Caras novas no clássico do Dragão, rivais de circunstância, antigos colegas entre as escolinhas e os iniciados do F.C. Porto. Wilson Eduardo e Josué partilharam o balneário no antigo campo da Constituição, o berço das camadas jovens portistas.

É a geração de 90. Tantos nomes, outras histórias, apenas dois casos de afirmação plena na Liga. Um deles com a camisola do Sporting, outro num regresso a casa após três anos de maturação.

José Alves, vulgo Coelho, serve de guia para o Maisfutebol neste regresso ao passado. No início do milénio, os três miúdos cresciam na Constituição e demonstravam talento para chegar ao mais alto nível.

Coelho, agora no Penafiel (após passagens por Inter de Milão e Benfica, entre outros), recorda traços de personalidade de Wilson Eduardo e Josué, os espíritos indomáveis aliados a um potencial tremendo.

«Tínhamos uma equipa imbatível. O Josué jogava à esquerda, eu na frente e o Wilson Eduardo a meu lado ou nas costas, para fazer uso da sua velocidade.»

«Íamos passear da rua sem moedas nos bolsos»

A carrinha do F.C. Porto iniciava a sua volta em Paços de Ferreira. Apanhava Coelho e seguia para Pedras Rubras, onde moravam Wilson Eduardo e João Mário, o jovem irmão do avançado do Sporting.

«O Wilson tinha muitos irmãos, era conhecido por isso mesmo. Só tínhamos treino às 18 horas mas, como a carrinha tinha de ir buscar mais miúdos, chegávamos muito cedo à Constituição, por volta das 15 horas. Eram outros tempos, sem as mesmas condições que o centro de treinos do Olival».

A rua servia para passar o tempo. «Andávamos às voltas por aquelas ruas, para fazer horas, mas sempre sem moedas nos bolsos. Naquela altura havia muitos roubos aos mais pequenos, alguns miúdos mais velhos andavam a rondar as escolas da zona e mesmo o campo da Constituição, à nossa espera.»

«Como o João Mário tinha treino mais cedo, muitas vezes ficávamos a vê-lo. Mas era um miúdo completamente diferente. Era gordinho, jogava a central ou trinco e era conhecido como Makelelé. Era o maior deles todos! Agora no Sporting é um jogador distinto, não tem nada a ver, e tem um futuro tremendo», considera Coelho.

João Mário emagreceu, o irmão mais velho ganhou músculo. «O Wilson já era muito rápido mas franzino. Só deu o salto aos 15 anos. Mas teve sempre uma arrancada imparável e um pontapé muito forte.»

O alheamento de Wilson e os palavrões de Josué

Josué recorre mais tarde à carrinha do clube. Vem do Bairro das Saibreiras, conhecido como as Malvinas, em Ermesinde. «Era um meio complicado e o Josué demonstrava isso. Se não mandasse alguém 'para aquele sítio', não era dia. Já era quase como uma vírgula», recorda Coelho, entre gargalhadas.

«Sempre jogou muito, mas só foi titular indiscutível nos juniores. Mesmo assim, mesmo com os problemas e o feitio, foi dos poucos a ficar em todos os escalões do F.C. Porto. Os responsáveis do clube acreditavam muito no Josué.»

Enquanto o esquerdino dizia o que lhe ia na alma, Wilson Eduardo alheava-se. Por vezes, parecia que não queria nada com aquilo. «Um rapaz fantástico», segundo Coelho, com um feitio especial.

«Era assim durante os jogos e hoje em dia mantém um pouco esse traço. Quando as coisas começavam a correr mal, sobretudo, era muito alheado de responsabilidades. Era capaz de perder e sorrir, como se não fosse nada com ele. Nos jogos, parecia estar assim e de repente lembrava-se, arrancava ou chutava forte, desequilibrava logo», explica o atual jogador do Penafiel.

