O futebol tornou-se um género delicado: de grande fragilidade. Evoluiu, transformou-se e complexou-se. Por vezes conseguia ser um mónologo, coisa de um homem só, agora é um diálogo de regras labirínticas.

No futebol moderno é impossível imaginar um Mundial ganho por um jogador apenas, e o seu talento. Como Maradona fez em 86 ou Garrincha em 62.

O talento continua a fazer a diferença sim, mas como parte do processo: ele por si só, o talento apenas, genuíno e selvagem, não pode ser o processo todo. É parte e geralmente surge no fim, bem lá no finzinho, no toque de génio que faz a diferença entre uma série de procedimentos burocráticos.

Ora vem esta conversa a propósito da complexidade do futebol atual, um exercício cheio de regras, processos, recursos e ordenamentos.

Chega a ser intrigante.

Não basta preencher os espaços e abrir o jogo com extremos puros, daqueles que recebem a bola colados à linha, partem para cima do adversário e metem a bola na área.
 
O futebol tornou-se mais complicado que isso.

Vítor Pereira, o treinador, disse tudo há um par de semanas ao Record.

«Os adversários começaram a perceber que os corredores laterais eram as zonas preferenciais de entrada. E, na minha opinião, a equipa tem de continuar a ir à procura de uma solução que as equipas de top têm de ter, que é o jogo interior. De provocar o adversário por dentro, para depois entrar por fora.»

Vítor Pereira falava do FC Porto, mas a análise aplica-se sobretudo ao Sporting: uma equipa que atacava sempre pelos flancos e era incapaz de criar desequilíbrios pelo centro.

Mas isso mudou, e era a este ponto que queria chegar desde o início: mudou por causa de um homem.

Fredy Montero.

A mudança posicional do colombiano, com mais liberdade, e obrigação, para participar no processo de construção ofensiva, trouxe ao futebol do Sporting o toque aveludado dos génios.

Tem coisas, aliás, que me fazem lembrar Romário: na forma como cola a bola ao pé e a esconde dos rivais, na maneira como domestica jogadas selvagens, no jeito como domina sob pressão e inventa futebol entre adversários.
 
É um génio dos espaços curtos.

Mas para mim é mais do que isso: é o melhor jogador do futebol português a jogar entre linhas (ou quadrados, losangos, elipses e paralelogramos deste futebol, lá está, tão complexo).
 
Com ele em campo o Sporting preenche a complexidade do futebol. Ganha soluções. Fica enfim preparado para reagir à tendência que muitas vezes apresenta de tornar o jogo um exercício simplista: demasiado simplista para os tempos que correm, aliás.
 
Pode não parecer, porque é um talento de coisas simples. Mas Montero traz preso a ele um futebol sincero e sensível, como o olhar de um idoso humedecido: belo de tão genuíno.
 
Chega a ser delicioso ver Montero sair da marcação, sugir nos espaços vazios, colar a bola ao pé e inventar soluções: pode tirar um adversário do caminho e partir em direção à baliza, pode segurar, esperar pelos colegas e devolver a bola, pode sobretudo, e é nisto que ele é bom, levantar a cabeça e rasgar um passe de rotura.
 
Com ele em campo o Sporting torna-se equipa de ambições mais largas: uma equipa que provoca o adversário por dentro para depois entrar por fora.
 
Não me custa adivinhar aliás que faltou Montero em Londres: quando entrou já era demasiado tarde. Mas vem aí a Liga Europa e todos os sonhos são possíveis.
 
Porque, como escreveu Rui Dias, no Record, Montero pode não ser o melhor ponta de lança do Sporting: mas não tenho dúvidas que é o melhor futebolista entre os pontas de lança.
 
Box-to-box» é um espaço de opinião de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui às sexta-feiras de quinze em quinze dias