O fosso para a elite já não assusta como dantes
Andebol do FC Porto vai assinando o melhor desempenho português na Liga dos Campeões. Sinais de crescimento na modalidade?
Quando a equipa de andebol do FC Porto, heptacampeã nacional, receber, neste sábado (18 h), os espanhóis do Naturhouse La Rioja, não estará apenas a jogar uma cartada importante no seu trajeto europeu deste ano. Independentemente do desfecho perante os líderes do grupo C da Liga dos Campeões, o facto de os dragões chegarem à oitava jornada com plenas condições de lutar pela passagem aos oitavos de final é sinal de um forte crescimento internacional. Para mais num ano marcado pela sucessão de um treinador como o sérvio Ljubomir Obradovic, que orientou os dragões com pleno sucesso entre 2009 e o último verão.
Rosto da modalidade portista nas últimas duas décadas, primeiro como técnico, depois como dirigente, José Magalhães assumiu a aposta em Ricardo Costa e esta revelou-se um tiro certeiro. Depois de ganhar galões de técnico principal no Maia, o antigo jogador do clube, e adjunto de Obradovic, assumiu, com apenas 38 anos, uma herança pesada. Ajudado pela experiência internacional e pela passagem, enquanto jogador, pelo exigente campeonato espanhol, o sucessor do sérvio não se limitou a manter a dinâmica de vitórias dos últimos anos: aproveitou os reforços numa estrutura consolidada para dar um cunho pessoal à equipa, fazendo com que ao início demolidor na competição interna – 12 vitórias nas primeiras 12 jornadas – se juntasse também uma subida de patamar na afirmação internacional.
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O melhor desempenho desde 1994
É verdade que o contexto também ajudou: a nova fórmula da Liga dos Campeões, iniciada esta época, aumentou o número de vagas diretas de 24 para 28, beneficiando o representante português. Ao mesmo tempo, a nova Champions escalonou os quatro grupos pelo ranking das equipas. No A e no B, com oito equipas cada, ficaram os frequentadores habituais da prova, com os seis primeiros a terem garantida a continuidade na prova. Já nos grupos C e D, com as equipas de ranking inferior, só haverá duas vagas para os oitavos de final. É por uma dessas vagas que o FC Porto está a lutar, registando até ao momento cinco vitórias em sete jornadas, que lhe valem o segundo lugar no grupo, a par dos bielorrussos do Meshkov Brest.
Classificações da Liga dos Campeões
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Regulamento da Liga dos Campeões
Se o lateral esquerdo Gilberto Duarte, para muitos o melhor jogador português da atualidade, resiste para já aos apelos do estrangeiro e se manteve como a referência habitual, sendo um desequilibrador por excelência, o peso da costela cubana é uma evidência nesta equipa portista. Para lá do já naturalizado Alfredo Quintana, habitual dono da baliza da seleção portuguesa, a dupla de pivôs formada por Alexis Borges e Daymaro Salina permite equilibrar, na defesa, o confronto atlético com os gigantes habituais da Champions. Depois, a politica de dois jogadores de valor semelhante por posição permite manter um nível alto durante mais tempo, gerindo os efeitos do desgaste físico.
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Este é, para todos os efeitos, o melhor desempenho de uma equipa portuguesa na principal competição europeia de clubes, pelo menos desde que o ABC, orientado pelo saudoso Aleksander Donner, chegou surpreendentemente à final, em 1994 – mas numa altura em que a concorrência era menor, visto que ainda não havia fase de grupos nos moldes atuais.
