PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

SLOW MOTION:

«PAOLO MALDINI» – de Paolo Ameli.
E o homem sorriu. «Number three, number three? O número três é o Luisão».

Não sei se é falta de classe. Eu diria que é mesmo falta de educação.

O mesmo homem, durante o jogo, tinha humilhado publicamente um verdadeiro senhor. Um senhor que ganhou 17 títulos com a camisola do Benfica e que leva 44 anos ao serviço do clube. Shéu Han, um senhor.

E Shéu, por ser um senhor, engoliu em seco e aguentou a reprimenda pública. Como Raul José aguentou, como até Rui Costa suportou.

O tal homem, ao ver-se em bicos de pés na eliminatória europeia, teve gestos de uma infantilidade ridícula, patética até, para o treinador do Tottenham. Desrespeitou-o, como desrespeitou Shéu, Raul José e Rui Costa.

Não percebo, honestamente. Façam-me um desenho, contem-me a história como se eu tivesse só seis anos. Mas, então, não foi este homem que há dez meses ajoelhou no Dragão, vergado à enésima derrota diante do maior rival?

Não foi este homem, o sorridente trocista, que caiu com um estrondo insuportável na final de Amesterdão? Eu juraria que foi ele, o homem da graçola primária, a perder a final do Jamor contra um oponente mais fraco e a ser, no final, enxovalhado por um dos seus jogadores.

Este homem não aprendeu nada com o empurrão de Óscar Cardozo. Não aprendeu que ser um senhor, como é Shéu Han, não é um exclusivo dos vencedores. Ser um senhor é uma opção de vida, uma consequência de quem é bem formado.

Luisão é o número quatro. E um grande capitão. O número três, o verdadeiro número três, chama-se Paolo Maldini. Esteve 25 épocas consecutivas a servir o AC Milan, fez 647 jogos e 29 golos.

O filme que vos recomendo é sobre a vida e a carreira de um senhor. Admiro-o, sempre o admirei, como nunca poderei admirar o outro homem. Por mais títulos ele conquiste. E ele, aliás, nem isso tem conseguido.



PS: «Osage County» - de John Wells.
Meryl Streep tem aqui uma das melhores interpretações na história da Sétima Arte. Não é exagero. Cate Blanchett, fenomenal em Blue Jasmin, levou o óscar de Melhor Atriz, mas a opção só pode ser entendida como uma opção simpática pela alternância entre vencedoras. Streep veste a pela de uma mulher a lutar contra um cancro e a morte do marido. Dura, viciada em comprimidos, inconveniente e intensa. Uma atriz irrepetível.




SOUNDCHECK:

«COMO UN RAYO» - Ska-P.
O Rayo Vallecano é um clube especial. Soube-o em 1996, numa visita de estudo (com poucos livros) a Madrid. O nosso hotel ficava na zona de Vallecas e aproveitei para ir espreitar o velhinho estádio do Rayo. Falei com um grupo de adeptos, adolescentes como eu, e rendi-me às evidências.

É ótimo antipatizar com as forças dominantes. Principalmente se elas se chamarem Real ou Atlético.

Este texto é dedicado inteiramente ao meu bom amigo, e maior adepto do Rayo em Portugal, Francisco David Ferreira.

Romario no está, aqui no hay capital,
pero nos da igual, aqui hay calidad.
y si no te gusta, pues te vas,
porque, chaval (chaval), esto es vallekas.

Vamos rayito,

Vallekas está contigo y todo madrid.
fuerza en vallekas, demuestrale tu
destreza a todo el país.




PS: «Benji» - Sun Kil Moon.
11 músicas, letras sombrias, mortes trágicas, sofrimento, angústia. Se não gosta de música bela mas depressiva, não perca o seu tempo a escutar o sexto álbum dos Sun Kil Moon. Mark Kozelek, o cérebro executor por trás de todo o projeto, atinge aqui o zénite de uma carreira longa e profícua. Um trabalho elegante e arrepiante.

Na próxima digressão, a banda estará reforçada por Vasco Espinheira, excelso guitarrista dos portuenses Blind Zero. Um orgulho para o Vasco e o resto da banda.




VIRAR A PÁGINA:

«ON PENALTIES» - de Andrew Anthony.
Em 128 páginas, o autor disseca o trauma da Inglaterra pelas grandes penalidades. A recolha estatística é ótima, o tom divaga entre o rigor científico e a conversa de café, as conclusões são discutíveis. Para quem é treinador e tem uma equipa incapaz de se superar na marca do castigo máximo, este livro é uma excelente leitura. Já foi publicado há 13 anos e continua sustentadamente atual.

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas, livros e/ou peças de teatro através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.