Poucas equipas europeias ilustram melhor do que o atual PSV Eindhoven a ideia de que a noção do tempo é variável: cem anos podem passar a correr, mas há alturas em que dois meses parecem durar uma eternidade. Para o grande dominador do futebol holandês das últimas décadas (14 títulos entre 1986 e 2008), a pior crise de resultados dos últimos 40 anos é a pior forma de encerrar os festejos do centenário. A humilhante eliminação na Liga Europa - consumada nesta quinta-feira com uma derrota em casa diante do quinto classificado da liga da Ucrânia - foi só mais uma pedra na via sacra dos homens de Phillip Cocu, que somam uma vitória e oito derrotas nos últimos 12 jogos oficiais e não ganham para o campeonato desde outubro.

Fundado em 1913, por um grupo de trabalhadores da empresa de artigos de iluminação e eletrodomésticos que dominava toda a vida económica de Eindhoven, o PSV lutou durante os primeiros 60 anos de existência, para atingir estatuto idêntico aos grandes de Amesterdão e Roterdão. Foi só a partir da década de 70, com uma geração de grande talento e o investimento reforçado da casa mãe, que o objetivo começou a ser alcançado.

O definitivo ponto de viragem cruza-se com o futebol português, já que foi diante do Benfica, em 1988, que o PSV atingiu o ponto mais alto da sua história, tornando-se o terceiro clube holandês a vencer a Taça dos Campeões, depois do Feyenoord e do Ajax. Os 20 anos seguintes foram memoráveis: o clube tinha faro para o talento, e músculo financeiro para incursões no mercado que o fizeram, no passado, projetar no futebol europeu nomes como Romário e Ronaldo.

Mesmo passado esse período dourado, a equipa continuou a revelar à Europa talentos como Van Nistelrooij, Robben ou Afellay, enquanto acumulava sete títulos de campeão entre 2000 e 2008. Mas os sinais de crise começavam a chegar nesse ano e acentuaram-se quando o clube, minado por divisões internas, deixou de contar com as receitas regulares da Champions, a partir de 2009.

E se parece no mínimo imprudente estruturar a saúde financeira de um clube à volta das receitas das provas europeias, convém lembrar que para além de contar até aí com o investimento direto da casa mãe Philips, o PSV não tinha falhado uma única fase de grupos da Liga dos Campeões entre 1997 e 2008, com presenças dignas como a meia-final de 2005 e a ida aos quartos de final em 2007.

Mas com as ausências reiteradas a partir de 2008/09, o problema agudizou-se rapidamente. As receitas médias das participações na Liga Europa não iam além de 2 milhões de euros/época e, em 2011, pela primeira vez na sua história, o PSV teve de estabelecer um inédito (e polémico) acordo com a câmara de Eindhoven, a troco de terrenos, para evitar o recurso à administração judicial. Foi nesse contexto de dificuldades acrescidas que chegou o ano do centenário.

Nomeado sucessor de Dick Advocaat em agosto, Philip Cocu, um dos melhores jogadores holandeses da década de 90, já era um homem da casa: em 2012, como técnico interino, tinha ajudado o clube a conquistar o único troféu dos últimos cinco anos, uma Taça da Holanda. Respeitado, com perfil de formador de talentos, Cocu parecia a aposta certa para devolver solidez competitiva a um clube sem margem para contratações sonantes.

Mesmo a perda de referências como Strootman (Roma), Mertens (Nápoles) e Van Bommel (fim de carreira) parecia estar a ser bem solucionada pelo técnico, que em agosto, sem surpresa, viu a equipa falhar o acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões, depois de um play-off desequilibrado com o Milan. Era um contratempo mais ou menos esperado e não fez soar os sinais de alarme, até porque a seguir veio um bom início de Liga.

Com a ajuda de reforços de verão modestos, entre eles os ex-sportinguistas Stijn Schaars e Arias, mais o jovem Jeffrey Bruma e o experiente coreano Ji Sung-Park, Cocu conseguiu durante dois meses dar a ilusão de que tinha argumentos para discutir os lugares de topo. A 6 de outubro, data da última vitória caseira, sobre o Waalwijk (2-1), a equipa comandava o campeonato, destacada. E, pouco antes, tinha brindado o tricampeão Ajax com uma goleada sem apelo (4-0), que sugeria o regresso a Eindhoven dos recentes tempos de glória.

A espiral inacreditável de maus resultados e descrença começou aí, com uma derrota com o Groningen. Depois mais duas, com o Roda, e outras, intercaladas com um ou outro empate deprimente, diante do NAC, Feyenoord, até à goleada em casa, com o Vitesse (2-6). Esta última deu a medida de uma equipa à deriva, capaz de sofrer meia dúzia de golos perante os seus adeptos, três dos quais nos últimos cinco minutos.

Mesmo com adeptos realistas, que percebem a dificuldade do momento, a derrta com o Chornomorets acabou de esgotar a margem de crédito de Philip Cocu, que este domingo visita Utrecht com a obrigação de quebrar o ciclo: «Precisamos desesperadamente de uma vitória. A pressão é enorme e isso é normal, dado o lugar que ocupamos. Temos dois jogos até à pausa, e temos de dar tudo para conseguir dois bons resultados», admite o técnico, que também pensa em reforçar plantel e equipa técnica nas próximas semanas: «Vamos ver quais são as possibilidades, há coisas de que precisamos, entre elas um avançado. Temos vindo a jogar bem, mas continuamos a não aproveitar as oportunidades e isso não pode continuar, até porque continuamos a dar ofertas na defesa», afirmou depois da última derrota.

Um discurso que não pode deixar de soar estranhamente familiar a Schaars e Arias que, depois de participarem ativamente na pior época de sempre do Sporting estão a caminho de fazer o mesmo no PSV. Alguém acredita em bruxas?