As imagens que nos chegam pela televisão são aterradoras. Milhares de pessoas a tentar desesperadamente deixar a casa que era delas, a cidade que era delas, o país que era delas. Idosos, mulheres, crianças e bebés num êxodo agonizante em direção ao desconhecido.

O conflito já provocou a maior vaga de refugiados na Europa desde a II Guerra Mundial: dois milhões e meio de pessoas deixaram o país e dois milhões estão deslocados internamente.

Para a vizinha Polónia, o primeiro país protegido pelo chapéu da NATO, já seguiram mais de um milhão de pessoas. Boa parte delas vão em direção a Cracóvia, a maior cidade que fica na linha da estrada 40, que liga a Polónia a Lviv, no extremo ocidental da Ucrânia.

Mais uma vez as imagens mostram-nos milhares de pessoas a chegar todos os dias à cidade e a serem instaladas em pavilhões, escolas ou acampamentos. À espera da próxima viagem.

Para nós, que observamos ao longe, é doloroso. Mas como será para quem vive em Cracóvia?

Para responder a esta pergunta, o Maisfutebol falou com Luís Rocha, lateral esquerdo de 28 anos que se formou e deu a conhecer no V. Guimarães. O jogador está há quatro anos na Polónia, representa atualmente o KS Cracóvia e assiste a tudo de coração partido.

«Os ucranianos chegam desfeitos, claro. Ainda hoje estava a falar com colegas de uma fila de mais um quilómetro de ucranianos à porta de um edifício, para irem buscar um saco com alimentos, à hora de almoço. Deve ser das poucas coisas que eles têm, porque a maior parte vem sem nada, praticamente só com os documentos e a roupa no corpo», conta.

«Com a passagem dos dias, vê-se cada vez mais ucranianos na cidade, a percentagem de carros ucranianos já começa a ser igual à de carros polacos, por exemplo. Há uma chegada massiva de refugiados. Os polacos, um pouco como acontece em Portugal, acompanharam estas duas semanas com grande consternação e estão a tentar ajudar com o que podem.»

A solidariedade dos polacos tem sido o que mais tem marcado Luís Rocha, aliás.

«O que se nota mais é a vontade de ajudar, de ir à fronteira levar medicamentos, roupa, comida, tudo o que é preciso. Até mesmo para trazer refugiados e dar-lhes abrigo», sublinha.

«Há muita gente de Cracóvia a ir à fronteira buscar ucranianos em carros particulares.»

A solidariedade com o povo ucraniano tem sido geral e Luís Rocha refere que «que quase todos os restaurantes e cafés estão a fazer recolhas de bens para levar para a fronteira».

O português acrescenta também que a preocupação em ajudar tem servido para disfarçar, ou pelo menos para desvalorizar, a preocupação que deve roer no peito dos polacos.

«Eles não mostram muita preocupação, mas eu acho que estão preocupados. Mas não mostram medo, não sei se é por terem passado por uma coisa igual não há muito tempo. Acho que talvez por isso conseguem controlar-se mais. Se fosse no nosso país entraríamos muito mais em pânico. Eu acho que estão com medo, mas não mostram muito. Também porque são pessoas frias e as expressões faciais deles são sempre iguais.»

As pessoas, de resto, esforçam-se para que o dia a dia continue a correr normalmente.

«A vida em geral está tudo praticamente igual. As pessoas estão a agir da mesma forma, continuam a ir trabalhar e a fazer a sua vida normal. Nesse aspeto está tudo igual».

A diferença encontra-se quando se liga a televisão e, sobretudo, quando se sai à rua. Há muito mais movimento, muito mais sofrimento, há até mais segurança.

«No centro da cidade vê-se grupos de militares, que eu acho que são americanos, e dá para ver que eles já estão por aqui e preparados para alguma coisa, se for preciso.

«De resto, tem havido um aumento muito grande de movimento, claro, tanto de pessoas como de carros, porque há muitos refugiados que vêm nos carros deles, e vê-se muita gente no centro, sobretudo em frente ao consulado dos Estados Unidos. Polacos a manifestarem-se, mas também ucranianos que vão para lá tentar arranjar uma solução para a vida deles.»

Luís Rocha assiste a tudo com amargura, mas não sente que para já corra perigo. É certo que as últimas semanas já mostraram que Vladimir Putin é capaz de tudo, e a Polónia é a porta de entrada da Rússia na NATO, mas o lateral sente que para já não há motivos de preocupação.

«Honestamente nos primeiros dias foi tudo muito confuso e meteu um pouco mais de medo, porque era novidade para nós, e quando falo em nós falo na minha família. Estávamos sempre a ver notícias, sempre ansiosos com o que se passava e também por isso a minha mulher e a minha filha foram logo para Portugal», garante.

«Não é que eu ache que não estejamos seguros aqui, porque sinceramente acho que estamos, mas por uma razão de precaução considerámos melhor elas ficarem em Portugal. No caso de acontecer alguma coisa, é muito mais fácil desenrascar-me sozinho.»

O problema para já não é ele. São os outros. Idosos, mulheres, crianças que perderam tudo.