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Belenenses  |  

«O que fizemos no Belenenses é quase como jogar o modo carreira do Football Manager na vida real»

Alex Figueiredo e André Serra são os dois sobreviventes da equipa que mergulhou na última divisão distrital. Eles são no fundo os protagonistas desta história e partilham com o Maisfutebol memórias como o primeiro treino, as deslocações aos campos dos Distritais, o jogo mais especial ou até a reverência que os adversários mostravam pelo Restelo. No fim fica uma certeza. «Quando um dia contar aos meus netos como tudo isto aconteceu tenho de lhes mostrar alguns vídeos como prova, ou eles não vão acreditar em mim.»

O conto de fadas do Belenenses seguramente ainda vai dar que falar: vai dar origem a livros e quem sabe pode dar até um filme. Se fosse em Inglaterra, dava de certeza. Um histórico que se revolta, se reinventa, mergulha no poço e faz degrau a degrau o caminho até à felicidade.

Parece argumento para uma epopeia.

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Curiosamente houve dois jogadores que estiveram sempre presentes: André Serra, de 24 anos, e Alex Figueiredo, de 25 anos são protagonistas principais, portanto. O Maisfutebol juntou-os no Restelo para uma conversa sobre esta aventura histórica em forma de poema épico.

«Por acaso os meus colegas brincam comigo que eu quando for mais velho devia escrever um livro sobre isto», começa por contar André Serra.

«Ter cinco anos e cinco subidas seguidas é uma coisa especial. Acho que na altura quando cheguei não pensava que as coisas iam correr como correram. Foi um feito tremendo e estou muito grato ao Belenenses por me ter permitido viver tudo isto.»

Alex Figueiredo imagina como será contar este feito um dia aos netos.

«Não vai ser fácil. Se os netos forem muito pequenos vão pensar que é uma história de encantar, se forem maiores provavelmente não vão acreditar em mim. Vou ter de ir buscar fotos e vídeos para lhes mostrar provas e eles perceberem que não estou a mentir», sorri.

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«Mas começo por lhes dar uma ideia do que é um clube muito grande a começar completamente do zero. Como há muita malta que joga o Football Manager, posso pegar nesse exemplo e dizer que é quase jogar o modo carreira na vida real: é pegar num clube do zero, lá no fundo de tudo e com orçamentos reduzidos, com as coisinhas todas controladas, ir subindo de divisão atrás de divisão. É um gozo enorme.»

Tudo começou com treinos à noite e prémios que não se usam nos Distritais

Alex Figueiredo já era prata da casa antes do Belenenses se atirar para a segunda divisão distrital. Tinha cumprido o último ano de juvenil e os dois de juniores no clube, até no primeiro ano de sénior ser cedido pela SAD ao Praiense, que disputava o Campeonato de Portugal.

Quando se lhe pergunta qual foi o dia mais especial destes cinco anos, não tem dúvidas.

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«Um dos dias que mais me vem à cabeça foi quando o presidente me ligou, porque queria marcar uma reunião comigo e mais cinco ou seis colegas. Queria falar connosco, mas não podia ser por telemóvel, tinha de ser cara a cara. Reunimos lá em cima, no camarote e ele explicou-nos o que ia acontecer daqui para a frente e que queria contar connosco», recorda.

«Foi assim que fomos os primeiros seis ou sete a assinar. Era malta que já se conhecia dos juniores, todos achamos que isto tinha pernas para andar, o treinador Nuno Oliveira também estava connosco e esse é o primeiro dia que me vem sempre à cabeça.»

Depois disso foram exatamente 125 jogos de campeonato, sem contar com as partidas das taças de Lisboa e de Portugal, e mais de mil treinos para colocar o Belenenses onde ele está agora: na II Liga e de regresso aos campeonatos profissionais.

«Inicialmente não foi uma decisão fácil, no sentido em que sair do Campeonato de Portugal para ir para a segunda divisão distrital eram muitos passos atrás, mas ao mesmo tempo eu tinha a oportunidade de tirar uma licenciatura, que era uma coisa que queria muito», adianta.

