É indisfarçável o sabor amargo do empate que o Sporting cedeu em casa diante do campeão europeu. Mesmo que o tempo venha a relativizar a decepção e a realçar as virtudes positivas deste desfecho, mesmo que a secura das estatísticas prove que o Real mandou mais na bola e no jogo, não vai apagar-se tão cedo da memória a sensação de que a equipa de Augusto Inácio voltou a ter os merengues a seus pés e, desta vez, deixou fugir a glória quando já tinha feito o mais difícil. 

Bem tentaram os intervenientes alertar para o erro de procurar paralelismos entre o jogo particular que em Agosto colocou frente a frente as duas equipas. Durante 70 minutos o destino quis desmenti-los de forma contundente. 

Até aí, aqueles que não acreditam que a História se repete tinham razões para estar inquietos. Tudo parecia encaixar-se, como num filme demasiado perfeito. Tal como em Agosto, o Sporting materializara antes do intervalo uma vantagem de dois golos, André Cruz mostrara novamente toda a sua qualidade de marcador de livres, Roberto Carlos era de novo o primeiro a retirar os merengues da apatia e a marcar mais um golo em Alvalade, em outro pontapé divino. Coincidências a mais? 

Os intérpretes eram quase os mesmos, mas as atitudes das equipas nem por isso. O Sporting assumira desde o pontapé de saída uma posição de maior prudência do que o fizera no confronto particular. Várias razões para isso, desde o significado do jogo à ausência forçada de Paulo Bento, que Inácio resolveu com a titularidade de Hugo, um jogador de características bem diferentes, menos dinâmico, melhor na marcação. 

35 minutos de paciência 

Ao lançar no «onze» o ex-jogador da Sampdoria, o treinador do Sporting aproveitou para tentar neutralizar uma das principais ameaças do Real, o seu «capitão» Raúl, imediatamente submetido a vigilância cerrada desde o pontapé de saída. Com Sávio e Figo entregues, respectivamente, a César Prates e Rui Jorge, estava feita a distribuição de tarefas defensivas, face a um adversário que mais uma vez demonstrava a falta de pontas-de-lança, colocando Munitis numa posição para a qual não foi talhado. 

Não se pense, contudo, que o Sporting se limitou a expor a cartilha defensiva. Pelo contrário: nos primeiros dez minutos, graças em grande parte ao dinamismo de João Pinto, fez o suficiente para mostrar ao senhor campeão da Europa que havia ali argumentos para discutir o jogo até final. Mas, feito o aviso, o leão serenou. E esperou para ver. 

A espera durou até aos 35 minutos, sensivelmente. Foi o tempo suficiente para se perceber que o xadrez táctico encaixava perfeitamente, e que o meio-campo dos merengues (com Flávio Conceição, meia-surpresa, ao lado de Makelele) não tinha dinamismo nem talento para alimentar os génios da frente. A partir daí, o Sporting assumiu o risco, foi à procura da felicidade e... encontrou-a quase de imediato, por duas vezes!  

As fragilidades defensivas do Real ficaram bem expressas no primeiro golo - imperdoável falha de marcação ao primeiro poste, bem explorada por sensacional movimentação de Sá Pinto. O talento de André Cruz ficou ainda mais vincado no segundo, num remate teleguiado que já era golo antes de sair do seu pé esquerdo. 

Foi tudo muito rápido. Logo a seguir veio o descanso, com os adeptos do leão em estado de euforia, a pensar que não era assim tão difícil sentenciar o destino do fidalgo de Madrid. Engano. 

Roberto Carlos vira a mesa 

Não houve muito tempo para prolongar o estado de graça. Cinco minutos depois do intervalo, Raúl teve a primeira intervenção de vulto no jogo, arrancando uma falta em zona muito perigosa. E Roberto Carlos, que decididamente se dá bem com os ares de Alvalade, tratou de cobrar o livre com um pontapé arrepiante, que gelou os adeptos do leão, funcionou como vigoroso despertador para os homens de Del Bosque e virou a mesa. 

O Sporting caiu numa fossa do qual não mais se conseguiu libertar. Uma coisa era apostar na paciência, e esperar pelas abertas para lançar contra-ataques episódicos mas sempre venenosos. Outra coisa era sentir o bafo do adversário, mais acordado do que alguma vez o estivera até aí, e interrogar-se a cada instante quando voltaria a sair outro lance de génio que mudasse de vez o curso dos acontecimentos. Acabavam os paralelismos com o ensaio no particular de Agosto. 

As substituições do Real reforçaram a tendência, já que Celades e Gutí contribuíram para dinamizar o jogo ofensivo dos merengues. Inácio esperou, em vão, pelo reaparecimento do leão astuto da primeira parte, e quando mexeu na equipa foi somente para render o esgotado Hugo (belo trabalho) pelo seu sósia Bruno Caires. 

Para cúmulo, os espanhóis começavam a encontrar alternativas. Figo, até aí apagadíssimo pela impecável vigilância de Rui Jorge, foi tentar a sua sorte ao flanco esquerdo. César Prates teve uma desatenção imperdoável, e quando recuperou terreno já era tarde. Raúl concluiu com a frieza dos grandes a oferta em bandeja de prata do seu número 10. E a partir daí, já só por milagre o Sporting poderia esperar mais do que segurar o empate. 

A entrada de Toñito, que em apenas seis minutos insuflou ânimo novo na equipa, veio mostrar que o Sporting talvez pudesse ter tentado mais cedo recuperar as chaves do jogo. Mas uma perdida de Figo, no último minuto, frente a frente com Schmeichel, veio lembrar que o empate estava preso por um fio e que, da forma como as coisas estavam a correr, o fundamental era mesmo evitar males maiores. 

Para a frustração sportinguista contribuiu, em boa parte, a arbitragem de Alfredo Trentalange. O italiano fez um trabalho cirúrgico e irritante, sem erros evidentes em lances capitais, mas com tendência indisfarçável para decidir a favor dos espanhóis todos os lances duvidosos. Defrontar o campeão da Europa tem os seus custos...