Uma força da natureza a despontar. João Costa, artilheiro do Alverca, é nova prova de que trajetos ímpares também valem oportunidades nos palcos profissionais. Na época de afirmação, o ponta de lança, de 24 anos, é o melhor marcador da Liga 3 e, por isso, um dos pilares na subida do emblema ribatejano à II Liga.

Ao cabo de 30 jogos no campeonato, anotou 20 golos, superando as marcas de Gonçalo Gregório e Zequinha (15) nas edições anteriores.

Aliás, os pés de João Costa fervem de momento, uma vez que assinou sete golos nas últimas seis rondas. Por tudo isto – mas sobretudo pela carreira construída a pulso a partir da distrital de Lisboa – o Maisfutebol esteve à conversa com o avançado, depois de um domingo histórico.

O pontapé de saída desta entrevista remonta, então, à vitória dos ribatejanos na Covilhã, por 0-2, que selou a subida à II Liga, algo que não acontecia há 19 anos.

«É uma conquista que ficará para a vida. A chegada a Alverca é inesquecível. Tivemos muitos momentos de frustração nos últimos meses. Então, aquele golo do Pedro Jesus, no final do encontro, libertou sensações de alívio e felicidade extrema», descreve.

É a segunda promoção consecutiva à II Liga para João Costa, pois, na última época, vestiu o azul do Belenenses. Em simultâneo, é a terceira subida do avançado em quatro anos, uma vez que representou o Estrela da Amadora no Campeonato de Portugal (CP) na temporada 2020/21, ainda antes da criação da Liga 3.

Para compreender esta carreira importa recuar até 2011, quando, pela mão do pai, João Costa se estreou na formação do Clube Atlético e Cultural da Pontinha, em Odivelas. Por lá permaneceu até ao verão de 2016, quando integrou a formação do Loures.

Dois anos volvidos, a temporada de 38 golos em 29 jogos na segunda divisão de juniores valeu o convite para integrar esse escalão no Vitória de Setúbal.

«Partilhei balneário com o Bruno Ventura – que joga no Leixões – e com o João Valido, do Arouca. Nesse ano fui morar para Setúbal e partilhei casa com o Filipe Podstawski – irmão de Tomás Podstawski, formado no FC Porto – e é uma das melhores amizades que o futebol me deu», detalha.

Ainda que tenha contribuído para a permanência no Nacional de Juniores, a passagem pelos sadinos não correu de feição.

«Foi complicado, não tinha clubes interessados. Felizmente, um antigo treinador arranjou um lugar no Bocal, nos distritais de Lisboa. Como adoro o que faço, encarei aquele desafio como uma oportunidade», recorda.

De Mafra, João Costa seguiu para o Sintra Football. Apenas momentaneamente, pois a estrutura fundiu-se com o Clube Desportivo Estrela, originando o Club Football Estrela da Amadora. Como tal, o avançado integrou os treinos do «Tricolor», somando minutos na equipa B.

Assim, aos 20 anos, voltou a brilhar na distrital, com 17 golos em 12 partidas. Em simultâneo, disputou dois encontros no CP, o que valeu o nome inscrito no plantel que devolveu o Estrela aos campeonatos profissionais.

«Foi um feliz acaso, jogar num histórico e treinar sempre com os mais experientes. E, agora, o Estrela está no patamar que merece», argumenta.

A subida em Belém e o «sim» ao Alverca

Após nova passagem por Loures, João Costa terminou o contrato com o Estrela, apontando a novas paragens no distrito. No verão de 2022 assinou por outro histórico, que também sonhava com o regresso aos patamares de outrora. Falamos, claro está, do Belenenses.

Para a quinta promoção consecutiva do emblema do Restelo, o avançado contribuiu com nove golos em 26 partidas.

«Consegui mais espaço e um impacto maior. A época foi bem conseguida, ia tendo minutos, tanto a titular como desde o banco. Poderia ter sido melhor, porque queria superar os golos que fiz [na distrital] pelo Loures (13)», recorda.

Celebrada nova subida, João Costa optou por cimentar legado na Liga 3. Como tal, não hesitou na hora de dizer «sim» ao Alverca.

Depois de caírem no play-off de promoção à II Liga em 2022, diante do Sp. Covilhã, os ribatejanos foram terceiros no grupo de subida na última temporada. Ainda assim, o anseio de regressar aos campeonatos profissionais permaneceu intacto.

«Era já um plantel muito bem conseguido. Na última época perdi [pelo Belenenses] duas vezes. O objetivo do Alverca sempre foi subir», detalha João Costa.

Para galvanizar este sonho, o treinador João Pereira, então com 31 anos, assumiu o leme. Na bagagem trazia uma época promissora pelo Amora, na qual arrecadou a liderança da Série B, com oito pontos de vantagem sobre o Alverca (3.º).

«Fez um grande trabalho no Amora. Ainda que não tenha conseguido o objetivo na fase de subida, foi muito bom para época de estreia. Foi líder destacado», lembra João Costa, que venceu dois dos quatro encontros com João Pereira.

E quais as linhas que distinguem o trabalho deste jovem treinador, até 2022 adjunto na seleção de Moçambique?

«A ideia principal está na defesa. Estaremos mais próximos de ganhar se não sofrermos golos. De facto, resultou quando mudamos de quatro para cinco defesas. Somos a melhor defesa na fase de subida [cinco golos sofridos em 12 jogos]», detalha o avançado.

João Pereira, treinador do Alverca

Três muros superados

Por estes dias, o regozijo futebolístico inundou as ruas de Alverca. Recuperam-se memórias na Liga, assim como as noites de Mantorras, Deco e outras estrelas.

