O Burkina Faso já esteve no Campeonato Africano das Nações (CAN) por dez vezes, uma delas como Alto Volta. Na maioria delas ficou-se pela fase de grupos, mas agora disputa a terceira meia-final do historial da seleção.

À frente da equipa está Paulo Duarte, que pode tornar-se no primeiro treinador português a jogar a final da mais importante competição africana de seleções e apenas o segundo lusófono, num continente que tem milhões de falantes de Português: o brasileiro Otto Glória venceu a prova em 1980, com a Nigéria, e é o único treinador sul-americano a garantir o troféu. Pela frente terá, porém, a maior potência do Continente, num jogo que decorrerá nesta quarta-feira, às 19h00.

Paulo Duarte já tinha estado no CAN com o Burkina Faso. Em 2010 e 2012 o treinador português esteve nas fases finais que decorreram em Angola e Gabão/Guiné-Equatorial. Um ponto em cinco jogos foi o registo nessas duas primeiras experiências. Depois, Paulo Duarte saiu para orientar o Gabão, passou pelo CS Sfaxien e voltou a Ouagadougou para terminar um trabalho que tinha começado e que quase rendia o título africano em 2013, mas com o belga Paul Put ao comando.

Paulo Duarte também orientou o Gabão, onde, curiosamente, se desenrola a CAN 2017 

«O regresso foi algo que tinha de acontecer, deixei trabalho marcante aqui», começou por dizer ao Maisfutebol o selecionador dos Étalons, nas vésperas da meia-final com o Egito.

O técnico que foi adjunto de Vítor Pontes, José Gomes, Jorge Jesus e Domingos Paciência antes de passar a treinador principal da U. Leiria explicou os contornos daquela saída após o CAN de 2012.

«Tinha saído por ser forte nas minhas decisões, por não aceitar que mexessem na minha equipa», declarou Paulo Duarte.

«Fizeram passar pela imprensa um falso despedimento de um mês. Quiseram mexer na equipa e não deixei. Fizeram crer à população que fui despedido. Não fui despedido, porque 15 dias depois estava a orientar a equipa», contou.

Na ausência de Paulo Duarte que acabara contrato, a federação contratou Paul Put. No ano seguinte, o belga levou o Burkina Faso à final do CAN 2013, que perdeu com a Nigéria. Em 2016, porém, nova chamada para o técnico português.

Paulo Duarte considerou que «o que mudou, mudou para pior» entre 2012 e dezembro de 2015. E depois explicou: «A equipa atingiu sucesso um ano após a minha saída. À medida que o tempo ia correndo ia-se perdendo qualidade em organização, qualidade de jogo. Quando cheguei, a equipa era segunda no grupo de qualificação para o CAN e poucas esperanças havia, ninguém acreditava. Cada um fazia menos do que o outro.»

Portanto, no espaço de um ano, Paulo Duarte teve de recuperar a equipa que no conjunto de 2014 e 2015 tinha feito 27 jogos e ganho apenas 8 deles. Com o Uganda a liderar o apuramento, a qualificação direta estava em causa, mas Paulo Duarte conseguiu mesmo que o Burkina Faso fosse primeiro e assim não estar dependente de outras contas (apuram-se os 13 vencedores de grupos, mas os dois melhores segundos).

Nas próprias palavras, o conhecimento antigo do «bom grupo» que dispunha foi o chave para o sucesso do apuramento e, também, para devolver o Burkina Faso ao top4 de África.

«O segredo foi conhecer a equipa, uma equipa que fiz do zero, e que brilhou em 2013. Essa foi a melhor fase do Burkina Faso, que valorizou o currículo. Os jogadores tinham capacidade e sabiam a exigência que eu ia impor. A partir daí foi só exigir cada vez mais.»

Bertrand Traoré, com o número 19, celebra o golo de Nakoulma (7) frente à Tunisia

Bakary «Bouba» Saré é o único jogador da seleção do Burkina Faso que joga no campeonato português (Moreirense). Questionado sobre outros, Paulo Duarte convida a atenção para «Charles Kaboré, que está no Krasnodar, Bertrand Traoré que está emprestado pelo Chelsea ao Ajax, o Bakary Koné e o [Jonathan] Pitroipa que foi a grande estrela» da seleção durante vários anos.

O Egito: Faraós que «são equipa à Cuper»

No CAN 2017, a seleção do Burkina Faso empatou os dois primeiros jogos, venceu a Guiné-Bissau na decisão para os quartos-de-final e bateu a Tunísia nesta etapa. Seguem-se agora os Faraós, detentores de sete títulos africanos.

Não há maior potência no continente, mas Paulo Duarte avisa para as diferenças entre gerações de ouro passadas e a atual realidade do adversário desta quarta-feira.

«O Egito é quem tem mais títulos, mas não é a mesma equipa. É uma geração diferente daqueles globetrotters», começou por analisar o treinador, que destacou os nomes do «guarda-redes Essam El-Hadary e o [Ahmed] Fatih» como sobreviventes de um Egito dominador em África.

A equipa do Egito que derrotou Marrocos nos quartos de final

«Tem uma defesa polivalente, é uma equipa que está a progredir, a renovar-se, e que se baseia muito na qualidade defensiva», continuou Paulo Duarte.

«Não arrisca quase nada. Joga muito no erro do adversário, defende com seis e ataca com quatro, como se fossem duas equipas», comentou.

Paulo Duarte não tem dúvidas nenhumas que os Faraós são iguais à marca que o treinador argentino que os orienta deixou vincada na carreira: «São uma equipa à [Hector] Cuper, que joga no erro e faz posse de bola negativa. Chamo-lhe assim porque a tem em terreno defensivo. Não desmontam a organização e quando assim é, é muito compacta.»

Para o treinador português, o Burkina Faso tem de «tentar marcar cedo para que eles joguem de outra forma», mas com cautelas: «Ao mesmo tempo, a minha equipa não pode ter precipitações, porque eles são muito pacientes.»

A evolução do CAN

Paulo Duarte começou a trabalhar em África há quase dez anos e vê as coisas a desenvolverem-se.

«Esta está a ser uma CAN muito equilibrada, há poucas vitórias. O futebol africano evoluiu muito. Tinha pouco ritmo, com circulação de bola lenta, agora é o oposto», frisou.

«Os jogos agora são mais rápidos, competitivos, intensos e as defesas superiorizam-se ao ataque. As equipas são mais bem treinadas. Não há nenhum favorito como antigamente, em que havia sempre o Egito, o Gana, agora há muitos candidatos. Está muito nivelado.»

Da última vez que terminou um CAN, Paulo Duarte passou pela tal saída do cargo. Algo que não o preocupa minimamente: «Tenho contrato até janeiro, estamos em primeiro na qualificação para o Mundial 2018. Neste momento não penso nisso.»

Até porque, neste momento, está focado em bater o Egito, levar o Burkina Faso à final do CAN 2017 e tornar-se, então, o primeiro treinador português a chegar à final daquele que é o torneio mais colorido do futebol mundial.