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«Por um lado, calhou bem porque os treinos nessa altura eram à noite, por volta das 20:30 ou 21 horas. Por outro lado, foi uma altura difícil, porque eu saía daqui às onze da noite para acordar às seis da manhã e ir para a Faculdade. Mas valeu a pena. Conseguimos sempre ir alcançando os nossos objetivos e eu tirei a licenciatura em Desporto em três anos.»

Nessa altura, aliás, ninguém tinha contrato profissional. Os treinos eram sempre à noite e os jogadores eram amadores: uns estudavam, outros trabalhavam. Só quando a equipa subiu ao Campeonato de Portugal é que passou a fazer as sessões de trabalho durante o dia, aliás.

«Recebíamos um valor para deslocações e prémios de jogo, que era um bom valor comparado com a realidade da Distrital de Lisboa, mas éramos amadores. Tínhamos os nossos trabalhos. Eu estudava de manhã e à tarde, havia malta que trabalhava oito horas por dia ou mais até, e à noite estávamos aqui. Ginásio, treino, tudo normal.»

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Uma estrutura muito forte a nível da preparação física, ginásio e análise de vídeos

Alex Figueiredo reconhece, de resto, que a diferença para os outros clubes que foram encontrando nas várias divisões distritais não estava apenas na grandeza do clube: mesmo a estrutura de apoio à equipa era fracamente melhor do que tudo o que havia nos adversários.

«Já tínhamos uma estrutura muito forte a nível da preparação física, ginásio, campo, análise de vídeos, tudo, tudo, tudo. Três ou quatro vezes por semana tínhamos vídeo e ginásio, por exemplo. Analisávamos vídeos nossos, dos adversários e estávamos tão bem preparados que basicamente quando chegávamos ao campo já prevíamos o que ia acontecer.»

Já André Serra, por outro lado, tinha passado pela formação do Benfica, do Sporting e do Sacavenense. Tinha crescido ao lado de André Franco, Ricardo Mangas, Jovane Cabral, Abdu Conté, David Tavares, Pedro Pereira ou Luís Maximiano.

«No meu primeiro ano de sénior fui para Castelo Branco e no final dessa época andava à procura de clube. Vi que o Belenenses ia começar do zero, conhecia o treinador, falei com ele e vim fazer uns treinos. Eles gostaram de mim e senti desde logo que era um clube enorme e com o objetivo de subir rapidamente aos patamares superiores», refere.

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«Lembro-me que o primeiro treino foi de manhã, estava muito sol e o pessoal estava a treinar, mas ao mesmo tempo a admirar o Restelo. A grandeza das bancadas. Tudo isto era uma coisa nova e estávamos todos assim meio nervosos, meio contentes. Não tenho qualquer tipo de dúvida de que tomei a melhor decisão e voltava a fazer tudo igual. Foram os melhores cinco anos da minha carreira. Estou mais do que agradecido ao Belenenses por isto.»

Olhando para trás, Alex Figueiredo e André Serra recordam o primeiro jogo deste novo Belenenses. Em casa, frente ao Parque das Nações. Vitória por 4-0. Logo a seguir veio uma deslocação ao campo do Trajouce e duas semanas depois visitaram o Malveira da Serra.

«De vez em quando até vou ver jogos antigos no Youtube para reavivar as memórias. Lembro-me dos adeptos apreensivos no primeiro jogo, com o Parque das Nações, sem saber como ia correr isto tudo, como é que a aventura ia começar. Aqueles momentos antes de entrar em campo foram uma mistura de emoções», refere André Serra.

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«Durante a primeira semana estávamos nervosos. Era um nervoso não propriamente por causa do jogo, mas pela responsabilidade de fazer renascer a Cruz de Cristo», adianta Alex.

«Lembro-me que em Trajouce, por exemplo, o campo estava cheio de adeptos do Belenenses, isso até foi notícia na altura. Estávamos sempre em casa, em todos os campos. Jogar nesses pequenos campos dos distritais também foi uma experiência», continua André Serra.