Para atingir este marco, a turma de João Pereira dobrou várias barreiras. Depois de um arranque de campeonato aquém, com um ponto ao cabo de três jornadas, o Alverca conseguiu três vitórias em cinco partidas. Nesse período, João Costa foi decisivo, com cinco golos.

Todavia, o desafio maior chegou no fecho da fase regular. Na tarde de 7 de janeiro, os ribatejanos foram derrotados na visita ao Atlético (3-1), vendo os «Alcastrenses» (3.º) ampliarem a diferença para quatro pontos.

«Estávamos numa posição delicada e precisávamos de três vitórias com 1.º Dezembro, Sporting B e Amora, fora. Tínhamos de acreditar, porque havia quem deixasse de depositar confiança. Dependíamos de nós e estávamos obrigados a dar tudo», recorda João Costa.

Sem margem de erro, os ribatejanos venceram os três jogos (2-0, 1-0 e 1-3), com o ponta de lança a anotar cinco dos seis golos. É, de facto, um talento a despontar. E sem descurar a humildade.

«O que nos fez ganhar foi a união do grupo. Conseguimos ganhar se eu marcar, mas também precisamos de defender», reitera.

A melhor fase do artilheiro

Sob radar das defesas contrárias – algumas apetrechadas de «velhas raposas» – João Costa foi obrigado a redobrar os esforços para alimentar a veia goleadora. Ao cabo de seis jornadas no grupo de promoção, anotava apenas dois golos.

Se, porventura, alguém o julgou neutralizado, então terá apostado mal. Desde 31 de março, o avançado compõe a melhor fase da época, com sete golos em seis rondas.

O primeiro passo foi firmado no «melhor jogo da época», na receção ao Lourosa (3-1). Não só foi o regresso aos golos, como assinalou a primeira derrota deste adversário na fase de subida.

«Foi importante para a subida, para mostrar à concorrência que temos qualidade. Era o momento que precisávamos», anota.

Sacudida a pressão, o Alverca – então terceiro, a dois pontos do Lourosa – delineou o assalto à liderança e derrotou Sp. Braga B, Atlético, Varzim e Covilhã, além de ter empatado com o Felgueiras.

Para João Costa, o emblema do distrito do Porto será companhia na ascensão à II Liga. E vai mais longe, apontando o Lourosa como candidato ao play-off de promoção.

«Tudo depende desta jornada, porque há Felgueiras-Sp. Braga B, um grande jogo», esclarece.

Os mestres de João Costa

A lenga-lenga dos 20 golos no campeonato não distraem o avançado das palavras dos mestres.

«Gosto de ouvir os mais velhos. Vários colegas aconselham-me, sobretudo o Vítor Bruno. Ajudou-me a potenciar valências, como a velocidade e o ataque à profundidade. Até porque remato bem com os dois pés, o que dificulta a missão dos defesas», desvenda.

Sobre este lateral, de 34 anos, habituado às lides de Liga e II Liga, o ponta de lança guarda apenas elogios. Aliás, as palavras de apreço são extensíveis ao restante plantel, que conta com outras caras conhecidas, como Diogo Salomão, Ricardo Dias ou Harramiz.

«Não marco sozinho. Tudo isto ajudou a libertar-me e a ler melhor os momentos do jogo. Estes jogadores, mais “batidos”, que já estiveram na Liga, transmitem serenidade. É importante ouvi-los», acrescenta.

Todavia, o trabalho não cessa por aqui. Foco em recuar e aprimorar a distribuição de jogo, propõe.

«Tenho melhorado o meu índice defensivo, o mister ajudou bastante. Disseram-me que defendia pouco e não ajudava tanto quanto podia. O ponta de lança é o primeiro defesa e é quem deve pressionar, com critério», remata.

Rui Silva e João Costa

«Cada um cresce ao seu ritmo»

De domingo, João Costa – ou John Back – recorda a maré de ribatejanos que recebeu os recém-promovidos. Ribatejanos de sangue e por afinidade.

«Os meus pais e a minha namorada estavam lá, seguem todos os jogos e sou grato por este apoio. Nenhum de nós esquecerá aquele dia», descreve.

Atualmente a morar em casa dos pais – lar a que regressou depois da fugaz aventura pelo Vitória de Setúbal – João Costa não teme arriscar e, pela primeira vez, jogar longe da capital.

«Quero estar na Liga. E até ir mais longe», reitera, espreitando o futuro.

Orgulhoso pelo caminho trilhado, do Atlético da Pontinha ao Alverca, o avançado reconhece que as etapas poderiam ser dobradas com outra celeridade se integrasse alguma academia de referência. Todavia, sem arrependimentos.

«É muito mais usual os jovens darem o salto pelas formações dos grandes e de clubes como Sp. Braga, Vitória de Guimarães ou Famalicão. Mas, não consegui. Ainda assim, estive bem, porque evoluí. Cada um cresce ao seu ritmo. Tenho muito orgulho na minha caminhada. Se cheguei ao Alverca e fiz esta época, quer dizer que o processo não correu assim tão mal. Estou muito feliz», termina.

Referenciado além-fronteiras

Apontando às duas jornadas que restam disputar, além da final da Liga 3, João Costa finta as questões quanto ao verão.

Ao que o Maisfutebol apurou, o futuro do avançado está a ser definido. Os pretendentes chegam de várias paragens, como Espanha, França, Suíça, Dinamarca e até Coreia do Sul. Em simultâneo, o objetivo de alcançar a Liga segue firme.

O desporto e as narrativas do tempo. Depois de ver o regresso à II Liga adiado às mãos do Sp. Covilhã – em 2023 – o Alverca selou o sonho à boleia da inspiração de um jovem lisboeta, que passou despercebido na subida do Estrela e deu cartas na promoção do Belenenses.

Por sua vez, João Costa chegou aonde era esperado, na hora certa, para ser uma das estrelas do Alverca.