Luiz Felipe Scolari já deu muitas voltas. Do topo ao fundo, de volta à tona. Foi campeão do mundo, mas também está ligado a dois dos maiores escândalos da história do escrete. Não o Maracanazo. As costas de Felipão, que nem um par de anos tinha em 1950, não são assim tão largas. O maior de todos os fantasmas de Felipão é, claro, «o» fiasco: o 7-1 da Alemanha no Mundial 2014, há menos de um ano. Mas agora falamos do outro. Brasil-Honduras, 23 de julho de 2001. Um 2-0 com um herói, Saul Martinez, e toda uma seleção canarinha humilhada, resumida na imagem que serve de mote a tudo isto. E com Scolari, ainda que na bancada.

Os 7-1 passaram a ser a medida de qualquer grande choque, como antes tinha sido o Maracanazo. Mas aquele jogo em Manizales, Colômbia, será sempre um dos grandes embaraços da história do escrete.

Scolari tinha acabado de assumir o comando da seleção. Substituía Emerson Leão, despedido ainda no Japão depois do falhanço do Brasil na Taça das Confederações, onde acabou em quarto.

As coisas também não estavam famosas para o escrete na qualificação para o Mundial 2002. Era quarto nessa altura, já tinha perdido três jogos. Scolari mudou muita gente na sua primeira convocatória, mas perdeu, com o Uruguai.

Depois seguia-se a Copa América. Como palco a Colômbia, após muita convulsão. A Conmebol chegou a admitir mudar o local, com medo dos riscos de segurança num país abalado pelas guerras de cartéis de droga. A alternativa era a Venezuela. Mas a Conmebol acabou por manter a Colômbia. E a Argentina, em protesto, recusou participar.

No meio da confusão o Canadá (um dos dois países não sul-americanos convidados, a par do México), já tinha desmobilizado e considerou que já não tinha condições para voltar a agrupar-se para a prova. Foi preciso convidar duas seleções sobre a hora. Costa Rica e, sim, Honduras.

O Brasil passou a primeira fase em primeiro no grupo, mas o último jogo, com o Paraguai, deixou marcas. Scolari foi expulso e com ele também o seu adjunto, Flávio Murtosa. Teoricamente nenhum podia estar no banco no jogo dos quartos de final com as Honduras. Mas, enquanto Scolari foi para a bancada, Murtosa deu um jeito.

«Estava muito frio lá. Era Inverno e o jogo numa cidade do interior. Enfiei um gorro até tapar as orelhas, peguei numa mala de massagista e sentei-me ao lado do médico. Ia dando as instruções pela socapa sem ninguém dar por isso. Só mesmo no fim do jogo é que a televisão me focou», contava Murtosa em 2007, citado pelo «Record», quando se preparava para voltar a fazer de Scolari no banco, dessa vez com a seleção de Portugal.
 
Não serviu de muito.

Vamos, então ao jogo. O Brasil entrou em campo com Marcos, Juan, Luisão, Cris, Belletti, Emerson, Eduardo Costa, Alex, Júnior; Denílson e Guilherme, num esquema de três centrais.

Jogou pouco o Brasil e com o passar do tempo os jogadores das Honduras ganhavam confiança. O intervalo chegou sem golos, na segunda parte Scolari, ou melhor dizendo o clandestino Murtosa, fizeram entrar Juninho Paulista e Juninho Pernambucano. Um dos sacrificados foi o então jovem Luisão, ainda jogador do Cruzeiro, antes do Benfica.

O Brasil parecia crescer, mas aos 57 minutos foi surpreendido. Cabeceamento de Saul Martinez, um desvio trapalhão de Belletti e as Honduras em vantagem.

Era o descalabro do lado do escrete, que ainda viu sete minutos mais tarde um golo mal anulado às Honduras por fora de jogo.



Do banco do Brasil ainda saiu Mário Jardel, por essa altura no Galatasaray, entre o passado no FC Porto e o futuro no Sporting. Mas era pólvora seca o ataque do escrete. E o jogo acabou com a humilhação final. Num contra-ataque, em cima do final, Saul Martinez fez o 2-0. Virou herói, salto do campeonato hondurenho para o Nacional de Montevideo após a Copa América e cobriu o Brasil de vergonha.



Na sala de imprensa, Scolari assumia o falhanço.  «Anotem aí no caderninho, no livro dos recordes. Serei o técnico que perdeu para Honduras. É horrível.»

Mas deu a volta. No adeus à Colômbia ainda encontrou tempo para sorrisos e poses para as câmaras, como se vê nesta imagem que sobra desse tempo no arquivo da Reuters.



Depois, sobreviveu às manifestações iradas de adeptos junto à sede da CBF, que deixaram para a memória imagens como esta



Scolari refez a equipa, recuperou um Ronaldo que era uma sombra do Fenómeno depois do Mundial 1998 e conseguiu apurar o Brasil para o Mundial 2002, como terceiro na qualificação sul-americana. No Japão, com uma equipa onde Marcos era praticamente o único sobrevivente daquele Brasil da Copa América, o escrete foi até ao fim. Pentacampeão do mundo.

Depois, Scolari deu muitas voltas. Portugal, Chelsea, Uzbequistão, a seguir de novo o Brasil e de novo o escrete. Até aos 7-1 da Alemanha naquele 8 de julho de 2014, na meia-final do Mundial brasileiro. Dessa vez nem Scolari resistiu. Mas só ficou desempregado três semanas. Julho ainda não tinha acabado e Felipão já tinha novo clube, assinava pelo Gremio.