«Claro que há campos melhores e outros piores, mas acho que foi o facto que nós nos conseguirmos adaptar a tudo a tudo, e aqui refiro-me mesmo a tudo, que fez com que conseguíssemos subir sempre. Foi preciso descer um pouco à terra, ter bastante humildade, mas também foi essa capacidade de ter os pés no chão que nos permitiu ter sucesso.»

Os adversários que não resistiam a tirar fotos ou fazer vídeos para partilhar nas redes sociais

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A passagem do Belenenses por esses campos, de resto, foi sempre um acontecimento. Os dois jogadores recordam a admiração que havia nos adversários, e até mais do que isso.

«Quando jogavam com o Belenenses era sempre diferente para eles. É normal, porque querem ser vistos e o Belenenses é um clube grande. Muitas vezes no balneário após os jogos comentávamos que nos vídeos não se via nada daquilo, o que é compreensível, contra nós estavam mais motivados e davam sempre o litro», sublinha Serra.

«Acho que eles percebiam que, apesar de estarmos ali, nós não éramos um clube daquela divisão, nem jogadores daquela divisão. Sabiam que era difícil ganhar-nos, mas queriam desfrutar e jogar aquele jogo como se fosse a final da vida deles», adianta Alex.

«Além disso, notávamos que havia uma admiração por nós. Por exemplo quando jogávamos em casa e víamos os adversários a fazer vídeos e a filmarem-se no Estádio do Restelo, para depois partilharem nas redes sociais, ou a ficarem contentes por jogarem em relva natural.»

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Serra e Alex são unânimes, refira-se, quando se pergunta qual foi o jogo mais especial.

«Os dois jogos com o Estrela da Amadora», atiram.

«Quando jogámos lá, o Estádio José Gomes estava cheio, mesmo cheio, e nós nem conseguíamos falar uns com os outros. Era tanto barulho que não nos conseguíamos ouvir. Foram semanas faladas por toda a gente e sentimos que estávamos a fazer um jogo histórico. Esse jogo ficou gravado na minha memória. Foi muito especial», diz Serra.

A imagem inesquecível de 300 adeptos debaixo de um temporal para apoiar a equipa... em Mem Martins

Alex Figueiredo acrescenta mais um que, no aspeto puramente pessoal, foi inesquecível.

«Um dos momentos mais felizes foi em Carcavelos quando defrontei o meu irmão pela primeira vez. Ele jogava nos juniores do Carcavelos, foi treinar aos seniores e jogou contra nós. Foi muito engraçado. Ele é avançado, eu sou defesa, ele entrou em campo, eu olhei para ele, ri-me e percebi que ia jogar contra o meu irmão. Dei-lhe umas porradas, tanto assim que ele chegou a casa chateado comigo, mas ele também me deu uma, é normal.»

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«Depois, acho que todos os dias em que garantimos subidas de divisão foram muito importantes, foram dias muito felizes. Olhar para a bancada e ver malta a chorar, ver pessoas de mais idade, ver crianças com quatro ou cinco anos acompanhadas pelos pais ou pelos avós, perceber que estamos a lutar por uma causa que não é só nossa, não estou a subir de divisão para meter no meu currículo, mas por porque tenho milhares de pessoas que precisam disto, que precisam desta vitamina extra na vida delas, é uma alegria enorme. É muito gratificante e são episódios que não se esquecem. Como não me esqueço de um jogo com um temporal incrível, chuva, vento, trovoada, tudo o que podia acontecer, em Mem Martins, e nós tínhamos na bancada cerca de 200 ou 300 adeptos. Na segunda distrital. Todos molhados, completamente encharcados, mas lá estiveram lá a cantar o jogo todo.»

No fundo são episódios como estes que fazem Alex Figueiredo e André Serra considerarem-se privilegiados. Eles foram, na verdade, protagonistas de uma história especial.

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Ainda não sabem se vão continuar a fazer parte dela, nesta última temporada Alex fez apenas um jogo e Serra foi utilizado em dezasseis, mas há algo de que têm a absoluta certeza.

Vai ser difícil convencer os netos de que isto aconteceu mesmo exatamente assim.

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