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Entrevista: Meyong, a infância com 24 irmãos e a chegada à Europa

Camaronês terminou a carreira aos 37 anos, duas décadas depois de ter deixado o país natal. A vida em Yaoundé e como tudo começou

A poucos meses de completar 37 anos, chegou a vez de Albert Meyong Zé dizer basta. O avançado camaronês decidiu dar ouvidos ao corpo e pôr fim longa carreira e pôs fim a uma longa carreira ao serviço do clube que lhe abriu as portas em Portugal e que representou em três ocasiões: o V. Setúbal. Para trás ficam muitas recordações e alguns títulos coletivos e individuais.

Numa longa entrevista ao Maisfutebol, Meyong passou em revista o percurso de uma vida dedicada ao futebol. Desde os primeiros pontapés em Yaoundé, capital dos Camarões, no seio de uma família com mais 24 irmãos, passando pelo momento-chave em que foi recomendado pelo treinador do Benfica B ao V. Setúbal, a história incrível a seleção dos Camarões nos Jogos Olímpicos de Sydney em 2000.

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O antigo jogador, que vai integrar a equipa técnica sadina na próxima temporada apesar de continuar a receber propostas de outros clubes para reconsiderar o adeus aos relvados, falou ainda sobre a relação especial que mantinha com Jorge Jesus, treinador que o orientou em três clubes, do Sp. Braga quase campeão em 2010 e explicou por que razão (ou razões) recusou o FC Porto em 2013 para ir jogar para Angola.

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Nasceu em Yaoundé, capital dos Camarões. Quais são as recordações mais antigas que tem da infância?

Recordo-me de jogar nas ruas e na escola com os meus irmãos. Venho de uma família com muitos irmãos.

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Quantos?

[risos] O meu pai tinha três mulheres e no total éramos 25 irmãos, entre mulheres e homens. Da parte da minha mãe somos seis irmãos. Éramos muitos e dava para fazermos uma equipa de futebol. Alguns dos meus irmãos também jogavam muito bem. Nenhum chegou a profissional como eu, mas dois deles chegaram a jogar na primeira divisão dos Camarões.

Sempre quis ser futebolista?

Sim. Sempre quis. Gostava muito de jogar à bola e também tinha jeito. Só que havia um problema. O meu pai era muito rígido e queria que eu me dedicasse só à escola. Ele era professor e não dava espaço para outra coisa: estudar é que era importante. Só jogava nos intervalos e quando tinha tempo, sempre depois dos estudos.

Ele não o deixava jogar numa equipa?

Não. Só fui para uma equipa quando ele faleceu, quando eu tinha 14/15 anos. Nessa altura ficámos só com a minha mãe para pagar as despesas e ela não trabalhava. A vida começou a ficar um pouco difícil. Nos Camarões, a escola é paga e só vai para lá quem tem condições. E a minha mãe tinha dificuldades para pagar os meus estudos e os dos meus irmãos. Foi nessa altura que o Tonnerre Yaoundé, a equipa onde jogou o Roger Milla, apareceu. Pagava-me tudo: escola, alimentação e a minha mãe deixou-me ir jogar futebol. Depois fui para o Canon Yaoundé com 16 anos. Naquele tempo essas eram as duas maiores equipas dos Camarões.

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Não tomávamos um pequeno-almoço considerado normal, com leite e pão. Eram os restos do dia anterior. Mas éramos felizes. Havia quem nem tivesse comida e nós tínhamos»

Tinha um salário?

Tinha um contrato, mas pagavam se quisessem. Dependia da boa vontade dos dirigentes [risos]. O dinheiro que recebi foi do prémio de assinatura: devia dar cerca de 4 mil euros. Peguei nesse dinheiro e entreguei-o todo à minha mãe. Não sabia o que havia de fazer com ele. E ganhava também 2 euros por treino: assinava uma folha de presença, treinava e depois recebia. Vivia do prémio de assinatura, do que recebia pelos treinos e de um ou outro prémio de jogo.

E chegava?

Chegava e sobrava. Para comer, ir à escola e pagar os transportes. Dois euros lá é muito dinheiro.

Não passou por muitas dificuldades?

Do género de passar fome, não. Não tomávamos um pequeno-almoço considerado normal, com leite e pão. Eram os restos do dia anterior. Mas éramos felizes. Havia quem nem tivesse comida e nós tínhamos. Eu só comecei a beber leite já quando jogava futebol. Pegava nos 2 euros do treino e bebia. As minhas filhas bebem leite a toda a hora. Eu não tinha isso, mas não significa que passássemos mal. África ajudou-me a formar o meu carácter e hoje eu sei que nada cai do céu.

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Ainda costuma visitar a família?

Todos os anos. Tenho lá os meus irmãos todos.

Deixou os Camarões com 17 anos e foi jogar para Itália.

Fui para o Ravenna. Olhando para trás, talvez fosse melhor ter esperado mais um pouco e sair depois para uma equipa melhor. O Samuel Eto’o, por exemplo, saiu para o Real Madrid. Eu era júnior, jogava com os grandes e fazia golos. Queria tanto vir para a Europa que não pensei muito na altura. Mas foi uma oportunidade que agarrei.

Foi difícil deixar tão novo a família?

Foi o momento mais difícil que passei. Fui habituado a estar rodeado de gente e, de repente, fiquei sozinho, a viver numa casa com um jogador da equipa primavera [juniores]. Não falava italiano e às vezes chorava. O meu empresário [n.d.r.: Thomas K’Kono, antigo guarda-redes internacional pelos Camarões] dizia-me que ia doer, que era normal chorar, mas que ia passar. E passou.

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