O dia 28 do Mundial-2014 em cinco pontos:

1.
A Argentina nunca chegou, propriamente, a encantar neste Mundial: chegou às meias-finais com cinco triunfos à tangente e quase sempre embalada por momentos geniais de Messi. Hoje sem Di Maria, acabou por ter em Enzo Perez um novo ponto de equilíbrio. Voltou a não derramar magia, mas acabou por merecer a passagem, porque foi a seleção que mais procurou a sorte. A Holanda não pode sair desta meia-final sem um forte sabor a desilusão. A laranja perdeu o sumo ofensivo, raramente teve hipóteses de sonhar com o golo nos 120. Robben voltou a ser o mais perigoso, mas terá ficado bem abaixo de outras exibições que fez neste Mundial (e, com a perda da presença na final, terá perdido também a hipótese de ser o melhor jogador da prova). Terá sido das meias-finais menos interessantes da história dos mundiais. Sem golos, resolvido em penalties, com poucas oportunidades, excessivas preocupações táticas. Não deixará saudades, este duelo entre argentinos e holandeses em São Paulo.

2. Foi quase sempre uma Argentina equilibrada, com grandes preocupações táticas, que teve em Mascherano e Enzo Perez as suas unidades nucleares. Messi, desta vez, quase passou ao lado do jogo, tão marcado foi. Já por aqui escrevi que, por muito que não encante ninguém, o futebol da Argentina neste Mundial aponta para um certo padrão de futuro campeão: risco mínimo, talento mais do que suficiente, um génio para resolver quando menos se espera, equilíbrios coletivos crescentes. Tudo isto foi reforçado esta noite. Mesmo nos penalties, a Argentina mostrou veia de futura campeã: sem vacilar, aproveitando as fragilidades de Cilessen nesses momentos. Também conta.

3. A Holanda não merecia a final de 13 de julho. Semeou, por isso, o que colheu. Quem viu a laranja a golear a Espanha na primeira fase de grupos e viu agora na meia-final com a Argentina, praticamente nem reconhece. Convém reter este dado: em 240 minutos de jogo perante a Argentina e a Costa Rica, a Holanda não foi capaz de fazer um único golo. Para a seleção que, supostamente, seria a a que tinha melhores argumentos ofensivos (chegou a parecer isso na fase de grupos), é claramente deficitário. E fica uma questão do duelo pouco estimulante do Arena Corinthians: perante a perspetiva da repetição dos penalties, porque não voltou Van Gaal a apostar no trunfo Tim Krul?

4. E agora, Brasil? O que fazer depois do desastre? Um jogo não são jogos e não definem todo um trabalho de anos. Ok. Mas também é verdade que a humilhação de Belo Horizonte é daqueles acontecimentos que ficam para a história. Que se agarram à memória coletiva de um modo que, simplesmente, não se apaga. O choro desesperado de David Luiz na flash e a tristeza imensa na expressão de Júlio César (que tanta vontade tinha de terminar ali a sua participação que até se esqueceu que ainda há o terceiro lugar a disputar) dão conta do estado de exceção em que os jogadores brasileiros têm vivido. Há sonhos que, de tão grandiosos, rapidamente viram pesadelo, se nem tudo correr como se espera. Havia, desde o início, uma sensação de que este Brasil era curto para cumprir o sonho/obrigação do hexa em casa. O que falhou? Em primeiro lugar, a própria qualidade da seleção, abaixo de «excretes» de outros mundiais. Depois, a convocatória de Felipão: como é possível ter deixado Lucas Moura de fora, quando o extremo do PSG será, a seguir a Neymar e a par de Oscar, o jogador brasileiro mais dotado da sua geração? A aposta no «grupo» e na «família» não deve ser levado ao limite. O tempo de Felipão no escrete está a chegar ao fim e deverá ter a partida de sábado como despedida. A propósito: quanto daria o Brasil para abdicar desse momento penoso que será voltar a jogar neste Mundial, já sem o título ao alcance, e tão poucos dias depois do trauma dos 1-7?

5. A Alemanha chega à final de domingo como favorita. Pela eficácia com que tem abordado cada jogo neste Campeonato do Mundo. Por ser uma equipa, antes de tudo o resto e acima de qualquer interesse individual. O conjunto de Low tem unidades de enorme valor (Muller, Klose, Khedira, Kroos, alguns mais), mas tem, sobretudo, um coletivo fortíssimo, com processos consolidados. Os históricos 1-7 de Belo Horizonte ficarão para a história, mas não caíram do céu. Mostraram uma Alemanha focada, capaz de explorar de forma quase cruel as fragilidades do adversário (no caso do Brasil, foram mesmo muitas) e com um controlo emocional que chega a causar espanto (mesmo depois dos 1-7, não houve festejos descontrolados nem euforia desmedida, o próprio selecionador fez questão de destacar). Há dedo de Guardiola, há sim senhor, na forma como esta Alemanha pega no jogo e assume a iniciativa, de forma quase involuntária. Mas, acima de tudo, nota-se trabalho contínuo, apontado a objetivos comuns, não muito exposto a contrariedades do momento. E uma conjugação com estas virtudes, geralmente, dá bons resultados. Como será a história da final de 2014: a saber a 1986 (vitória da Argentina) ou a 1990 (triunfo da Alemanha)?

«Do lado de cá»
é um espaço de opinião da autoria de Germano Almeida, jornalista do Maisfutebol, que aqui escreve todos os dias durante o Campeonato do Mundo. Germano Almeida é também responsável pelas crónicas «Nem de propósito» e pela rubrica «Mundo Brasil», publicadas na revista MF Total. Pode segui-lo no Twitter ou no Facebook.