Wilson Eduardo cresceu de forma consistente, Josué precisou de tempo. «Enquanto o Wilson fez uma linha reta, o Josué teve problemas em três ou quatro clubes, até no Paços de Ferreira. Só melhorou a olhos vistos quando nasceu a sua filha, mudou por completo. E com isso, voltou ao Porto.»



Tripla imbatível até Wilson rumar a Lisboa

O tio de Wilson Eduardo foi o primeiro a despertar para o talento do jovem. Este começou a jogar no Desportivo de Vilar, na zona de Vila do Conde, rumando logo depois ao F.C. Porto. Tinha apenas nove anos.

Por lá ficou até 2003, ao longo de quatro temporadas, vencendo troféus a par de Josué e Coelho. Outros nomes ficaram pelo caminho. «Estamos a falar de casos de sucesso mas nem sempre é assim, claro. Havia o Fábio Vieira, que sofreu uma lesão grave, o Pedro Antunes e outros.»

«Nos infantis, essa equipa ganhou tudo, não me lembro se perdeu algum jogo no campeonato mas os torneios eram todos nossos. Lembro-me de vencermos o torneio da Pontinha, o torneio do Le Havre, etc.»

Porém, o último ano no Porto foi amargo para Wilson Eduardo. A mãe quis rumar a Lisboa, o jogador garante que não a queria acompanhar mas acabou por o fazer. De qualquer forma, explica Coelho, o avançado andava triste com a sua situação no clube.

«Estava na equipa B dos iniciados e para além disso acabou por partir a perna. De qualquer forma, os responsáveis do F.C. Porto sabiam que ele ia explodir mais cedo ou mais tarde. Eu também acreditava no mesmo.»

O avançado era iniciado de primeiro ano e, também por isso, jogava na segunda equipa dos dragões Curiosamente, Vítor Pereira era o treinador da equipa A de iniciados, deixando os dois jovens fora do seu leque de opções, enquanto Coelho foi promovido para a formação principal.

O Sporting agradeceu a mudança

Em vésperas de clássico, num período em que muito será dito sobre as mudanças de jogadores entre F.C. Porto e Sporting, o caso de Wilson Eduardo volta à baila. Não houve guerra, garantem os leões, mas o clube portista dificultou a saída.

Com 13 anos, o jovem acompanhou a mãe na viagem para Lisboa e apresentou-se no Sporting, a par de João Mário. Teve de esperar alguns meses para começar a jogar. «No início foi muito difícil, os clubes não chegavam a acordo, o F.C. Porto não queria dar a carta. Só comecei a jogar em dezembro», explicou Wilson Eduardo, recentemente.

O clube leonino não pinta um quadro de tensão neste caso. Em 2009, apresentou a sua versão. «Os jovens Wilson Eduardo e João Mário Eduardo, acompanhados da sua mãe, contactaram, no ano de 2004, o Sporting, manifestando a sua intenção de vir a representar o Sporting Clube de Portugal, em virtude de terem mudado a sua residência do Porto para Odivelas, nas imediações de Lisboa.

O respeito que o F.C. Porto nos merece, levou-nos a solicitar a respectiva prova documental (atestado de residência e declaração da entidade patronal da mãe dos atletas), documentos que foram, posteriormente, enviados ao FC Porto.

Em carta dirigida ao Sporting, o F.C. Porto aceitou que a transferência fosse efectuada ao abrigo do nº 3 do art.º 5º do Capítulo III do Regulamento para Inscrições e Transferência para Praticantes Amadores. Acrescentou, nessa carta, a expressão do seu agradecimento pela consideração que o Sporting manifestou no tratamento deste assunto.

Deste modo, as transferências dos irmãos Wilson e João Eduardo não podem ser tratadas como ‘roubos’ do Sporting a quem quer que seja», explicou o clube leonino, em comunicado.

Hoje em dia, Wilson Eduardo é uma unidade influente no onze de Leonardo Jardim e João Mário apresenta-se como solução a curto ou médio prazo. Josué está do outro lado, no regresso à casa de partida. Neste domingo, serão rivais de circunstância.