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Anatomia de um jogo  |  

1991: Estrela Vermelha-Bayern, drama, frangos, cheiro a guerra e o fim da história

«Anatomia de um jogo»

Na última Taça dos Clubes Campeões Europeus decidida totalmente em eliminatórias venceu uma equipa do Leste da Europa pela segunda e última vez (depois do Steaua). Em 1991, debaixo da ameaça de uma guerra que vai dividir por completo o seu país, o Estrela Vermelha, ou melhor o Crvena Zvezda, levanta o caneco mais desejado em todo o continente. Se no jogo decisivo em Bari ganha nos penáltis aos primeiros Galácticos da história, o Marselha de Bernard Tapie, antes tem de desembaraçar-se do poderoso Bayern Munique, a duas mãos.

A verdade é que este Estrela Vermelha não é, talvez injustamente, considerado uma das melhores equipas da história. Injustamente porque se olharmos para alguns dos nomes que compõem o seu onze estes fazem com que recordemos muitos bons e belos momentos do jogo: Sinisa Mihajlovic, Robert Prosinecki, Dejan Savicevic e até Darko Pancev. Injustamente ainda porque se todos os grandes vencedores são lembrados por alguma coisa o emblema de Belgrado não foge à regra: é mestre do contra-ataque. O seu futebol, o futebol que derruba o Bayern no Marakana nos últimos segundos, é feito de pressão agressiva e de transições velozes e bem desenhadas.

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A primeira lição, em Munique

Os jugoslavos espalham-se em campo numa espécie de 4x1x4x1 elástico, com linhas mais recuadas, mas ao mesmo tempo com pressão forte no meio-campo e, já sabem, respostas rápidas em contra-ataque.

O exemplo foi dado na primeira mão, no Olímpico de Munique, com a reacção a um primeiro golo de Wohlfarth, aos 22 minutos. Em cima do intervalo, já nos descontos, acertaram um autêntico soco no estômago dos bávaros.

Marovic anulou a abertura de Olaf Thon para Marovic, que, apertado, colocou a bola em Radinovic e este, por sua vez, enviou-a para o seu líbero. Belodedici vinha em seu auxílio. O romeno deixou em Prosinecki, e este fez o seu papel com mestria: bola em profundidade na direita para Binic – que já tinha batido um sprinter numa rábula publicitária para um jornal – deixar para trás Pflüger em velocidade. O cruzamento entrou entre Köhler e Aumann, e Pancev emendou ao segundo poste. Perfeito! Simples, e perfeito!

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No início da segunda parte, o Estrela Vermelha voltou a marcar, por Savicevic, e garantiu surpreendente vantagem para defender em Belgrado.

Ambiente febril no Marakana

Os primeiros tiros da guerra dos Balcãs tinham sido disparados entre as duas mãos. Os extremistas croatas lançaram três mísseis Ambrust contra a cidade de Borovo Selo, predominantemente sérvia. O ambiente é tenso, nervoso, com 76 mil no Marakana. Sente-se o cheiro da guerra. Nas bancadas, os adeptos febris agitam balões brancos e gritam como loucos. À beira de uma histórica final europeia. A guerra fraticida poderá esperar mais um pouco.

Aos 25 minutos, um livre (com desvio) do futuro especialista Sinisa Mihajlovic vale a primeira explosão nas bancadas e uma boa margem para garantir a viagem até à final de Itália. No entanto, os ainda jugoslavos começam a fraquejar. O guarda-redes Stevan Stojanovic, aos 62 minutos, deixa passar um remate inofensivo de Klaus Augenthaler entre as pernas, num daqueles frangos típicos que atormentam qualquer guarda-redes que se preze. E, cinco minutos depois, Manfred Bender assina o 1-2, colocando os alemães em igualdade no embate.

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O plantel do Estrela Vermelha em 1991

«Klaus Augenthaler marcou um golo que passou por baixo de Stojanovic, um erro. Os alemães começaram a correr a tudo, e de repente estava 2-1 por Bender. Estávamos muito tensos porque o momento virou-se contra nós. Os alemães acertaram no poste, e se tivesse ido para prolongamento provavelmente perderíamos» (Binic)

Nos últimos minutos, os germânicos continuam a atacar a baliza local, e o poste salva mesmo Stojanovic e os seus pares. Os alemães estão dispostos a provar, uma vez após outra, que no fim ganham sempre eles. Só a sorte parece carregar a equipa de Ljupko Petrovic para o prolongamento.

Só que no seu último ataque, já nos descontos, o Estrela Vermelha marca. Mihajlovic coloca na área rasteiro – a intenção é, parece, um cruzamento por alto –, e o excelente Augenthaler transforma um alívio fácil para longe numa rosca para a sua baliza. Mesmo assim, está fácil para Aumann. O guarda-redes veste também ele a pele de réu, talvez o maior dessa época. Não arrisca agarrar e tenta passar a bola por cima da trave para canto, mas o que faz é uma tapinha para as suas próprias redes. Anedótico-

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A sorte é muito importante no futebol. E naquele momento brilhou sobre nós» (Stojanovic)

A festa em Bari

A sorte bate sempre duas vezes (antes de ir de vez)

O Estrela Vermelha vai ganhar em Bari, e não volta a ser o mesmo. Para consegui-lo, perante uma das melhores equipas continentais, que até tinha contratado o talentoso ex-Estrela Vermelha Dragan Stojkovic, não abdica das suas ideias.

Se tivéssemos encarado o jogo com mentalidade atacante, teríamos provavelmente perdido, não só porque o Marselha era melhor do que nós, mas também porque estavam mais habituados a grandes jogos como este. Tínhamos uma equipa cheia de jogadores de 21, 22 e 23 anos» (Mihajlovic)

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Savicevic contaria anos depois, em entrevista à Associated Press, que a equipa recusaria um suborno para perder essa final.

Não é secreto nenhum. Ando a dizer isto há algum tempo e nunca o neguei: 500 mil marcos foram-nos oferecidos. Recusámos porque não está no nosso carácter. Toda a gente soube, perguntem a Stojanovic ou Prosinecki.»

Prometia ser o início de algo especial, de um novo ciclo com uma equipa espectacular, mas não foi mais do que o canto do cisne, não só para o Estrela Vermelha mas para toda a Jugoslávia. Um ano depois de Bari, Prosinecki mudou-se para Espanha e para o Real Madrid. Pancev, Mihajlovic e Savicevic foram atraídos à Serie A. Só o primeiro não foi feliz, no Inter, sendo mesmo acusado de fingir uma lesão para não ir para o banco. Os outros acumularam jogos e muitos golos, na era dourada do calcio.

Com a guerra da Jugoslávia e o desmembramento da URSS (gradual até ao final do ano), o poder das equipas de leste implodiu. O talento passou também a emigrar para Oeste, e o futebol europeu ainda ficou mais inclinado.

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Os agora sérvios terão sempre, no entanto, o 24 de abril de 1991 em Belgrado e, depois... Bari.  

Uma equipa recheada de talento

FICHA DO JOGO Estrela Vermelha-Bayern Munique, 2-2 (3-2 no agregado) Taça dos Clubes Campeões Europeus, meias-finais (2ª mão), 24 de abril de 1991 Estádio Marakana, em Belgrado Árbitro: Bruno Galler (Suíça)

ESTRELA VERMELHA – Stevan Stojanovic; Miodrag Belodedici; Dusko Radinovic, Slobodan Marovic e Refik Sabanadzovic; Vladimir Jugovic; Dragisa Binic, Robert Prosinecki, Dejan Savicevic e Sinisa Mihajlovic; Darko Pancev (Vlada Stosic, 90) Treinador: Ljupko Petrovic

BAYERN – Raimond Aumann; Stefan Reuter, Klaus Augenthaler, Roland Grahammer; Manfred Bender, Manfred Schwabl, Thomaz Strunz, Stefan Effenberg e Olaf Thon; Brian Laudrup e Roland Wohlfarth Treinador: Jupp Heynckes

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Marcadores: 1-0 Mihajlovic (25); 1-1, Augenthaler (62); 1-2, Manfred Bender (67); 2-2, Augenthaler (90 pb)

Veja o jogo completo:

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