Casa Pia. Dos iniciados aos seniores. «Treinava sempre com um prazer imenso. Lembro-me que já era júnior, com 18 anos, e ainda fazia de apanha-bolas nos jogos dos seniores. Ganhava dois euros e meio e uma sandes, só para estar perto dos amigos.»

Da III Divisão à Champions: «É fenomenal»

Zeca era assim. É, aliás. O que para a maioria é sacrifício, para ele é uma delícia irrecusável. Futebol e amizade, a equação mágica. «Mostrou sempre uma ambição incrível. Certo dia um director do Casa Pia, meio a brincar, perguntou-lhe o que o Zeca queria ser na vida. Jogador de futebol, respondeu-lhe. E o tal indivíduo riu-se e disse vais é ser bombeiro!»

Passados muitos anos, Zeca foi para o Setúbal. Sempre sem se esquecer da provocação. «Assim que viu esse velho dirigente não esteve com meias-palavras: então, sou bombeiro ou futebolista?. O Zeca sabe bem o que quer. Desejo-lhe que trilhe o sucesso dele da forma que tem trilhado a nossa amizade.»

«Lembro-me dele no primeiro treino, caladinho e envergonhado»

No Bonfim Zeca recolheu e registou com incontido entusiasmo os ensinamentos de Zé Pedro. O esquerdino, um dos mais experientes do plantel sadino, guarda a imagem de um atleta único. «Deviam existir mais pessoas como o Zeca. Nesta última época acho até que merecia ter jogado mais vezes no Vitória», desabafa ao nosso jornal.

«Tem um comportamento e educação exemplares. Esta ida para o Panathinaikos é um prémio justíssimo. Possui condições para aparecer muitas vezes na equipa deles. Lembro-me do primeiro dia dele no Bonfim, caladinho e envergonhado. Evoluiu bastante.»

Mesmo no Setúbal, Zeca jamais se esqueceu dos companheiros do Casa Pia. «Ainda há poucas semanas esteve no nosso jantar, tal como o Pedro Santos [Leixões] e o Diogo Salomão [Corunha]. Temos todos uma ligação fortíssima. Não fiquei surpreendido com esta transferência. Fico é surpreendido que os maiores clubes portugueses não tenham reparado nele», vinca Milton Martins.

«Pode ser que o próximo a reparar nele seja o Paulo Bento»

Para Milton, profundo conhecedor de Zeca, o novo jogador do Panathinaikos «não é um extremo». «Talvez por isso não tenha sido ainda melhor em Setúbal. O Zeca sempre foi um médio da posição oito ou dez, raçudo e grande organizador de jogo. Se calhar nas linhas tem mais dificuldades.»

Os 350 mil euros pagos pelos gregos ao Vitória são, na opinião dos nossos interlocutores, uma pechincha. «Pode ser que o próximo português a reparar no Zeca seja o seleccionador Paulo Bento. Ao menos esse pode tê-lo de borla.»