San Juan de Ambato aninha-se no maior vale da Cordilheira Central dos Andes.

A mais de 2500 metros acima do nível médio das águas do mar, uma população de traço e coração indígenas entrega-se à agricultura, à pastorícia e ao comércio de subsistência. Vidas simples, rodeadas de tradição e orgulho no coração do Equador.

Até há pouco, Ambato era conhecida por ser a décima maior urbe do país e o local de berço de três famosos equatorianos: o ensaísta Juan Montalvo, o autor do hino nacional, Juan León Mera, e Juan Benigno Vela, personagem marcante no movimento de independência equatoriano.

O futebol, como em tantas outras ocasiões, mudou radicalmente o olhar sobre o povo local.

No final de 2013, o clube representativo destas 180 mil pessoas fez história: o Mushuc Runa SC subiu à primeira divisão do futebol equatoriano, tornando-se no primeiro emblema indígena a alcançar tal feito em todo o mundo.

«Quando entramos em campo, entramos com o orgulho do povo inca nos corações», diz ao Maisfutebol Andrés Usulle, vice-presidente do clube equatoriano.

A festa da subida à I Divisão:



Mushuc Runa significa Homem Novo em dialeto kichua e representa «o grito de libertação» de um povo. «Sentíamo-nos descriminados em tudo. Por sermos índios nem um crédito bancário nos era autorizado. Só vivíamos bem dentro da nossa comunidade. Era hora de mudar e mudámos».

O pilar fundamental de todo o projeto desportivo – e social – é a Cooperativa de Ahorro y Crédito Mushuc Runa. Fundada em 1997, a instituição nasceu com 38 funcionários e mudou radicalmente a forma como a população de Ambato olha para a vida.

«O desenvolvimento económico surgiu naturalmente e com isso a ambição das pessoas. Os índios eram conhecidos apenas por beberem muito e trabalharem pouco. Esta cooperativa sensibilizou as mentalidades e hoje temos advogados, bancários e médicos indígenas».

A reboque de todo o processo surgiu, há 11 anos, o Club Deportivo Mushuc Runa Sporting Club.

«No início o grupo de trabalho era formado exclusivamente por pessoas indígenas. Pouco a pouco isso foi mudando. A exigência competitiva obrigou-nos a procurar jogadores e treinadores de outras origens [o técnico é argentino], mas mantendo sempre as nossas raízes», explica Andrés Usulle.

Los del Poncho – a alcunha refere-se aos ponchos vermelhos tão tradicionais nesta zona do planeta – estão a superar todas as expetativas. A cinco jornadas do fim ocupam o oitavo lugar da Serie A do futebol do Equador e já sonham com a participação «a médio prazo» nas provas internacionais.
 

«Tudo começou com o objetivo da inclusão do povo indígena nos mais diversos setores da sociedade equatoriana», acrescente o dirigente do clube.

«O projeto é sólido e crescerá mais com o nosso novo estádio. Um projeto de fazer inveja a qualquer clube profissional»
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Esse novo estádio nasceu na comunidade de Echaleche, parte da província de Tungurahua, a uma altitude de 3200 metros. Promete ser uma fortaleza inexpugnável.

«Através do Inty Raymi (ritual andino de homenagem ao sol) continuaremos a honrar o nosso povo, diariamente. Queremos demonstrar que há muito mais no nosso sangue do que a tendência para o ócio», esclarece o dirigente do Mushuc Runa SC.

O objetivo está perfeitamente atingido. No Equador, quando se fala da cidade de Ambato e da província de Tungurahua já se fala, sobretudo, de uma grande equipa indígena de futebol.

As serras, as mulheres a vender arroz nas esquinas, os vulcões e os tremores de terra continuam a ser a essência da região. Domingo à tarde, porém, todos param para espreitar os jogos do Ponchito.  

Até onde vai este Mushuc Runa Sporting Club?

Um ano histórico em imagens: