Uma coisa prometo-vos. No fim, vão todos pensar o mesmo que eu: é tão fácil compreender Ronaldo, e fazer figas para que dê certo.

Não o nosso, o outro, o primeiro fenómeno com esse nome, que apesar dos muitos anos do lado de cá do Atlântico nunca perdeu o circunflexo.

Fe-nô-me-no

Vamos todos entender na perfeição o que vai na cabeça do Rô mais potente – só em campo, reclama-se há muito que o agora senador andou a doar semente como se a humanidade estivesse em risco de extinção – da dupla que embalou o  Escrete .

Quando me lembro dele, Ronaldo é uma locomotiva desgovernada, a equilibrar-se no limite do descarrilamento, entre defesas do Compostela.

Esse Ronaldo-locomotiva, monstruoso, sobre-humano, em rota de colisão com o golo, fosse em linha recta em cima de carril ou em curvas a desafiar o aço, não existe há muito. Nem existia já quando o brasuca inventou aquela popa ridícula em jeito de pala de contabilista a decorar o couro cabeludo, talvez já a pensar num futuro de gabinete.

Aos 38 anos, com quilos a mais que-não-se-perdem-assim, aponta para o regresso. E aponta sem medo. Segundo escalão dos Estados Unidos, três ou quatro jogos, para voltar a sentir a adrenalina a inundá-lo. Para fazer o que o corpo lhe permitir. Para voltar a enganar o tempo.


Ronaldo não voltará locomotiva, mas talvez se travista de tanque, mais lento, a rodar imparável em cima de lagartas, com a bola colada à sua frente.

Todos os que jogaram, e regressam aos poucos aos fins-de-semana, em metades ou em quartos de talento fosse muito ou pouco o que tiveram, têm plena consciência do que ele sente.

Em sintético ou pavilhão, futebol ou futsal, os que procuram sem desistir reencontrar as reminiscências do passado não têm como não entendê-lo, e também eles acreditar que é possível. Torcerão por ele.  Vai consegui-lo também por todos os outros.

Lidar com a perda é complicado, exactamente como se fosse um estado do Facebook. 

Com a idade chegam todas. A mais delicada traz enrolada no indicador a etiqueta de fora de prazo. O nosso corpo não nos responde, não nos permite as loucuras de antes.

Arrancamos a medo, a passo, quando devíamos resolver ali quase toda a jogada. Se pisamos mais forte os músculos reclamam, ameaçam ceder. Já não conseguimos mudar de direcção sem fazer pisca três entroncamentos antes. Não saltamos a pensar que chegamos logo lá acima, há sempre lastro que temos de largar primeiro. Rematamos ainda mais torto, ou mais de bico, com o corpo teso, rígido, desprovido de elegância. 


Aquela finta tão nossa é um insulto grosseiro a nós próprios e ao adversário.

Mas, que grande  mas . Voltamos no sábado seguinte, aconteça o que acontecer. Acreditamos que podemos voltar ao passado com um golo, uma meia-jogada, um passe por cima de tudo. Fugimos a reuniões de família, a um jantar fora de casa, a uma escapadinha da cidade. E voltamos. Aos 35, aos 40, talvez mesmo aos 45 anos. Até aguentarmos o mínimo, que é não sermos mais ridículos que os outros.

Ronaldo vai voltar. Está decidido. Vai treinar um pouco, perder uns quilos e voltar. Ainda não o entendem, ou já começaram como eu a cruzar os dedos? Se há alguém que pode é ele. 

Faz o que tens a fazer e arranca,  Fenômeno ! Cerra as portas, e não olhes para trás, não pares em nenhuma estação. Fecha os olhos se quiseres. Vai por mim, acredita em mim. Não são mais que jogadores do Compostela à tua frente.

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA»                é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias. Pode segui-lo no 
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