Em 2013/14, com Obradovic ao comando, o FC Porto conseguiu uma primeira entrada na fase de grupos concluída com uma prestação honrosa mas que, com duas vitórias em dez jogos, deixou claro o grande fosso que ainda o separava da elite. Aconteça o que acontecer com o La Rioja, e nas restantes jornadas, esse fosso é comprovadamente mais estreito, o que legitima a ambição, comum a Ricardo Costa e a José Magalhães de ver, em breve, a equipa a ganhar acesso aos dois grupos do topo. «Fomos conseguindo organizar a equipa de forma a procurarmos manter o domínio interno mas acrescentando-lhe qualidade internacional. Tentámos fazer uma aposta um pouco mais séria, procurando alguns atletas que preenchem parâmetros de competição a este nível», resume José Magalhães, fazendo alusão à componente física que tantas vezes faz a diferença no plano internacional – e que é ilustrada na dupla cubana que preside ao sistema defensivo 6x0 dos dragões.
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«Não se pode deitar dinheiro fora»
Tendo-se reforçado em casa dos rivais – entre os cinco reforços deste defeso, o ponta-direita António Areia chegou do Benfica e o central Rui Silva deixou o Sporting – o FC Porto continua a acentuar um domínio que nem sempre é bem aceite nos círculos da modalidade, quer por uma política de contratações agressiva, que se estende aos escalões de formação, quer pelo reforço da aposta em jogadores estrangeiros – seis na atual temporada: um francês, um checo, um brasileiro e três cubanos - seguindo a tendência dos plantéis dos outros participantes na Champions.
José Magalhães desvaloriza as críticas e explica o sucesso desportivo de outra forma, reconhecendo que a prospeção de mercado é fundamental: «Não lhe vou dizer o que faço para não dar pistas a outros. Mas a porta que se abriu em Cuba foi brilhante, por exemplo. E já muitas equipas internacionais vieram sondar o valor dos atletas que lá fomos buscar. Mas a regra de ouro é que temos de ser cirúrgicos, não podemos gastar dinheiro de qualquer maneira. E se calhar outras equipas não são tão cirúrgicas quanto nós temos sido. No andebol não se pode deitar dinheiro fora.»
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O responsável pelo andebol do FC Porto rejeita a ideia de que o campeão português tenha margem para reforçar o investimento nos próximos tempos: «Não acho que seja fácil contratar mais alguém, mas isso não nos desvia da pretensão de integrar o grupo de cima. Mas estamos a competir com equipas muito fortes e se, por qualquer motivo, não o conseguirmos desta vez, vamos continuar a querer entrar nesse patamar.»
Seleção pode colher frutos
A coincidir com a boa campanha portista deste ano há outros sinais de que o andebol português, no seu todo, tenta reaproximar-se do estatuto internacional que chegou a ter no início do século XXI, com presenças regulares em grandes competições de seleções. Mesmo sendo a terceira prova do calendário europeu, de um nível bem inferior à Champions, é de lembrar que Sporting, Benfica e ABC chegaram, nos últimos anos, a finais da Taça Challenge - que os leões venceram mesmo, em 2010. A saída de jogadores portugueses para ligas de topo é outro desses indícios. Neste verão, o FC Porto perdeu João Ferraz para o melhor campeonato do mundo, o alemão. O ex-portista Wilson Davyes está há duas épocas a jogar na Liga francesa, para onde também rumou neste verão o pivô José Costa (ex-Benfica).
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Costa (Montpellier) e Tiago Rocha (ex-FC Porto, atualmente no Wisla Plock, da Polónia) reforçam o contingente português nesta edição da Liga dos Campeões, e este hábito de competição internacional pode ajudar a seleção a quebrar um jejum prolongado de uma década: no início do mês, Portugal venceu o quadrangular de acesso ao play-off, estando bem colocado para tentar uma vaga na fase final do Mundial 2017.
José Magalhães concorda que a tendência é para melhorar: «O andebol do FC Porto tem tido o prazer de continuar a liderar internamente, mesmo colocando o Wilson Davyes, o Tiago Rocha ou o Ferraz nos palcos internacionais. Mas sinceramente espero que apareçam outras equipas com o mesmo grau de ambição. Era importante que todos pudessem remar para o mesmo lado no crescimento da modalidade, porque em Portugal há atletas com condições para estar nos Europeus e Mundiais e entrar nos patamares de excelência, nos clubes e também na seleção.»
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